03/01/2019

HUGO SÉNECA

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Prontos para mais 
14,55 minutos de porno?

Esqueça as pesquisas no Google; esqueça os posts do Facebook e os 280 carateres do Twitter; esqueça os achados no Aliexpress e no OLX ou mesmo os golos fantásticos d’ A Bola e do Record; esqueça os amigos do Whatsapp e as contas para pagar no site da Caixa Geral de Depósitos ou no Portal das Finanças; esqueça os lances mais espetaculares do Twitch ou as estreias ilegais no Mrpiracy. Esqueça, simplesmente. O site em que os portugueses passam mais tempo chama-se Xvideos.

Ok, vamos fingir que não sabe do que estamos a falar – ou que nunca visitou o site. Prometo não demorar mais de 14,55 minutos a explicar o assunto – precisamente, a média do tempo despendido por cada português no Xvideos, segundo o conhecido ranking do Alexa. O que é o Xvideos? Ah, é verdade, o leitor obviamente não sabe… erh… como é que hei de dizer isto? Bom, se não for adulto saia imediatamente desta página. Então aqui vai: o Xvideos é um site de p-o-r-n-o-g-r-a-f-i-a. Ou melhor, de todo o tipo de pornografia. Profissional, amadora, em direto e em diferido, hétero, gay, sado-maso, gore - ou apenas parva, que é também a classificação que, possivelmente, os internautas dão aos tipos de pornografia de que não gostam.

Claro que estou ciente de que o caro leitor não sabia - nem tinha forma de saber - o que é o Xvideos. Mas esse desconhecimento levanta uma segunda questão: imagine que o universo estatístico estudado se resume à minha pessoa e ao estimado leitor. Ora se o leitor nunca incorreu no erro de entrar no Xvideos, isso significa que automaticamente passei a ser responsável pelo visionamento de 29,50 minutos de ciberpornografia. É a velha história dos frangos estatísticos (uma pessoa come dois frangos e outra nada come, mas a média indica que cada pessoa come um frango) mas aplicada aos filmes porno. O que, além de me habilitar a um prolongado opróbrio social, não corresponde à verdade. Ou melhor, corresponde. Mas não corresponde assim como lá está dito. 

Pronto, confesso o inconfessável: Eu já vi porno. Pior ainda: eu vi porno minutos antes de escrever este texto – e algo me diz que por mais que repita que «isto não é o que parece», ou que «estava em trabalho», os meus colegas de redação que me viram atrapalhado a tentar fechar páginas e imagens que surgiram quando comecei a recolher informação sobre o Xvideos, dificilmente aceitam remover o selo de “taradão” que já me colocaram virtualmente na testa. 

Claro que não hesitarei em recorrer às alíneas do código deontológico dos jornalistas para defender a minha posição, mas se, mesmo assim, não conseguir convencer conhecidos e desconhecidos de que não é perigoso estar ao pé de mim quando trago uma gabardina, lá terei de usar a estatística que me incriminou como desagravo: Em quase todos os países da UE, no Brasil e nos EUA, o site XVideos é o campeão das sessões longas. É verdade que em muitos países o Xvideos não supera em número de visitas os já famosos Pornhub ou Livejasmin, mas essa é das tais análises que qualquer “marqueteiro” de serviço poderá justificar com uma diferença de perfis de utilizadores. O que não invalida a conclusão: o porno tem um poder muito grande na Internet atual – ou não fossem os sites desta temática responsáveis por valores que rondam entre quatro e cinco por cento do tráfego mundial, segundo estatísticas da ExtremeTech de 2015.

Fiquemo-nos pelo Xvideos, como exemplo: segundo a SimilarWeb, é o nono site mais visitado – sendo apenas superado pelo XNXX (que é o sétimo mais visitado em todo o mundo) no seu segmento. Apesar de ser segundo no aguerrido mundo das audiências em que só os primeiros mandam e desmandam, e de algumas estatísticas revelarem um ligeiro declínio na popularidade, o Xvideos ainda não terá desbaratado a aura que levou, um dia, o misterioso dono do grupo WGCZ a rejeitar uma proposta de 120 milhões de dólares que, alegadamente, havia sido apresentada pelo grupo concorrente MindGeek. «Tenho de ir jogar Diablo II», terá dito o dono do WGCZ, quando soube dos valores propostos pelo concorrente desejoso de criar um grande monopólio pornográfico de escala mundial. A recusa em vender o seu negócio não o impediu de, mais tarde, o WGCZ investir os milhões necessários para comprar os destroços do grupo Penthouse – sem nunca ter de abrir as portas dos discretos escritórios que mantém em Praga, República Checa. 

