07/02/2019

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HOJE NO 
"OBSERVADOR"
Greve dos enfermeiros pode ser 
evitada através da requisição civil? 
Perguntas e respostas

O Governo aprovou, em Conselho de Ministros, uma requisição civil para os enfermeiros para travar a greve cirúrgica destes profissionais. Perguntas e respostas sobre este mecanismo.

O Governo aprovou esta quinta-feira, em Conselho de Ministros, uma resolução que reconhece a necessidade de requisição civil para os enfermeiros. Em conferência de imprensa, a ministra da Saúde, Marta Temido, disse que o executivo não teve “alternativa”. O Observador explica-lhe o que tem de saber sobre o funcionamento deste mecanismo e quando foi a última vez que foi ativado.

O que é a requisição civil?
A requisição civil está prevista na legislação portuguesa desde 1974, pela mão do Governo liderado por Vasco Gonçalves. De acordo com o decreto-lei n.º 637/74, este mecanismo só pode usado quando, perante “circunstâncias particularmente graves”, “não estejam assegurados os serviços mínimos”. 
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A requisição civil tem carácter excecional e pode ser acionada em situações de emergência ou quando está em causa o cumprimento de serviços essenciais de interesse público. Entre os serviços públicos ou empresas que podem ser alvo deste mecanismo estão, por exemplo, as atividades que visam “a prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos”. No fundo, a requisição civil permite convocar trabalhadores para se apresentarem ao serviço para salvaguardar o interesse nacional.

O que acontece se não forem cumpridos os termos da requisição civil?
A lei, datada de 20 de Novembro de 1974, prevê consequências para os funcionários que, em contexto de greve, não compareçam ou se recusem a desempenhar as funções atribuídas, isto quando levantado o mecanismo de requisição civil. As consequências para os trabalhadores podem ir desde processos disciplinares a consequências criminais, como o crime por abandono de funções.

Quando foi a última vez que um Governo avançou com uma requisição civil?
Em Dezembro de 2014, o executivo liderado por Pedro Passos Coelho anunciava a possibilidade de avançar com uma requisição civil, na sequência do pré-aviso de greve entregue pelos trabalhadores da TAP. A situação foi analisada em Conselho de Ministros, e o Governo avançou com uma requisição civil, assegurando assim a realização de mais de mil voos pela empresa, segundo afirmou o então ministro da Economia, António Pires de Lima. Por este ser um instrumento de último recurso, a requisição civil foi várias vezes decretada na história da democracia portuguesa: foi inaugurada em 1977, por Mário Soares, para impedir uma greve de pilotos da TAP. Também no Verão de 1997, por exemplo, o então Governo de António Guterres convocou uma requisição civil como resposta ao anúncio de uma outra greve dos pilotos.

E na saúde, já houve alguma requisição civil?
Sim, mas apenas mais uma vez: em 1976. A requisição civil foi aprovada tendo em conta uma greve dos enfermeiros que reivindicava aumentos salariais. O documento foi assinado a 17 de março pelos ministérios da Administração Interna, da Educação e Investigação Científica e dos Assuntos Sociais da altura, justificando a decisão com “a gravidade da situação existente nos serviços hospitalares e demais serviços da saúde” em consequência da paralisação.
Esta requisição obrigava cada trabalhador a “prestar os serviços que vinha desempenhando anteriormente à greve iniciada a 12 de março de 1976 e até que sejam estabelecidas as condições normais de trabalho”.

Por que é que o Governo avançou agora com uma requisição civil?
A decisão não foi tomada “de ânimo leve”, disse esta quinta-feira a ministra da Saúde, Marta Temido, em conferência de imprensa depois da reunião do Conselho de Ministros. A governante explicou que “face ao que está posto em causa na área da enfermagem e às situações de incumprimento de serviços mínimos dos diversos hospitais atualmente em exercício de greve, não teve o governo alternativa à resolução da aplicação do instituto da requisição civil”. Foi desta forma que a Marta Temido clarificou a posição tomada pelo Governo, adiantando que “será agora por portaria do Ministério da Saúde que se definirá em concreto e o respetivo âmbito”. A ministra da Saúde explicou ainda que não houve “prejuízo daquilo que é o reconhecimento do direito à greve”, e vai agora preparar a portaria que definirá os termos desta requisição civil, que terá “efeitos imediatos”.

E o que está em causa?
Esta requisição civil está ligada à greve cirúrgica dos enfermeiros, que se iniciou a 31 de Janeiro e se prolonga até ao fim do mês, 28 de Fevereiro. Em entrevista à RTP, na semana passada, Marta Temido admitia equacionar meios jurídicos para travar a nova greve dos enfermeiros nos blocos operatórios. A tutela dizia então que esses “meios jurídicos” poderiam passar por uma requisição civil, no entanto, a ministra considerava que essa era uma “opção extrema”, só usada quando não são cumpridos os serviços mínimos. Já no último sábado, na sua rubrica de comentário na SIC, Luís Marques Mendes avançava com a informação de que o executivo tinha pedido um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a hipótese de avançar com a requisição civil.

O que diz o sindicato?
Em resposta ao anúncio feito pelo Governo, a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) afirmou à Lusa que os enfermeiros não ficarão serenos em relação à decisão da requisição civil. A estrutura sindical avisou o Governo para o risco de surgirem formas de luta “mais incontroláveis” que não sejam suportadas por sindicatos. A presidente da ASPE rejeita os fundamentos para a requisição civil decidida esta quinta-feira. Segundo Lúcia Leite, o Governo “optou por um caminho que parece fácil, mas que lhe pode trazer dificuldades bem maiores no futuro”. Já na última sexta-feira, este sindicato tinha defendido que a possibilidade de o Governo de António Costa avançar com a requisição civil para combater a greve cirúrgica dos enfermeiros constituía uma “ameaça ou coação” para tentar desmobilizar aqueles profissionais de saúde. Perante este cenário, a presidente da ASPE admitiu mesmo prolongar a luta dos enfermeiros. Lúcia Leite dizia entender que este é um direito do Governo, mas via a sua posição como uma ameaça para desmobilizar os enfermeiros. Estes profissionais protestam contra a falta de valorização da sua profissão e contra as dificuldades das condições de trabalho no Serviço Nacional de Saúde. A greve abrange sete hospitais públicos e deverá adiar milhares de operações. Já antes da entrevista à SIC, o primeiro-ministro tinha dito que a as greves dos enfermeiros têm sido “selvagens”, e que são “absolutamente ilegais”.

* António Costa requisitou sarna para se coçar e depois vai precisar de um enfermeiro que lhe aplique o creme para aliviar a coceira.

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