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XX- SEGUNDOS FATAIS
1- Operação Costa Concordia






FONTE:   Documentarios BR


* As nossas séries por episódios são editadas no mesmo dia da semana à mesma hora, assim torna-se fácil se quiser visionar episódios anteriores.

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III-ABECEDÁRIO

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PRETO E BRANCO
6-Marisa Papen


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XXVI -ERA UMA VEZ A VIDA

1- A VIDA E O SONHO


* As nossas séries por episódios são editadas no mesmo dia da semana à mesma hora, assim torna-se fácil se quiser visionar episódios anteriores.

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III-ABECEDÁRIO

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PRETO E BRANCO
5-Maggie Duran



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Raquel Varela

Vivemos abaixo
das nossas possibilidades


Como se destrói os bens para se valorizar a riqueza, e como este processo conduz à erosão social.
Raquel Varela é Historiadora. Investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, onde coordena o Grupo de História Global do Trabalho e dos Conflitos Sociais e investigadora do Instituto Internacional de História Social, onde coordena o projecto internacional In the Same Boat?Shipbuilding and ship repair workers around the World (1950-2010). É coordenadora do projecto História das Relações Laborais no Mundo Lusófono. É doutora em História Política e Institucional (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa).É neste momento Presidente da International Association Strikes and Social Conflicts. É vice coordenadora da Rede de Estudos do Trabalho, do Movimento Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal.
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III-ABECEDÁRIO

M
PRETO E BRANCO
4-Magdalena Frackowiak


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JAN ZIELONKA

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A falsa promessa
dos soberanistas

Há três décadas celebrámos a queda do Muro de Berlim. Era o mais importante de todos os muros. Simbolizava a divisão da Europa e do mundo em dois campos antagónicos. O muro caiu, a Guerra Fria terminou e o futuro parecia brilhante. "Nada nos vai parar, tudo é possível, Berlim está livre!", declarou o Presidente Clinton nas Portas de Brandemburgo.

Hoje, os muros estão de regresso à moda em todo o mundo, da Hungria e Espanha aos Estados Unidos, Israel e Austrália. Uma parte cada vez maior do eleitorado apoia os políticos que pedem a restauração de estados-nação soberanos. A política do medo é evidente com o líder do "mundo livre" a construir a sua própria muralha na fronteira com o México e a instigar outros a fazerem o mesmo.

Dizem-nos que a política de fronteiras abertas gerou desigualdades astronómicas. Somos levados a acreditar que as fronteiras abertas convidaram os migrantes que ficam com os nossos empregos e introduzem hábitos culturais "estranhos". Dizem-nos que as fronteiras abertas tornam a democracia impossível. As decisões relativas às nossas vidas estão a ser tomadas por mercados transnacionais e autoridades europeias distantes.

O conflito sobre esses muros é tão antigo quanto a história humana, por isso não devemos surpreender-nos com a situação atual. Sempre houve aqueles que tentaram ultrapassar as fronteiras e aqueles que tentaram restaurá-las; aqueles que construíam muros e aqueles que os destruíam.

Pensemos em nómadas e colonos, ou em fazendeiros e caçadores: eles tinham conceitos diferentes e muitas vezes conflituantes de fronteiras, direitos, autoridade, território e identidade. As fronteiras tornaram-se ainda mais controversas com o aparecimento de estados-nação que pretendiam fazer coincidir fronteiras administrativas, fronteiras militares, franjas de mercado e características culturais.

No entanto, a disputa atual não é necessariamente sobre muros e fronteiras, mas sobre a interpretação da história pós-1989. Os soberanistas estão simplesmente a bater à porta errada. As desigualdades foram geradas por políticas neoliberais que puseram os mercados encarregados da redistribuição. Elas também são o resultado de um sistema de crenças no qual a competitividade é mais valorizada do que a solidariedade. As fronteiras abertas têm pouco que ver com isso.

O aumento da migração também tem como causa as nossas políticas erradas. Reduzimos a ajuda ao desenvolvimento e não estimulámos investimentos no Norte de África e no Médio Oriente. Apoiámos ditadores como Kadhafi ou Ben Ali na esperança de que eles mantivessem os migrantes à distância.

Bombardeámos o Iraque, a Síria e a Líbia e a seguir deixámo-los nas mãos dos senhores da guerra locais. E depois ficámos surpreendidos ao ver um influxo de refugiados. As fronteiras abertas têm pouco que ver com esta crise. Na verdade, as nossas fronteiras quase nunca estiveram abertas para essas pessoas desesperadas.

