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O dinheiro fala
Citando Lanchester: “A linguagem do dinheiro é uma ferramenta poderosa e é também uma ferramenta do poder. A incompreensão é uma forma de consentimento.”
Em
2014, John Lanchester escreveu, na revista “New Yorker”, um artigo
intitulado “Money Talks”, onde descreve como a indústria financeira, com
o objetivo de tornar mais respeitáveis certas práticas financeiras, as
embrulha em metáforas. O objetivo é que as metáforas se tornem a
terminologia e se convertam em factos. Resultado: ninguém questiona
factos. Repetindo os factos uma e outra vez, eles tornam-se familiares
e, como todos sabemos, a familiaridade afasta o medo e tornamo-nos mais
permeáveis ao que a indústria financeira nos quer vender.
Os hedge funds, segundo Lanchester, são um bom exemplo. A palavra hedge – o significado é literalmente sebe – começou por significar um limite a uma aposta, uma cobertura a um investimento. Basicamente, o hedge garantia que, qualquer que fosse o desfecho, a perda não seria total. Hoje, um hedge fund
é uma concentração de capital privado sujeito a regulação leve que
segue permanentemente uma estratégia “exótica”. Existe sempre uma
receita secreta, um conjunto de algoritmos complexos que justificam as
comissões exorbitantes cobradas aos investidores.
Lanchester vai mais longe, “Uma sebe/hedge
é uma coisa física. Foi transformada em metáfora; depois numa técnica; a
técnica tornou-se mais sofisticada e cada vez mais complexa; tornou-se
depois em algo que já não pode ser compreendido à luz da linguagem
normal. E esta é a história de como uma sebe, que delimita um campo ou
jardim, se converteu no que é hoje: uma concentração de capital, em
grande medida não regulada, que utiliza frequentemente enormes
quantidades de alavancagem para multiplicar o tamanho das suas apostas.
Isto é a reversificação – o processo pelo qual as palavras
tomam um significado oposto, ou pelo menos muito diferente, ao sentido
original – no seu máximo esplendor.”
A palavra securitização, que
poderíamos pensar estar relacionada com segurança ou fiabilidade –
tornar as coisas mais seguras – é, no mundo financeiro, o processo de
converter algo em instrumentos financeiros que podem ser transacionados
no mercado de capitais. Hipotecas, empréstimos automóveis, prémios de
seguros, o que quiser, tudo pode ser securitizado. A securitização dos
créditos à habitação concedidos por bancos sem escrúpulos a pessoas que
não tinham qualquer hipótese de os pagar redundou na maior crise
financeira dos últimos 80 anos. A própria denominação que era atribuída a
estas pessoas (NINJA – No Income No Jobs or Assets) não é inocente.
A reversificação é omnipresente: bail out – literalmente, ajudar alguém – significa agora injetar dinheiro em instituições falidas; crédito é dívida; inflação significa que o dinheiro vale menos; sinergias equivalem a despedimentos e risco
é confundido com uma falsa precisão na medição de probabilidades. Na
taxa fixa, produtos associados a rendimento seguro, as obrigações de
alto risco que antes eram chamadas de junk ou lixo, passaram a chamar-se de high yield
– rendimento elevado. Quem não quer ter um rendimento melhor (se não
souber que está a sacrificar a segurança do capital que investe)?
John
Lanchester conclui: “A linguagem do dinheiro é uma ferramenta poderosa e
é também uma ferramenta do poder. A incompreensão é uma forma de
consentimento. Se nos permitirmos não compreender esta linguagem,
estamos a abdicar de compreender como o mundo funciona hoje”.
O conhecimento gera competências e permite aos investidores proteger os seus interesses.
* Chairman & CEO, Casa de Investimentos – Gestão de Patrimónios, S.A.
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
15/02/19
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