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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Apostasia:
Anular o batismo para sair
da Igreja Católica
Podiam simplesmente ter ignorado o facto de serem batizados, mas quiseram livrar-se do rótulo de católicos. Não são crentes e recusam fazer parte das estatísticas. Ao DN, falam sobre o processo de desvinculação. Igreja não reúne dados sobre apostasias, paróquias falam em números residuais.
Identifico-me como sendo agnóstico ateísta, isto é, acredito que a
humanidade ainda não é capaz, com a razão e a ciência, de provar a
existência de uma ou várias divindades e, simultaneamente, não creio
que, mesmo se algum dia for capaz de o fazer, exista de facto essa ou
essas divindades." Fábio Cipriano Ventura, de 24 anos, estudante do
mestrado integrado de Engenharia Aeronáutica na Universidade da Beira
Interior (UBI), está entre os portugueses - não se sabe ao certo quantos
são - que pediram a anulação do batismo.
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Foi batizado aos 20
meses e fez a primeira comunhão aos 8 anos. Dois anos depois, quando os
pais lhe deram liberdade para escolher continuar ou não na catequese,
resolveu sair. "Não me dizia absolutamente nada, era nessa altura
somente uma perda de tempo", recorda. Começou a perceber que o conceito
de "divindade" lhe passava ao lado e a questionar a sua orientação
religiosa. Contudo, apesar de as dúvidas terem surgido muito cedo, só em 2015 descobriu num
grupo do Facebook o que era a apostasia (abandono da Igreja Católica).
"Nunca me tinha passado pela cabeça que fosse possível anular
o batismo, e por isso sair oficialmente da igreja, e, nesse momento, a
reflexão que nessa altura já tinha efetuado ganhou uma maior
profundidade." Leu bastante, conversou com amigos, pediu apoio à
mãe. Resolveu apostatar-se em 2018, como resolução de ano novo. Viu
testemunhos de pessoas cujos pedidos de apostasia demoraram meses e até
anos, mas, no seu caso, considera que o processo até foi "bastante
simples".
Fábio escreveu uma carta para a paróquia onde foi
batizado, no dia 9 de janeiro de 2018, e enviou-a no dia 11 com o
requerimento da apostasia onde explicou os seus motivos. "À carta juntei
um envelope endereçado com a minha morada para que pudesse receber uma
resposta por escrito - longe de mim obrigar a paróquia a ter despesas
comigo! E juntei também uma cópia da minha cédula da vida cristã." Oito
dias depois, a carta foi recebida, porém um mês mais tarde ainda não
tinha recebido qualquer resposta.
No dia 19 de fevereiro, Fábio enviou um e-mail para a paróquia e, no mesmo dia, recebeu uma resposta. "O
pároco disse-me que nunca ninguém tinha pedido para ser apostasiado
naquela paróquia pelo que estavam a aguardar instruções da diocese." A 26 de fevereiro recebeu, via e-mail,
uma digitalização da página do livro de registos de batismos referente
ao seu batismo com o averbamento respetivo da apostasia e a 1 de março
recebeu a cópia física dessa página através dos correios. "Estava
oficialmente apostasiado, já não fazia parte das estatísticas oficiais
da Igreja."
Fábio não é crente, e essa é a principal razão pela qual pediu a
anulação do batismo. "O segundo motivo de peso prende-se com as
estatísticas oficiais." De acordo com os últimos dados revelados em 2017
pelo Vaticano, em Portugal existe um total de 9,183 milhões de
católicos numa população de 10,34 milhões de pessoas, correspondendo a
uma percentagem de 88,7%.
Para o estudante de Engenharia Aeronáutica,
"são números abismais que não refletem a realidade do país - quantos
portugueses são de facto crentes no catolicismo, independentemente de
serem praticantes ou não? Ainda assim, este número legitima a
influência que a igreja tem no nosso país, mesmo que vivamos num Estado
laico". Refere-se, por exemplo, aos feriados religiosos e à influência
da Igreja em assuntos estruturantes da sociedade como o aborto, a
eutanásia, ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Enquanto cidadão
português, Fábio Ventura acredita que é seu "dever contribuir para a redução da influência e poder que a igreja tem no nosso país". Também não concorda "que se batizem bebés ou crianças sem estes serem sequer ouvidos".
Ao DN, a Conferência Episcopal Portuguesa
adiantou não reunir dados sobre o número de apostasias no país,
sugerindo que o pedido fosse feito às dioceses. Nuno Rosário Rodrigues,
diretor do departamento de comunicação do Patriarcado de Lisboa, diz que "na diocese de Lisboa não há registo do número de pedidos de apostasia".
E explica: "O pedido chega à diocese a partir das paróquias onde a
pessoa o faz, e depois de aprovado pela Vigararia Geral da Diocese é
dada a indicação para que seja registado no assento de batismo - o livro
onde estão registados, nas paróquias, os batismos dos católicos - essa
nota sobre a renúncia à fé católica. Não há, assim, qualquer estatística
nesse sentido."