Pela crise da democracia, devemos culpar os nossos partidos e não a ausência de muros. Os partidos políticos já não têm raízes nas nossas sociedades, tratam os cidadãos como consumidores e mantêm o diálogo com os que conduzem sondagens em vez de com os eleitores.

De facto, os mercados tornaram a democracia numa farsa, mas isso acontece porque as instituições encarregadas de regulamentar os mercados, como a Comissão Europeia, ouviram mais os 30 000 lobistas de Bruxelas do que as pessoas comuns. De que outra forma poderia apoiar o Pacto Fiscal ou o ACTA 1 & 2?

O diagnóstico errado leva a tratamentos errados. Construir muros é como prescrever aspirina para a depressão ou uma perna partida. O que podem os muros fazer num mundo de viagens massificadas, comunicação digital, mudanças climáticas, ciberguerra e comércio global? Poderá uma solução do século XIX produzir maravilhas no século XXI?

Em vez de construir muros, precisamos de tornar as nossas instituições mais capazes para lidarem com transações financeiras globais, comunicação e ameaças ambientais. Essas instituições devem ser verdadeiramente transnacionais e não monopolizadas por estados-nação, a maioria deles minúsculos e/ou disfuncionais. Cidades, regiões e ONGs realizam cada vez mais tarefas vitais para as nossas vidas, mas não têm assento na mesa de tomada de decisões dentro da UE, da ONU ou do FMI.

Também precisamos de restaurar o equilíbrio entre a esfera pública e a privada. O setor público tem estado sob ataque nos últimos anos, e tem sido usado principalmente para ajudar o setor privado a prosperar. Isso deixou muitos de nós sem qualquer forma de proteção ou arbitragem.

Por último, mas não menos importante, devemos restaurar a confiança entre os cidadãos e os responsáveis ​​pelos organismos transnacionais. Esses organismos devem servir-nos a nós, as pessoas, que vimos de algum lugar e prezamos as nossas identidades particulares. As nossas identidades não significam que apoiamos a autocracia económica, odiamos pessoas de raças diferentes e apreciamos as conquistas territoriais dos nossos vizinhos. Tudo isso era bastante normal há um século, mas o mundo mudou irreconhecivelmente desde então, ou assim esperamos. Essa esperança é especialmente importante para a geração jovem, que não quer viver num mundo cheio de muros.


* Professor de política europeia na Universidade de Oxford e autor de Counter-Revolution - Liberal Europe in Retreat

**Texto originalmente publicado no jornal Die Zeit

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
10/11/18

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1726.UNIÃO



EUROPEIA


CENTENÁRIO DO ARMISTÍCIO

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III-ABECEDÁRIO

M
PRETO E BRANCO
3-Maja Krag



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VIII-"PORQUE  POBREZA?"

1-BEMVINDO AO MUNDO



O mundo é autosuficiente? 

O que é pior, nascer ou morrer pobre? 150 milhões de bebês nascem a cada ano. As circunstâncias de seu nascimento determinam como e por quanto tempo eles irão viver. O direito de permanecer vivo é um dos mais básicos, mas, em várias partes do mundo, ele não é respeitado. Brian Hill viaja pelo mundo em busca dos enigmas que cercam os mistérios do nascimento.

Director Brian Hill Producer Rachel Tierney Produced by Century Films & Steps International


FONTE: THE WHY

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XLVIII- VISITA GUIADA

3- CASTELO DE VIDE
ALENTEJO - PORTUGAL


* Viagem extraordinária pelos tesouros da História de Portugal superiormente apresentados por Paula Moura Pinheiro.
Mais uma notável produção da RTP

** As nossas séries por episódios são editadas no mesmo dia da semana à mesma hora, assim torna-se fácil se quiser visionar episódios anteriores.

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III-ABECEDÁRIO

M
PRETO E BRANCO
2-Maja Simonsen


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Sondra Radvanovsky

Ah! Ritorna qual ti spero


Gaetano Donizetti

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III-ABECEDÁRIO

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PRETO E BRANCO
1-Maddalena Corvaglia


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5-PROSPERAR


Num período tão conturbado como o actual FOSTER GAMBLE propõe-nos uma viagem de esperança, pensamos que nos faz bem.



FONTE:  THRIVE Movement

* Nesta senda de "bloguices" iniciadas em Setembro/17, iremos reeditar algumas séries que de forma especial sensibilizaram os nossos visitadores alguns anos atrás, esta é uma delas.

