16/01/2019

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HOJE  NO 
"DINHEIRO VIVO"
Governo e ERSE querem tirar iluminação pública à EDP e dar às autarquias

Rede de distribuição na mão das câmaras pode aumentar preços da luz, admite o ministro João Pedro Matos Fernandes.

Governo e Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos estão de acordo: a iluminação pública deverá passar a ser gerida pelas autarquias, separada da rede de distribuição de eletricidade de baixa tensão. A proposta consta no relatório final que a ERSE vai apresentar nos próximos dias após a consulta pública levada a cabo pelo regulador. Maria Cristina Portugal, presidente da ERSE, frisou ontem num debate no Parlamento que este cenário exigirá uma “fronteira física entre a infraestrutura da iluminação pública e da rede de baixa tensão” e uma total separação entre as duas atividades. 
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Sobre o tema, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, defendeu que “o atual modelo é um obstáculo a modelos de inovação por parte das autarquias, como é o caso das cidades inteligentes”. Ou seja, com a iluminação pública nas mãos da EDP Distribuição, como está agora, as autarquias não podem apostar em soluções de iluminação mais inovadoras e eficiente energeticamente.

O que Matos Fernandes prefere mesmo é não ver passar para as mãos dos 278 municípios portugueses a própria operação da rede de distribuição de eletricidade em baixa tensão, concessionada há 20 anos à EDP Distribuição, que distribui energia a 99,5% dos pontos de entrega no país (cerca 6 milhões). Este ano, está previsto o lançamento em simultâneo de vários concursos para atribuição das novas concessões de operação da rede de distribuição. 

 O ministro defendeu que o melhor modelo para as redes de distribuição de eletricidade é o que existe atualmente – centralizado e entregue a um único operador. No entanto, o ministro começou a sua intervenção dizendo que as autarquias são as principais interessadas nos concursos que serão lançados em 2019, ao que tudo indica, para a gestão da rede de distribuição. “As concessões são vossas”, disse Matos Fernandes. 

Ainda assim, o ministro deixou bem clara a preferência do governo: “Se fossemos nós a decidir, o modelo centralizado atual é o que é mais fácil de concretizar e o que comporta menos custos”, não só para os consumidores, como para todos os intervenientes no sistema elétrico nacional. E deixou mesmo um aviso às autarquias que, em última análise, terão a última palavra a dizer neste processo. “Temos de acertar na decisão. Não queremos depois ter de fazer cadernos de encargos sobre decisões sobre as quais não concordamos”, disse Matos Fernandes. Para o governante, o maior risco da mudança de panorama é o “aumento das tarifas para todos os consumidores”. E também a questão da distribuições dos trabalhadores desta empresas do grupo EDP para as novas detentoras da concessão e os seus respetivos fundos de pensões. 

 Tal como tem acontecido mais recentemente, desde que a área da energia passou para a pasta do Ambiente e se estreou uma nova secretaria de Estado da Energia, governo e EDP parecem estar alinhados também nesta questão, com João Marques da Cruz, administrador executivo da EDP, a mostrar “orgulho” na rede construída pela EDP Distribuição (composta por 68 mil postos de transformação) e a defender a manutenção de uma única rede nacional. Se assim for, o responsável garantiu que “os consumidores vão pagar cada vez menos pelas redes de distribuição”, porque vão pesar menos nas tarifas (hoje diz respeito a 20%). 

 “Na maior parte dos países europeus não há concurso para a operação de rede de distribuição, mas aceitamos que haja em Portugal. Vamos a concurso e que ganhe o melhor. Mas quem ganha deve ficar com a totalidade da rede”, disse no Parlamento João Marques da Cruz, administrador executivo da EDP, que já tinha admitido ao Dinheiro Vivo que a empresa não está preocupada em perder rede de distribuição para os municípios. 

 “Não estamos preocupados. Estamos muito confiantes […] Acreditamos que vamos ganhar o concurso. Não se sabe ainda as características do concurso das concessões, mas achamos que temos todas as condições para ganhar e somos a melhor solução para uma rede moderna em Portugal. A melhor solução é a EDP Distribuição”, disse o responsável. O Dinheiro Vivo sabe que a Endesa e a Iberdrola também estão na corrida, em concorrência com a EDP. 

No entanto, tanto a ERSE como a EDP Distribuição lembraram que ser operador de redes de distribuição de eletricidade não é um mar de rosas e “nem tudo o que é proveito é rendimento”. Por ano, a EDP Distribuição investe cerca de 325 milhões de euros, por exemplo. “A remuneração efetiva dos investimentos realizados pela EDP Distribuição em Portugal é muito inferior à das suas congéneres europeias”, frisou o administrador da EDP na sua apresentação 

Matos Fernandes reconheceu também ontem que a divisão geográfica que consta na proposta final ERSE em três áreas para a gestão da rede de distribuição (Norte, Centro e Sul) “não é um tema consensual”. Na visão do ministro, uma única área, como existe agora daria continuidade ao modelo atual e garantiria uma homogeneidade tarifária. Por seu lado, a presidente da ERSE garantiu que a proposta definitiva de delimitação territorial em três zonas distintas, depois das críticas às propostas anteriores, foi o maior desafio e a melhor solução encontrada. 

Artur Trindade, o presidente do Operador do Mercado Ibérico de Energia, alertou também para o perigo de passarem a existir preços de eletricidade diferentes ao longo do país, consoante o contrato celebrado por cada município. “Há que ter cuidado com o que se põe no contrato de concessão, para não falarem em novas rendas excessivas”, disse. 

Também Manuel Machado, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, disse na mesma conferência no Parlamento, que os municípios são muito diversos entre si e por isso existe o “risco de tarifas diferenciadas, fragmentação das concessões e diferenças ao nível da qualidade de serviço”. ” A ANMP não se imiscui. Cada município sabe melhor o que quer”, disse 

Sobre a possibilidade de preços diferentes a pagar pela eletricidade por todo o país, a presidente da ERSE foi clara: “Não, não e não! A uniformidade tarifária em Portugal é um princípio inegociável”. 

De acordo com a ERSE existem neste momento 278 municípios 11 concessionárias: a EDP Distribuição e 10 operadores de reduzida dimensão, em 8 concelhos, que distribuem energia a 0,5% pontos de entrega (cerca 30 mil).

* Convém talvez lembrar as escandalosas tarifas da água que as câmaras municipais cobrem aos cidadãos do concelho, se a distribuição de energia passar para a responsabilidade das câmaras vai ser um fartar vilanagem.

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