24/01/2019

CARLA OLIVEIRA

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Violência Doméstica

Saliente-se porém que, nos crimes de violência doméstica, à semelhança de todos os demais, e por imperativo constitucional, o/a arguido/a presume-se inocente até trânsito em julgado da decisão condenatória.

Portugal ratificou, em 2013, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul). A própria Convenção prevê a existência de um órgão especializado e independente, composto por um grupo de peritos – GREVIO – que tem por escopo a monotorização da sua aplicação por parte dos Estados signatários.

Foi conhecido esta semana o primeiro relatório de avaliação, realizado a Portugal, por parte do GREVIO. Este relatório, embora reconheça o compromisso significativo das autoridades portuguesas e os progressos alcançados, indica uma série de aspectos que aponta como deficiências, tratando-se de aspectos a melhorar.

Direccionadas aos Tribunais, são apresentadas, como críticas (e, como tal, aspectos a "melhorar") a baixa taxa de condenações e o elevado número de penas de prisão suspensas na sua execução, em ambas as situações nos casos de crimes de violência doméstica. A este propósito é dito, que neste tipo de crimes, apenas cerca de 7% das denúncias apresentadas terminam em condenação.

Importa, antes de mais, salientar que, no que respeita ao Tribunal, apenas poderá ser aferida a taxa de condenações com base no número de processos em que é deduzida acusação e não com base no número das denúncias entradas. Com efeito, cabe ao Ministério Público, no âmbito dos poderes de direcção do inquérito e enquanto seu titular, determinar o destino que é dado às denúncias/queixas apresentadas e apenas aquelas que terminam em acusação são remetidas ao Tribunal e submetidas a julgamento. Não é pois possível, pelo menos através dos critérios enunciados, apurar qual a efectiva percentagem de condenações.

Saliente-se porém que, nos crimes de violência doméstica, à semelhança de todos os demais, e por imperativo constitucional, o/a arguido/a presume-se inocente até trânsito em julgado da decisão condenatória. E, como em todas as situações, para que se verifique uma condenação, os factos que integram a prática do crime têm que ser provados em audiência de julgamento. E, por vezes, tal prova não é feita.

Não é, desde logo porque existem situações de denúncias falsas. E, se estas ocorrem em todo o tipo de crimes, aqui existem razões acrescidas para que se verifiquem: em casos de elevada conflitualidade entre um casal – em que muitas vezes se perde a racionalidade – a obtenção do estatuto de vítima de violência doméstica pode ser decisivo para efeitos de atribuição da casa de morada de família ou da guarda dos filhos menores.

Por outro lado, estamos perante crimes que ocorrem no seio da família, em espaço reservado e em que, por regra, a única testemunha da sua ocorrência é a vítima. E esta – dada a sua especial relação de proximidade com o agressor/a – pode, legitimamente, recusar-se a prestar depoimento em audiência o que se traduzirá, por regra, numa total ausência de prova que conduzirá à absolvição. Tal ocorre frequentemente, sobretudo nos casos em que ocorreu uma reconciliação entre ambos.

No que concerne às penas aplicadas, salienta-se que o crime de violência doméstica tem uma abrangência muito vasta, compreendendo no seu tipo legal condutas de extrema gravidade praticadas de forma reiterada e durante longos períodos de tempo (por ex. agressões físicas e verbais de extrema violência constantes ao longo de anos) como também comportamentos de reduzida gravidade, meramente ocasionais, espaçados no tempo ou mesmo que se traduzem num acto único (por ex. o dirigir uma expressão injuriosa numa única ocasião). Pese embora se trate sempre do mesmo crime, as penas a aplicar têm necessariamente que ser distintas e encontradas em função, entre outros elementos, da gravidade do acto concreto praticado.

Acresce ainda que os factores legais que, no nosso ordenamento jurídico, determinam a aplicação de pena de prisão efectiva ou a sua suspensão, se prendem com a pessoa do arguido/a e não com os ofendidos ou com a gravidade dos crimes em causa.

Em suma, não nos podemos esquecer que o crime de violência doméstica, por mais importante que seja o seu combate e a protecção das suas vítimas, como efectivamente deve ser, está sujeito aos mesmos princípios constitucionais e processuais que os demais crimes.             

IN "SÁBADO"
23/01/19

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