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ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
Inês Henriques:
“Sou campeã do mundo e da Europa
e vivo com mil euros por mês”

Tem apenas 1,56 m de altura, mas a força de vontade de um gigante. Inês Henriques viu nos 50 quilómetros marcha a oportunidade de vingar um passado pouco brilhante nos 20 quilómetros e iniciou uma luta em conjunto com o treinador para garantir que as mulheres pudessem fazer a distância que era exclusiva dos homens. Já venceu três batalhas, com distinção. Foi campeã da Europa, 16 anos depois de se estrear num Europeu, garantiu o título mundial, 16 anos depois de ter participado pela primeira vez nos Campeonatos do Mundo. Falta-lhe agora garantir o acesso das mulheres aos 50 quilómetros de marcha olímpicos. Tendo em conta que fez a sua estreia em Jogos Olímpicos, em 2004, quem sabe se 16 anos depois não estará a conquistar o ouro no Japão.

Quais são as suas origens?
Sou da Estanganhola, uma terra que fica a cinco quilómetros de Rio Maior. Fiz toda a minha vida aqui. O meu pai foi mudando de ramo ao longo dos anos. Trabalhou na EDP, na Tecnovia, depois criou uma empresa. Inicialmente vendia materiais de construção, depois começou a ir buscar oliveiras ao Alentejo. Ele e a minha mãe. Começaram por vender lenha e posteriormente a produzir carvão, que é o que ainda fazem hoje. Quando iam ao Alentejo buscar a lenha, eu e a minha irmã ficávamos sozinhas em casa.

Tinha quantos anos?
Uns 14, 15 anos. De alguma forma eu e a Sónia, a minha irmã, mais velha 22 meses, tínhamos de ter mais responsabilidade porque estávamos segundas, quartas e sextas sozinhas.

Desenvencilhavam-se bem na cozinha?
A minha mãe deixava quase tudo pronto. Os meus pais foram das primeiras pessoas em Rio Maior a ter telemóvel, ainda eram aqueles muito grandes que pareciam um tijolo, precisamente para nos acordar de manhã, para irmos para a escola. Íamos na moto da minha irmã. Ela, aos 16 anos, queria deixar de estudar, e o meu pai disse-lhe para se matricular na mesma que depois logo se via. Obrigou-a a ir com eles para o Alentejo, o verão inteiro. Foi remédio santo. Depois disso ela só parou de estudar quando tirou a licenciatura, mas até hoje está na escola, é professora (risos).
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Resultado de imagem para Inês Henriques berlin

Quando se fala de infância qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça?
O pão com açúcar, cozido pela minha avó. Era sair o pão do forno, cortar e pôr açúcar. O açúcar derretia... Era uma ‘bomba’ (risos), mas sabia tão bem. O meu avô era uma pessoa um bocado rude para a minha avó, mas para nós, netas, era uma pessoa fantástica. Mal chegávamos ele dizia: “Dá comida às cachopas!” E sempre que o íamos cumprimentar dizia “bonita”. Tanto que uma vez eu ia levar carvão a um cliente do meu pai e o senhor disse-me “bonita” e eu fiquei... [abre muitos os olhos] Só quem me dizia aquilo era o meu avô.

Como aparece o atletismo na sua vida?
A minha irmã foi aluna do filho do meu treinador no 5º ou 6º ano e ele convidou-nos para participarmos no torneio das freguesias. Nós fomos. Gostámos e continuámos.

Corrida?
Sim.

Nunca tinha feito nada antes?
Não, só na escola. Quando começámos a ir para a escola, íamos a pé. A minha casa ficava a quatro quilómetros da escola. Eram oito quilómetros por dia. Uma vez, eu e a minha prima Sandra levámos um ralhete porque chegámos à escola já as aulas estavam quase a acabar. Brincávamos com tudo o que apanhávamos pelo caminho. A escola devia começar às duas e nós chegámos perto das quatro da tarde. Levámos um raspanço (risos).

Como e onde começa a treinar regularmente?
O meu treinador, Jorge Miguel, costumava ir às escolas das freguesias, fazia uns testes e depois os melhores atletas vinham a Rio Maior fazer os 1000 metros. Ganhei esses 1000 metros. Depois, a Câmara Municipal convidou-me para integrar a equipa de atletismo.

Gostava de correr?
Adorava. No início o Jorge Miguel só me deixava treinar três vezes por semana, mas por mim treinava todos os dias. Eu ia com os mais velhos e tentava aguentar-me o máximo de tempo possível. Tinha 12 anos. Uma vez fui para o pinhal com os mais velhos, depois fiquei para trás e cheguei a uma altura em que não sabia se era para a direita ou para a esquerda. Fui para a esquerda e acabei por demorar muito mais tempo (risos).

