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* Sociólogo
IN "PÚBLICO"
20/01/19
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Política de proximidade
e democracia distante
Olhe-se com olhos de ver para os costumes parlamentares e televisivos de há trinta ou quarenta anos: era o silêncio das abadias ao lado das romarias de hoje.
É um dos grandes mitos da política contemporânea: os políticos
estariam cada vez mais distantes dos eleitores e mais longe do povo!
Parece ser o mal de qualquer país ocidental. É uma das explicações mais
banais para os problemas actuais da política
Nada é menos verdade! Nunca os políticos estiveram tão perto dos
eleitores. Dirigem-se aos cidadãos em qualquer dia e a qualquer hora.
Passam grande parte dos fins-de-semana em viagem pelas freguesias e em
visita pelos distritos. Vão a inaugurações, lançamentos, primeiras
pedras e aniversários de nascimentos ou de mortes. Deixam placas
comemorativas em cada esquina. Não faltam aos acidentes, desastres,
mortos, quedas, incêndios, naufrágios e enterros. Fazem reuniões
deslocalizadas, descentralizam, desconcentram, abrem presidências e
conselhos de ministros, estabelecem roteiros de jovens, de velhos, de
estudantes, da ciência, dos pobres e de tudo quanto mexe. Vão aos
desafios de futebol, condecoram os desportistas, assistem a missas
(mesmo não sendo crentes), distribuem medalhas, a cada volta dão um giro
e passam pelo partido. Fazem-se acompanhar por jornalistas sempre
prontos para o movimento e levam colossais comitivas de comunicação a
qualquer parte do país ou do estrangeiro. Pagam transporte e alojamento.
Dão entrevistas breves, pequenas, médias, longas e de uma vida, assim
como grandes entrevistas e conversas informais. Jornais, dezenas de
canais televisão e rádio, redes sociais, telemóveis, telefones,
computadores e todas as vias imagináveis são frequentadas com
assiduidade. As entrevistas rápidas e as declarações à porta de qualquer
lugar público são aos milhares. Os chefes de partido e os ministros são
os mais próximos de todos, os que mais frequentemente aparecem nos
comícios de sexta-feira, nas inaugurações de sábado e nas sessões de
esclarecimento de domingo.
Nunca, como hoje, houve tantas emissões em directo e em “prime time”,
ou “horário nobre”, com declarações políticas, debates entre políticos
fora ou dentro do Parlamento, transmissões de sessões de comissões de
inquérito ou não e audiências parlamentares de toda a espécie. Olhe-se
com olhos de ver para os costumes parlamentares e televisivos de há
trinta ou quarenta anos: era o silêncio das abadias ao lado das romarias
de hoje.
Tudo isto contribui para que nunca, como hoje, os políticos
estivessem tão perto dos cidadãos e os eleitores tão próximos dos
políticos. Tão perto e tantas vezes. Nunca, como hoje, os políticos
perderam e gastaram tanto tempo a contactar as populações, a fazer
reuniões em todos os sítios, a viajar em aviões, comboios e autocarros
rodeados de pessoas e jornalistas. Nunca, como hoje, foi tão fácil a
qualquer pessoa, amigo ou inimigo, apoiante ou adversário, falar com um
político, contactar um deputado ou um secretário de Estado. Não deve
haver cidadão em todo o país que não tenha estado meia dúzia de vezes
com o Presidente, o Primeiro-ministro, o ministro, o secretário de
Estado, o deputado e o presidente da Câmara. Nunca, como hoje, houve
literalmente milhões de pessoas que guardam pelo menos uma fotografia em
companhia do presidente, do ministro ou do chefe de partido.
Os grandes temas, as grandes orientações para os novos políticos e para
os novos democratas são as políticas de proximidade. Tudo se resume a
esta formidável etiqueta, “proximidade”. Saúde de proximidade. Justiça
de proximidade. Educação de proximidade. Urbanismo de proximidade.
Protecção civil de proximidade. O que tem como imediato resultado a
demagogia, sobretudo a dos orçamentos de proximidade e dos orçamentos
participativos. As inaugurações são quotidianas e repetem-se, sobretudo
em anos eleitorais, tudo em nome da proximidade. Sucedem-se as
reportagens de televisão (cujas estações se prestam miseravelmente ao
propósito), com rostos atrás do protagonista do dia. Publicita-se tudo: o
anúncio, a primeira pedra, o primeiro dia de obra, a avaliação, o
acompanhamento, a preparação da inauguração e a inauguração.
Então… por que não funciona? Pelo carácter mecânico e artificial. O
político pensa e fala como um vendedor de produto. A sua proximidade com
o cidadão é preparada. Mediatizada por jornalistas, agências de
comunicação, encarregados de relações com a imprensa e empresas de
eventos. Sabe-se as horas e a duração do encontro casual, estabelece-se o
roteiro informal, quem quiser encontrar por acaso o povo ou o político
sabe-o com antecedência. O artificialismo destrói a sinceridade. As
arruadas de campanha eleitoral permitem encurtar distâncias, aproximam
políticos e cidadãos, são totalmente destituídas de um qualquer sentido,
de reconhecimento ou de conteúdo. São excelentes substitutos das
sessões de esclarecimento do século passado ou até dos comícios: numas e
noutros, apesar da demagogia, era necessário pensar, informar e falar.
Com as arruadas, estamos próximos das feiras e das romarias. É sobretudo
necessário sorrir, agradecer e beber um copo.
Aquilo de que muitos verdadeiramente se queixam não é da distância, é
de os políticos não lhes darem o que querem, o que prometeram e o que
deveriam dar. As expectativas criadas e as necessidades estimuladas pela
política de massas, de encontros populares permanentes, de populismo
moderado e estabelecido, essas ambições permitem aos eleitores desejar
tudo, saúde, educação, emprego, subsídios, estradas, creches e obras.
São enormes as ambições, mas absolutamente impossíveis de satisfazer em
tempo de vida seja de quem for. Mas são essas promessas não cumpridas,
essas expectativas não satisfeitas, que criam esta ilusão de distância,
que criam as bases deste mito. A saúde dos noruegueses, a educação dos
finlandeses, as estradas dos alemães, os empregos dos americanos, os
direitos sindicais dos franceses e as férias dos ingleses são direitos
inalienáveis dos cidadãos portugueses. Quem lhes faltar com isso, não
cumpre os seus deveres. Ora, os nossos políticos prometem tudo isso.
Em
contraste com os políticos, que estão cada vez mais perto e junto dos
eleitores, são as decisões que estão cada vez mais longe, mais
incompreensíveis, em Bruxelas, em Berlim, nos centros financeiros, em
Washington, em Pequim, talvez em Moscovo. Este paradoxo da proximidade
dos políticos em contraste com a distância da decisão pode ser fatal
para os políticos. Talvez o seja também para os cidadãos!
* Sociólogo
IN "PÚBLICO"
20/01/19
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