27/02/2019

A PORTEIRA

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As mulheres, os salários iguais 
e o fim do mundo em cuecas

"Se as mulheres ganham menos que os homens, por algum motivo é. E eu digo-vos já qual é o motivo, que eu não sou de mandar dizer por ninguém: a verdade é que nós, as mulheres, somos muito estragadas".

Fui agora mesmo apanhada de rolos na cabeça – sim, que hoje é dia de lavar o cabelo e dar umas tesouradas nas pontas, para não espigar – com a notícia de que as mulheres vão ganhar tanto como os homens, desde que façam um trabalho igual.
Olha que bonito serviço...

Isto é uma ideia sem pés nem cabeça e não há-de faltar muito tempo para verem como eu tenho razão.

Se as mulheres ganham menos que os homens, por algum motivo é. E eu digo-vos já qual é o motivo, que eu não sou de mandar dizer por ninguém: a verdade é que nós, as mulheres, somos muito estragadas. A gente, Deus me perdoe, só gastamos dinheiro em porcarias. Por isso, darem mais dinheiro à gente é mesmo estar a pedir para o torrarmos ainda mais. Qualquer dia, comemos dinheiro torrado ao pequeno-almoço, com um bocadinho de manteiga, como fazemos com os restos do bolo-rei.

Basta a gente andarmos na rua para vermos a quantidade de lixo com que a gente se vestimos: a gente não somos como os homens, que é uma calça, uma camisa, um casaco e ala Cardoso. A gente é cueca, a gente é meia, a gente é cinta, a gente é combinação, a gente é sutiã, a gente é camisola interior, a gente é saia, a gente é camiseiro, a gente é casaco de malha, a gente é casaco três-quartos. E como se ainda fosse pouco, a gente ainda é sapato, a gente ainda é mala e a gente ainda somos de atirar uma xarpe para cima disto tudo.

E o vestir ainda não é o pior. O pior é o resto!

Por um acaso, alguma vez algum homem comprou, numa aquelas lojas da televisão que passam às quatro da manhã, uma esfergona que também é vassoura e que também é piaçaba e que, em abrindo ainda é chapéu-de-chuva e que em Dezembo, com mais uma extensão, ainda é árvore de Natal? 

Algum homem alguma vez deu pra cima de dez contos na moeda antiga por um boião de creme de baba de caracol? Ou de raspas de escama de sardinha? Algum homem tem um cobertor com mangas para ver televisão? Algum homem vê televisão? Algum homem gastava metade do ordenado em tamparuéres? De todos os tamanhos? E de todas as cores? E em forma de limão, para guardar as metades? Algum homem tem sete camisas de dormir? E mais três robes? Algum homem tem uma caixa com setenta e cinco matizes de sombras para os olhos? E um gel de duche para as pernas, outro para os braços, outro pró tronco, dois para a cara e sete para o cabelo? Os homens usam escovas eléctricas? E três variedades de pedra pomes prós calos? E bandas de cera prás pernas? Os homens descoloram os pêlos do nariz, e das orelhas, e do bigode?

Eu tenho pra mim que a gente sozinhas transformámos a China na segunda maior economia mundial, de tanto cangalho que a gente trazemos para casa lá das lojas deles.

Eu contra mim falo, que às vezes vou lá comprar umas molas prá roupa, ou uma colher de pau, ou um alguidar para pôr o bacalhau de molho, salvo seja, e venho de lá carregada com uma estátua de Nossa Senhora de Fátima em tamanho real e um escadote pequenino para tirar a maior da chaminé, que virado ao contrário é uma caixa de costura.

O dinheiro faz falta ao país, e em passando por as nossas mãos, é tudo mais para queimar. Já os homens, volta tudo pró Estado, no IVA dos cigarros, da cerveja e da Spór TV.

Mas a gente sermos estragadas é só o primeiro problema, porque há mais.

Em aumentando o salário às mulheres, a gente damos cabo da produtividade do país.

Por exemplos, em acertando os salários para serem iguais aos dos homens, sempre sobra mais algum para comprar lã. E deixamos a gente de fazer camisolas e passamos a fazer tapetes de Arraiolos, que é um chupador de lã. E depois entramos numa repartição qualquer e a boa da mulher, em vez de demorar dez minutos a pousar as agulhas para nos vir atender, é mais meia hora para acabar a franja. Parece que não pensam nessas coisas.

E aquela meia horinha de almoço que a gente aproveitamos para dar um salto a um centro comercial e vermos as montras, passam a ser duas horas perdidas nas filas para pagar mais um sutiã daqueles que puxam o peito para cima, ou uma tinta acobreada para o cabelo, ou um trem de cozinha com acabamentos a ouro de vinte e quatro quilates. Daqueles que ainda oferecem quatro frigideiras em vitrocerâmica temperada, daquela que não agarra nada. Para depois em casa, corrermos o marido e os filhos a arroz com atum. Mal empregado dinheiro.

E por falar em filhos, se as mulheres deixarem de receber menos vinte porcento que os homens para fazerem o mesmíssimo trabalho, qualquer dia já compensa uma mulher ir trabalhar, em vez de ficar em casa. E as mulheres, em trabalhando, começam a meter lá umas ideias na cabeça e depois vêm os divórcios, e depois os filhos drogados, e depois os filhos homossexuais e por aí fora. Ou às vezes pior, os filhos drogados e homossexuais. É isto que ainda há-de acabar com a civilização da gente, escrevam o que eu digo.

Outra coisa que isto pode trazer de muito mau é que, com salários exactamente iguais aos dos homens para trabalhos exactamente iguais, as mulheres começam a ter a mania e vão de comprar o seu carrinho, em vez que irem, como pertence, sentadas ao lado do marido. Ora, como as mulheres a conduzir é o desastre que se sabe, a gente se não morremos de uma coisa, morremos da outra.

Mas como eu não gosto de ser negativa, acabo com uma luz ao fundo do túnel: dei uma guglada (que é assim que se diz procurar na internet) e estive a ler uns estudos sobre outros países que já caíram nesta esparrela. Parece que estas legislações, apesar das intenções, não chegam para acabar mesmo com o fosso salarial, como eles dizem, entre os homens e as mulheres. Isto, entre outras coisas, porque as mulheres continuam a ser discriminadas lá nos empregos delas, a ter menos hipóteses de serem promovidas e a serem vistas como muito agressivas quando tentam conseguir um aumento de salário, o que as desmotiva a falarem com os chefes sobre estes assuntos. Por isso, nem tudo está perdido.

Dizem eles que, mais importante que a legislação, é mudar as mentalidades. Mas para isso, cá estamos nós. Para não deixar mudar, vá.

E prontos, gostei muito deste bocadinho, e agora vou voltar pra de roda do ferro. Felizmente que o meu passa tudo num instante, que tem sete caldeiras, nove saídas de vapor, e um bico prá frente, um bico pra trás, um bico prá esquerda e um bico prá direita. Comprei na TV Shop, noventa contos na moeda antiga, e ainda me mandaram uma bíblia ilustrada.

É que eu, Deus me perdoe, mas como sou mulher, não tenho nada na cabeça.
Com licença.

IN "SÁBADO"
21/02/19

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