Como passa da corrida para a marcha?
Experimentei a marcha porque a Susana Feitor tinha sido campeã do mundo em 1991, e havia então um grupo grande de atletas a marchar. Experimentei e tinha jeito. O Jorge Miguel ainda tentou pôr-me a fazer barreiras mas aquilo era demasiado alto para mim. Comecei a obter bons resultados na marcha. Fui logo campeã nacional de infantis.

O que a aliciou foi o facto de começar a ganhar?
O grupo de atletas que existia era unido, e a marcha possibilitava-nos ir a locais mais distantes. E também havia a referência da Susana, que foi fundamental para haver esta sequência de excelentes atletas na marcha aqui na região.

É difícil aprender a técnica da marcha?
Aos miúdos o que se pede primeiro é que comecem a andar rápido, depois introduz-se o movimento dos braços e o da anca. Eu adquiri o gesto técnico muito facilmente, não tive qualquer tipo de dificuldade. Lembro-me de outros atletas que parecia que tinham engolido um garfo (risos). Eu faço parte de uma geração que brincava na rua. Eu e as minhas primas fazíamos os nossos piqueniques, subíamos e descíamos oliveiras. Agora as crianças estão muito restringidas à casa, ao computador, ao telemóvel. Hoje, o problema dos miúdos é que não têm noção do corpo. Aos 12 anos fui experimentar a apanha do tomate. Dos 12 aos 18 anos andei sempre na apanha do tomate, nas férias. Os meus pais sempre pagaram os estudos, mas eu e a minha irmã, desde muito novas, comprávamos a nossa roupa, as nossas coisas, os nossos ténis. No início eu marchava com ténis do mercado, de plástico, não havia dinheiro para mais. E mesmo que alguém quisesse emprestar-me uns, eu calçava o 33. Ninguém calçava o 33 como é óbvio (risos). Uma vez houve uma prova em Cucujães em que me ofereceram uns ténis mas eram três números acima do meu (risos). Eu atava bem os atacadores e lá andava.

E na escola, era boa aluna?
Tive alguns problemas. Primeiro andava na escola de S. Sebastião, que é a minha freguesia, mas chumbei na 4ª classe. A minha mãe não achou justo e passou-me para uma escola em Rio Maior. Não tinha notas brilhantes mas fui passando. Entre o atletismo e a escola é óbvio que eu preferia o atletismo, mas os meus pais nunca me deixaram descurar a escola. O pior era o inglês, eu e o inglês tínhamos uma relação difícil, até hoje. Foi aquela disciplina em que desinvesti e estou superarrependida, porque faz-me muita falta. No secundário era mais difícil conciliar os estudos com o atletismo. Anulava disciplinas, dedicava-me a umas e no ano seguinte fazia as outras. Tinha as minhas dificuldades, sou disléxica, mas tentei sempre esconder. E como na altura também não era diagnosticado, éramos considerados os burrinhos.

Quando descobriu?
Só percebi o que tinha quando a minha irmã foi para a universidade e deu essa matéria no curso dela. Eu trocava as palavras a escrever e a ler. Até que apanhei uma excelente professora no 11º anos, Maria do Carmo, de Ciências da Terra e da Vida. Chamou-me à parte e perguntou se podia levar o meu teste para a reunião com a direção. Eles verificaram que sou disléxica. A diretora de turma aconselhou-me a ir a Lisboa para ser diagnosticada e obter um certificado, porque assim passava a ter direito a mais meia hora para os testes e para o exame final.

Acaba por ir para a faculdade, tem o curso de Enfermagem. Era um sonho?
Os meus pais nunca me deixaram desistir da escola e com a lição que deram à minha irmã naquele verão em que a puseram a trabalhar, eu percebi — “tens de estudar”. Gostava de ter ido para fisioterapia para ficar mais ligada ao desporto, mas para isso tinha de ir para Lisboa e a minha vida foi sempre em função do atletismo. Enfermagem eu podia tirar em Santarém e mantinha-me em Rio Maior.

Em pequenina o que dizia que queria ser quando fosse grande?
Cabeleireira. Ainda pensei em ir para um curso profissional de cabeleireira, mas não dava para conciliar com o atletismo.

Quando é que o atletismo passou mesmo para primeiro lugar?
Desde muito cedo. Entrei em 1992, e em 1996 já estava no mundial de juniores. Era a prioridade da minha vida.

Sente que perdeu algo da juventude por causa do atletismo?
É importante os atletas terem juventude, divertirem-se, eu também o fiz mas sempre tendo em conta que era atleta. Sabia quando é que podia sair e divertir-me com os meus amigos, ir a festas, e quando não podia.