E é aqui que todas as questões se levantam – e são bastante mais pertinentes que os julgamentos moralistas sobre práticas que, afinal, estão longe de ser incomuns. Afinal, quem manda na indústria pornográfica, que chega a ter sites que movimentam 6 TB por minuto? E se há uma indústria, quem são os seus trabalhadores?

Talvez seja tempo de encarar com menos moralismo e mais pragmatismo o enorme elefante que se mantém a descoberto em computadores, tablets e telemóveis de todos os pontos do mundo. Nos EUA, o Congresso aprovou, em 2015, legislação que tinha em vista combater o tráfico humano associado às mulheres obrigadas ou instigadas a seguir uma carreira como atrizes porno, mas também deixou uma questão pertinente: será que o consumo de pornografia desvaloriza as relações amorosas ou promove comportamentos violentos sobre as mulheres? 

Gail Dines, socióloga que liderou os denominados American Studies, deu o mote quando questionada pelo Huffington Post por ocasião da aprovação das novas leis anti-tráfico humano. E lembrou que hoje a Internet é o maior educador sexual das novas gerações: «só há duas conclusões possíveis: ou os homens estão naturalmente dispostos a fazer aquelas coisas às mulheres – devido à biologia – ou então estão a ser socializados por esta cultura para perderem a empatia pelas mulheres». Apesar de ser acusada de extremista na defesa dos direitos das mulheres, Dines não teve dúvidas em apontar a fonte do mal: «recuso a aceitar que os homens nascem violadores ou consumidores de pornografia».

Nos EUA, em paralelo com os alertas de feministas, já há várias associações que denunciam uma nova problemática social: a dependência de pornografia na Internet. O problema é equiparado a outros vícios que a Internet potenciou (com os jogos de azar e videojogos à cabeça), mas pode ser um pouco mais complexo de sanar. Até porque o consumo de pornografia assume proporções à escala planetária (a menos que haja uma fatia minoritária da população que esteja a desequilibrar as estatísticas com acessos permanentes que inflacionam a média individual) – e envolve questões legais como a defesa da privacidade e a liberdade de expressão e publicação. Além disso, há sempre a questão que se coloca: a pornografia melhora ou piora a vida sexual das pessoas?

Fernando Mesquita, sexólogo, dá a resposta possível: a pornografia pode funcionar como um complemento à vida do casal e, «por si só, não causa problema». «O problema é se passa a adição», acrescenta o sexólogo para depois traçar um diagnóstico: «Há cada vez mais pessoas (que revelam sinais de dependência) em contexto clínico. Também há mulheres, mas é algo que se verifica principalmente em homens». Alteração de rotinas, protelar obrigações e trabalho ou desistir de sair com os amigos devido à pornografia são alguns dos sintomas de dependência elencados por Fernando Mesquita. 

O sexólogo também lembra que a Internet tornou mais fácil e barato o acesso à pornografia, mas tornou ainda mais notória a disparidade entre filme e realidade e entre atores e pessoas “normais”, podendo levar os consumidores a entrarem numa escalada por estímulos cada vez mais intensos: «Aquilo que se vê no ecrã nem sempre é possível na vida real. Os filmes pornográficos são feitos por atores conhecidos por outros atributos que não a capacidade de representação, além de haver cortes e montagens e a relação sexual durar muito mais tempo que na realidade». 

Apesar destes riscos, Fernando Mesquita não vê razão para banir a pornografia dos hábitos das pessoas que não sofrem de dependência. E admite que nalguns casos até pode ter vantagens: «também pode despertar outro tipo de estímulos». A questão está para durar. E a presença do Xvideos no pódio das audiências também.

IN "EXAME INFORMÁTICA"
NOVEMBRO/2018


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