10/01/2019

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Há 25 anos Fernando Varela 
alertava para o perigo dos eucaliptos 
na serra de Monchique

Em artigo publicado no DN em 1993, o engenheiro silvicultor apelava a que as autoridades olhassem "para além do petróleo verde", referindo-se ao eucalipto.

"Imaginem só como podia ser paradisíaca a serra de Monchique com menos eucaliptos, com uma bela floresta diversificada." O desabafo foi feito por Fernando Varela, engenheiro silvicultor, num artigo publicado na revista do Diário de Notícias em 1993, tal como recordava ontem a historiadora Raquela Varela num post no Facebook, lembrando ainda como há três décadas o pai "fez um plano de reflorestação de Monchique".

"O 'plano de Monchique', que, entre outras coisas, previa floresta mediterrânea autóctone para evitar os fogos nunca saiu da gaveta dos serviços florestais, trancada a sete chaves pelos interesses ultraminoritários da pasta de papel, um Estado dentro do Estado que faz este país arder e nós todos pagar para apagar fogos que não podem ser apagados nem controlados, apesar de hoje gastarmos uma parte dos impostos cada vez maior em meios de combate aos incêndios, um gigante orçamento que umas horas de vento engolem de um trago", escreveu a historiadora no dia em que o incêndio que arde na serra de Monchique desde sexta-feira passada atingiu o seu ponto mais complicado, ameaçando a cidade.


«Imaginem como podia ser paradisíaca a serra de Monchique com menos eucaliptos, com uma bela floresta diversificada». "Para Lá do Petróleo Verde" é um artigo do meu pai, Fernando Varela, publicado no DN em...1993. Há 3 décadas ele fez um plano de florestação de Monchique. Ele pertence a uma geração de alta qualificação técnica de engenheiros florestais do país, que vinham de um saber «total», integrado, a geografia humana por excelência, e foi também, mais tarde, subdirector regional de agricultura do Oeste. O «plano de Monchique», que, entre outras coisas, previa floresta mediterrânea autóctone para evitar os fogos nunca saiu da gaveta dos serviços florestais, trancada a sete chaves pelos interesses ultra minoritários da pasta de papel, um Estado dentro do Estado que faz este país arder e nós todos pagar para apagar fogos que não podem ser apagados nem controlados, apesar de hoje gastarmos um parte dos impostos cada vez maior em meios de combate aos incêndios, um gigante orçamento que umas horas de vento engolem de um trago. Porque ninguém trava um fogo de eucalipto ou pinheiro com vento. Lucros privados, dinheiros públicos, casas e vidas destruídas, a tudo isto chama-se bondosamente «pujança das exportações», omitindo que quando se exporta pasta de papel importa-se destruição do país. País que até já tem uma coisa chamada, imaginem!, «época de fogos». Sim, Portugal tem época de fogos. Como tem fado e mostras gastronómicas, volta e época de caça, tudo faz parte da "identidade nacional", apesar do país só arder assim desde...a pinheirização e, sobretudo, eucaliptização do território. Muitos culpam o «aquecimento global» como se Monchique não tivesse há centenas de anos 40 graus e ventos fortes todos os anos, com ou sem alterações climáticas. A naturalização de problemas políticos, como se fossemos dominados por forças incontroláveis da natureza, é um obstáculo a qualquer solução efectiva. Ele não imaginou, fez um plano, com colegas, centenas de horas de cartografia militar, estudo do clima, florestas, agricultura, território, milhares de horas de viagens, desenhos, reflexão. Está na gaveta, já conheceu uma dúzia de ministros o tal do plano. Intacto, ao contrário da serra de Monchique, destruída.

Engenheiro silvicultor, Fernando Varela foi subdiretor regional de agricultura e, nessa condição, deu parecer negativo ao abate de sobreiros no caso Portucale. Sempre lutou contra a eucaliptização do país e pensou o equilíbrio entre campo e cidade, lembra a filha.

No texto publicado em 1993 e intitulado "Para lá do petróleo verde", Fernando Varela afirmava que "os principais problemas que afetam o setor florestal português - incêndios, eucaliptização, degradação da floresta mediterrânica, subaproveitamento das potencialidades - só podem ser resolvidos se dos responsáveis aos quadros intermédios houver capacidade para uma abordagem sistémica, uma visão macroscópica e uma conceção ecológica e patrimonial da floresta."
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"Os incêndios consumiram em Portugal desde 1974 perto de um milhão de hectares de floresta - para cima de 1/4 do total - com especial gravidade nas áreas de pinhal. O corte das madeiras queimadas tornou-se o modo mais comum da exploração florestal e à sombra das chamas e até do seu combate e da rearborização dos ardidos fecharam-se ciclos infernais de negócio e demagogia", escrevia este especialista. "Os soutos e carvalhais têm vindo a diminuir desde o começo do século (são hoje pouco metade do que eram em 1928), os montados começaram a diminuir nos anos 1950 e os pinhais apenas com os incêndios dos últimos 20 anos. Ao invés, as matas de eucalipto cresceram desde números irrisórios em 1960 para 200 mil hectares em 1978 e mais de meio milhão na atualidade."

Além destes problemas, identificava outros, relacionados com o tipo de propriedade (privada ou estatal). E concluía: "Sem enfrentar a mudança das estruturas - como fizeram no passado os países europeus mais prósperos - não haverá nem floresta de produção nem proteção da natureza. (...) Não será tarefa fácil e necessita de criatividade. Necessita, além disso, do consenso e da vontade das várias forças políticas num pacto, muito para além do horizonte temporal de umas eleições."

O incêndio continua incontrolável no Algarve e a filha de Fernando Varela não esconde a mágoa: "[Ele] fez um plano, com colegas, centenas de horas de cartografia militar, estudo do clima, florestas, agricultura, território, milhares de horas de viagens, desenhos, reflexão. Está na gaveta, já conheceu uma dúzia de ministros o tal do plano. Intacto, ao contrário da serra de Monchique, destruída."

Artigo de Maria João Caetano

Obrigado TÓ CUNHA por nos ter enviado este artigo.



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