Nos 20 quilómetros nunca conseguiu resultados de grande relevo. Foi 7ª no Campeonato do Mundo de 2007, mas nos Jogos Olímpico não foi além do 12º lugar, no Rio em 2016. Porquê?
Provavelmente os meus excessos de treino prejudicaram-me desde o início. Eu tinha de provar a mim mesma que era capaz, e muitas vezes chegava às provas cansada.

Quando é que descobre ou começa a pensar nos 50 quilómetros?
Os meus excessos fizeram com que fizesse sempre muitos, muitos quilómetros. E com a idade a avançar, em 2010 pensávamos que íamos ter uma viragem e que ia começar a ter grandes resultados. Só que nos grandes campeonatos eu cumpria, não me excedia. Os anos de 2014 e 2015 foram muito difíceis porque treinava, treinava, mas não conseguia ter resultados. O campeonato do mundo em 2015, em Pequim, foi um balde de água fria tão grande que pensei mesmo em arrumar os ténis.

Porquê?
Porque aquilo já não me estava a dar prazer. Como já era licenciada em Enfermagem, olha, vou trabalhar. O Jorge Miguel disse-me para ter calma, para aguentar que faltava apenas um ano para os Jogos Olímpicos e que depois logo víamos. Nessas férias tudo o que fosse passar em frente ao centro de estágio, ao estádio, eu evitava. Tinha acabado de comprar a minha casa, tinha de a pintar por dentro para poupar dinheiro e conseguir comprar outras coisas, então a minha terapia foi pintar a casa toda por dentro. Estive mais de um mês sem treinar, sem fazer nada. Eu precisava sentir aquela falta que ainda não tinha. O Jorge Miguel estava preocupado. Ele dizia aos miúdos que treinam comigo: “Vejam lá se a convidam para ir correr.” Mas só no fim de terminar o que tinha para fazer é que comecei a treinar, sem grandes objetivos.

O que mudou depois de 2015?
A forma de estar. Se é para continuar, é para continuar para ter prazer. E limitei-me a fazer o que o Jorge Miguel me mandava fazer, não inventava. Treinar é para treinar, descansar é para descansar. Entretanto o Miguel Carvalho, um colega, em novembro de 2015 fez uma primeira experiência nos 50 quilómetros de marcha e conseguiu os mínimos para os Jogos Olímpicos. Os mínimos eram 4h07,03 e ele fez 4h00,59, sozinho, a chover, com condições um desagradáveis e um bocadinho limitado por um problema físico. Pensei, um puto com 23 anos faz isso, porra! Senti-me muito pequenina, era um feito fantástico. Nessa altura pensei, se ele consegue porque é que eu não hei de conseguir? Se os homens fazem porque é que a Inês não faz? E ficou-me essa de um dia fazer os 50 quilómetros. Depois dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, onde fui 12ª, o Jorge Miguel disse-me: “Só vais fazer melhor que isto daqui a oito anos, nos 50 quilómetros.” E eu: “Estás é louco.”

E depois?
No início da época seguinte o Jorge Miguel soube que a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) ia certificar o primeiro recorde do mundo, em 2017. Quando faltavam menos de dois meses para a prova em Porto de Mós, ele chamou-me à parte, depois de ter feito vários contactos sem me dizer nada, e propõe-me o seguinte: “Eles vão certificar o primeiro recorde do mundo dos 50 quilómetros marcha femininos. O que é que achas de teres o primeiro recorde do mundo? Mas tens de fazer melhor marca do que a que existe.” É que já havia marcas, só que não estavam certificadas.

E?
Ele continuava: “Uma semana antes fazemos uma conferência de imprensa e divulgamos que vais tentar o recorde do mundo.” “E se eu não conseguir?” “Olha, tentaste. Vai para casa e pensa.” Menos de duas horas depois ligo-lhe: “Faça o plano de treino.” Nem pensei muito na coisa.

Já alguma vez tinha feito 50 quilómetros?
Em 2004, tinha ido de minha casa a Fátima, que são 50 quilómetros, a correr e a marchar. Foi um promessa. Se fosse aos Jogos Olímpicos, ia a Fátima a pé. Demorei cinco horas. Por isso menos de cinco horas eu sabia que era capaz de fazer (risos).

O que mudou com a nova aventura dos 50 quilómetros?
Houve uma mudança muito grande na minha forma psicológica. Encarei aquilo como um desafio. Vou fazer algo que nunca ninguém fez. E pus na minha cabeça que era mesmo possível.