Na diocese do Porto, os pedidos de anulação do batismo "não são inexistentes, mas são absolutamente residuais".
Já Nestor Camões, chanceler da cúria diocesana de Aveiro, adianta que
"nos últimos anos só houve um ou dois pedidos" de apostasia naquele
distrito. "É raríssimo. É uma coisa que não costuma acontecer", garante.
Carlos Esperança, presidente da Associação Ateísta Portuguesa
(AAP), diz que "há dioceses onde é possível conseguir" a apostasia, mas
garante ter conhecimento de outras onde os padres negam os pedidos. "No
meu caso, não me foi concedida. Pedi na diocese da Guarda, mas não me
foi atribuída", revela. Desta forma, critica, são mantidos "números
exorbitantes de católicos", que não coincidem com a prática.
Contactado
pelo DN, Manuel Matos, vigário-geral da diocese da Guarda, explica que
não é uma questão de o pedido ser ou não aceite. "Quando a pessoa
renuncia a condição de batizado, não se arranca a folha, nem se anula o
batismo. No entanto, se a pessoa declara formalmente que não quer ser
considerada católica, averba-se no assento do batismo que no dia x a
pessoa enviou um pedido formal de renúncia à fé cristã." Segundo o
mesmo, não existem registos do número de apostasias naquela diocese.
Carlos Esperança revela que "a
Associação Ateísta Portuguesa é solicitada com uma frequência enorme
por pessoas que querem ser desbatizadas", mas não é possível dizer se há
uma tendência de aumento das apostasias em Portugal. "Não temos dados. Mas há períodos em que há muitas pessoas a pedir a desfiliação."
Entre as principais razões que levam as pessoas a pedir a anulação do batismo, o presidente da AAP diz que está o facto de "não
quererem que a Igreja se sirva ostensivamente de pessoas que não são
religiosas e reivindique os privilégios de que goza". Por outro lado,
explica, existem "as questões éticas". "É como um partido registar como um militante uma pessoa que não tem nada que ver com a ideologia do partido político."
Em
causa, afirma Carlos Esperança, está "a decisão de pessoas que o
fizeram [batizaram] por hábito e de boa-fé", mas "quem tem uma ideologia
contrária à crença em qualquer ser superior não quer fazer parte
disso". Enquanto "há pessoas que não se importam, existem outras - e são bastantes - que pedem para ser desbatizadas".
Alexandra,
trabalhadora-estudante, de 25 anos, está neste momento a tentar
abandonar formalmente a Igreja Católica. "Assim que soube que era
possível, disse logo a mim mesma que não havia de morrer batizada, e que
um dia me iria livrar desse rótulo e apagar essa escolha feita por
mim", conta ao DN. Não quer "fazer parte de uma religião responsável por
massacres, rejeição da ciência, racismo, e todo um conjunto de
ensinamentos arcaicos".
Em casa, Alexandra nunca foi exposta à
religião, pelo que nunca praticou. Foi batizada quando tinha um ano e
meio, naturalmente sem o seu consentimento. "Ainda hoje fico um pouco zangada com a situação, não me foi dada uma escolha, algo que não tolero."
Reconhece que podia não fazer nada, que a sua vida não se ia alterar,
mas também não quer continuar a fazer parte da estatística.
"Tenho o
apoio dos meus pais a 100% nesta questão, compreendem o meu ponto de
vista", sublinha a jovem, que se encontra a tratar da certidão de
batismo para avançar com a apostasia.
Marco Coelho, diretor comercial, de 29 anos, também já fez o pedido de anulação do batismo. "Não sou crente. Repudio uma série de práticas da igreja católica e o poder politico que ainda tem no nosso país. Acho que a religião é o fenómeno que mais tem condicionado o processo evolutivo da sociedade", justifica.
Foi com "o objetivo de tentar divulgar mais esta possibilidade" que decidiu fazer a apostasia.
"Os dogmas são os principais inibidores da discussão e enquanto as
pessoas que pensam como nós sentirem a pressão da sociedade para não se
abordarem esses assuntos intocáveis, todos os problemas da instituição e
da própria religião vão prevalecer e vingar", afirma. Numa altura em
que "parece que a intolerância cresce de forma exponencial é
importantíssimo que não haja instituições com este poder sobre a
sociedade que lutem contra a moderação, que inibam a discussão e o
debate e criem cisões, muitas vezes extremas e violentas, entre pessoas
com visões/opiniões divergentes".
Nuno Rosário Fernandes esclarece que a apostasia "é um ato formal jurídico, porque sacramentalmente a pessoa não deixa de ser batizada, porque o sacramento do batismo imprime carácter na pessoa batizada, conforme esclarece o número 7 do documento da Santa Sé".
Na
Argentina, por exemplo, centenas de católicos promoveram uma apostasia
coletiva, no ano passado, perante a intolerância da Igreja Católica em
relação ao aborto.
* É óbvio que qualquer instituição católica não sabe números de negações de baptismos, não convém. Talvez até ignorem o valor percentual mundial de católicos, menos de 16% com tendência para descer, felizmente.
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