Sentiu que podia vingar-se de não ter conseguido brilhar nos 20 quilómetros?
Era a minha oportunidade. O Jorge Miguel percebeu isso muito bem. Depois dos Jogos Olímpicos eu tinha a minha vida toda preparada, se quisesse acabar a carreira acabava e ia trabalhar. Mas fiquei na preparação olímpica. Percebi que ainda não conseguia viver sem isto, e pensei, tenho a minha bolsa olímpica, vou fazendo as minhas coisas, ninguém me chateia muito. Mas o Jorge Miguel sabia que para eu continuar precisava de desafios. E o desafio mudou isto tudo. E de alguma forma transmiti isso às pessoas. Diziam que eu era louca. Houve um jornalista que me perguntou: “E se não conseguir bater o recorde do mundo, vai continuar a tentar?” Eu sorri e disse: “Não. No fim deste trabalho todo eu vou conseguir.” Era o desafio. Nós só divulgámos esta intenção quando fizemos o treino todo e vimos que era possível. O treino maior que eu fiz nessa altura foi de 36 quilómetros. Ainda faltavam 14 (risos).

E em janeiro de 2017 torna-se a primeira recordista mundial. Cumpriu as ordens do treinador?
Inicialmente cumpri os ritmos todos, mas o ritmo de 20 quilómetros é totalmente diferente do que se faz nos 50 quilómetros. Nos 20 andamos ali a 4m30 por quilómetro, nos 50 era a 4m53. Houve uma altura na prova que me ponho a fazer 4m47. O Jorge Miguel punha as mãos na cabeça. Mas aquilo estava a ser tão fácil que eu pensei, as pilhas não se acabam. Mas acabaram.

Quando?
Eu comecei a sentir algumas dificuldades aos 38 quilómetros. O Jorge Miguel disse que eu podia abrandar. Mas estamos naquela fase em que se abrandas morres. Então, deixa ver até onde isto vai. E deixei-me ir. Os últimos seis quilómetros foram complicados, foram penosos. Nos últimos três comecei a perceber que o cérebro estava a começar a falhar. Pedi pacotes de gel e mais gel para continuar a conseguir raciocinar. Eu andava aos esses na estrada. Para se ter uma ideia, a média por quilometro foi de 4m58, no último quilómetro foi 6m40. Foi mesmo sofrer até ao fim.

Mas bate o recorde do mundo com 4h08,26.
Pois. Isto foi em janeiro, mas a marca só foi certificada quase no final de maio de 2017. Havia muita gente a dizer que aquilo não valia nada, mesmo já depois de a IAAF certificar. Como eu não tinha feito o mínimo, 4h06, apesar de termos esse objetivo escondido porque permitia-nos estar no Campeonato do Mundo numa prova mista sem direito a nada (as mulheres podiam participar mas tinham de fazer o mínimo dos homens), pedimos à Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) para pedir à IAAF que eu, como recordista do mundo, fosse convidada para estar no Campeonato do Mundo. Achámos que era muito importante estar lá uma mulher. E se tinham posto em causa, portugueses e estrangeiros, o que eu tinha feito em Porto de Mós, eu queria estar onde o mundo inteiro ia estar e mostrar que era possível fazer aquilo. A FPA disse: “Esquece, eles não vão deixar.” Mas eu insisti: “Já há um não?” “Não.” “Então, pode haver um sim.” Antes de ir para estágio, o Jorge Miguel fez um plano de treino para 20 quilómetros e outro para 50 quilómetros e perguntou-me qual é que eu queria cumprir. Eu quis cumprir o de 50 quilómetros.

Porquê?
Porque preferia estar preparada e receber um não, mas também estar preparada caso recebesse um sim. Porque se eu fosse e não cumprisse, os 50 quilómetros femininos nunca mais entravam. É que eles colocaram as 4h06 porque pensaram que nenhuma mulher no mundo iria fazer aquilo. Pensaram, nós damos uma oportunidade mas elas não vão conseguir e não nos chateiam a cabeça. Esta foi a intenção da IAAF. Fiz esse pedido e quando fui ao Grande Prémio Internacional da Corunha falei com Damilano, presidente da comissão de marcha da IAAF, para ele me ajudar.

E ajudou?
Inicialmente não estava a perceber muito bem o que é que eu queria. Expliquei-lhe. Passadas umas semanas mandou-me um e-mail a perguntar se a FPA já tinha enviado o pedido. Disse que sim. Mas o pedido não estava a chegar às pessoas certas. Alguém estava a barrar. Ele foi-me dando indicações, que fui passando à FPA. Faltavam cinco semanas para o Mundial e eu ainda não sabia de nada. Já tínhamos pensado, se a IAAF não nos permitir estar no Mundial, vai haver uma prova no início de setembro nos EUA, vamos aproveitar o treino na mesma e vamos aos EUA bater o recorde do mundo.

Não seria a mesma coisa.
Não. Mas era uma forma de bater o recorde do mundo. Por isso entrei em contacto com a americana Erin, a primeira mulher a fazer os 50 quilómetros, porque era ela e o marido que organizavam a prova. Ela falou com o advogado dela (Paul Demeester) e ele entrou em contacto comigo. Disse que me ia ajudar. Ele estava a tentar introduzir os 50 quilómetros, mas as atletas americanas não tinha marcas de relevo e eu tinha. A três semanas do Mundial recebo um e-mail do advogado a dizer que as mulheres no mundo que tivessem menos de 4h30 podiam estar presentes no Mundial, a prova seria ao mesmo tempo que a dos homens com direito a tudo, em termos de dinheiro, etc.

Ficou eufórica?
Como eu não domino bem o inglês, pus aquilo tudo no tradutor do Google e não queria acreditar, porque eu tinha pedido muito menos do que aquilo, eu só queria participar no Mundial, mesmo sem direito a nada. Fiquei felicíssima.

Quantas mulheres participaram?
Sete. É óbvio que a forma como foi introduzida a prova feminina não foi a melhor, porque se as coisas tivessem sido feitas com mais antecedência estariam muitas mais mulheres. Mas de alguma forma eu e outras que estávamos a lutar por aquilo tivemos uma recompensa que em minha opinião foi justa.

Foi o momento mais alto da sua carreira?
Sim. Foi algo novo. Eu nunca tinha sido candidata a um título mundial. Quis desfrutar os momentos todos.

Conseguiu dormir antes da prova?
Não. Mas levantei-me e esqueci. Decidi pôr para trás das costas. Sei que se tivesse dormido provavelmente tinha feito uma marca melhor, porque se calhar não tinha aquele desgaste tão grande no final. Mas o Jorge Miguel também me preparou muito bem em termos psicológicos.

O que fez de diferente?
A diferença entre a minha marca e a da chinesa (Hang Yin) era de quase 10 minutos, era muito grande. Mas quando cheguei de estágio ele sentou-me e disse: “Oh minha amiga, tu não pensas que vais para o Campeonato do Mundo fazer a prova sozinha. A chinesa vai contigo, ela é jovem, até aos 30 quilómetros aguenta ir contigo. Depois é que vais sozinha.” Eu deixei a chinesa aos 29 quilómetros e 900 metros. Percebi que nos últimos 20 quilómetros, se não cometesse erros, estava ganho.

De que forma é que o recorde do mundo alterou a sua vida?
Esta época, 2017 e 2018, foi muito difícil porque a minha vida toda se alterou em termos pessoais e no atletismo. Eu era uma atleta conhecida mas que passava despercebida e passei a ser uma atleta com mais responsabilidades. Tentei ser a Inês que sempre fui, em tudo, mas com a noção de que tenho mais responsabilidade. E quando falho vêm pedir-me satisfações, como é óbvio. Não é igual à atleta que é 14ª ou 15ª.

Teve ou tem alguma dificuldade em lidar com essas expectativas que os outros passaram a ter em relação a si?
Eu não. Mas surgiram situações com determinadas pessoas que eu não estava à espera.

Explique melhor.
Tive um relacionamento durante sete anos e descobri coisas que não foram bonitas de descobrir. Tive de alterar a minha vida e a forma de ser. Sou muito mais desconfiada em relação a praticamente toda a gente. Comecei a tentar perceber como as pessoas atuavam. Eu era a mãezinha de muita gente e deixei de ser para ver se as pessoas também estavam comigo quando eu não dava. Percebi que não, fiquei um bocadinho descalça. Porque essa pessoa dava-me apoio em termos de treino. Ele é que ia comigo para os estágios. O ano passado fui para estágio sozinha. O Jorge Miguel não podia ir para a Serra Nevada e eu tinha de continuar a minha vida. Fui sozinha, em janeiro, três semanas para a Serra Nevada. Vai fazer um ano que patinei muito.

Isso foi já depois de ser campeã do mundo?
Sim, grandes mudanças em outubro, novembro de 2017. Eu realizei o sonho da minha vida, ser campeã do mundo, depois, tiraram-me o tapete. Foi muito duro. Como já estava no início da época, tentei pôr esse assunto numa gaveta fechada na minha cabeça e focar-me no atletismo. Consegui sempre ter os resultados que pretendia.

Mas, entretanto, o seu recorde foi batido em maio deste ano, pela atleta chinesa Riu Liang, no Campeonato do Mundo de Nações, onde aliás a Inês desistiu. Ficou muito abalada?
Foi um momento débil para mim, pela desistência, mas é outro desafio. Acredito que consiga batê-lo novamente. Estava com alguns problemas físicos e houve coisas que não conseguimos controlar.

O quê?
Comecei a ter problemas para descansar e dormir. Em termos de comida também não foi fácil. Aos 29 quilómetros desisti. Foi a primeira vez que desisti numa prova, a representar Portugal. E era uma das favoritas. Quando desisti já estava a tremer e tive problemas de saúde posteriormente. Foi um momento muito difícil. Foi o centro de estágio em Rio Maior que me acolheu, os funcionários, os treinadores de natação que me ajudaram bastante, a fisioterapeuta Susana, o Tiago, que é o fisioterapeuta que está a trabalhar agora comigo e que vai assegurar os estágios para eu não ir sozinha. Essas pessoas foram muito importantes. Tenho noção de que estava tudo associado. Mas a minha família também está lá sempre. Percebi que para a frente é que é o caminho. Já não podia fazer nada. Tentei, o mais rápido possível, voltar às rotinas normais. Era difícil, mas tinha de voltar.

Depois da desistência teve receio de voltar a competir?
Tive. Mas sabia que o tinha de encarar. Todas as provas que tinha feito surpreendi sempre, por isso, sabia que conseguia. Objetivo seguinte, ir à Corunha, três semanas depois. E tinha alguns compromissos, por isso tentei sair um bocadinho da bolha. Na altura o presidente do COP, José Manuel Constantino, até chamou a atenção de Jorge Miguel: “A Inês está com muitos eventos. Estou preocupado.” Como tenho confiança com ele mandei-lhe uma mensagem: “Esteja descansado, eu precisei de desanuviar um bocadinho, mas continuo a saber que os resultados só aparecem com foco e trabalho. Tranquilo.” Fui à Corunha, não foi uma prova extraordinária, mas foi boa, tendo em conta tudo o que se tinha passado, foi positivo e importante para enfrentar e perceber que ainda não estava tudo perdido.

Como foi a preparação para o Campeonato da Europa em agosto?
Vim para o centro de estágio, em Rio Maior, três semanas, porque assim não chegava a casa, fechava a porta e ficava sozinha. É diferente. Estive aqui e depois fui para Navacerrada, para altitude mais três semanas. Mas como se não bastasse tudo, uma semana e dois dias antes do Europeu lesionei-me, não conseguia marchar.

O que aconteceu?
Tive um problema na inserção do isquiotibial. Cheguei de Navacerrada num sábado e no domingo tinha um treino de 24 quilómetros para fazer. Aos 13 quilómetros comecei a sentir uma dor. Antes dos 19 quilómetros senti um esticão muito forte no tendão. Parei imediatamente, tentei descontrair para o Jorge Miguel não me stressar ainda mais, mas fiquei muito preocupada porque não conseguia esticar a perna. Felizmente conseguimos que o Tiago viesse para Rio Maior fazer-me tratamento. Esta medalha é muito do Tiago também. Tenho a plena noção de que se não fosse o trabalho dele provavelmente não tinha conseguido terminar. Estou-lhe grata para sempre.

A próxima batalha é a introdução dos 50 quilómetros marcha femininos como modalidade olímpica.
Estes Campeonatos da Europa também só existiram porque eu pus uma ação no tribunal arbitral do desporto há um ano.

Explique como foi esse processo.
Há um ano fui ao jantar da Associação Europeia de Atletismo, e o presidente disse-me que só iam ter os 50 quilómetros na Taça da Europa, em 2019. Cheguei cá e disse ao Jorge Miguel, eu exijo ir porque tenho o mínimo dos homens. Uma semana depois o advogado dos EUA entra em contacto comigo a perguntar se fazíamos alguma coisa em relação ao Europeu. Disse que sim. Nunca paguei nada, ele nunca me pediu nada. Para meter a ação era necessário pagar 1500 dólares e ele disse: “Eu pago porque nós vamos ganhar a ação.” Logo que a ação entrou na Associação Europeia, pediram-nos para não fazermos mais nada, porque iam introduzir os 50 quilómetros femininos. As questões de género são cada vez mais importantes hoje em dia, e eles não queriam ter problemas com isso. Em dezembro foi divulgado que iríamos ter os 50 quilómetros marcha no Europeu.

Já começaram as diligências para os Jogos Olímpicos?
Para o próximo Campeonato do Mundo já estão definidas as quotas. Inicialmente estavam a pensar fazer 60 homens e 60 mulheres, dos 20 quilómetros, e 60 ao todo dos 50 quilómetros. O advogado defendia que fossem 80 no total, 50 homens, 30 mulheres. E é isso que vai ser. Acho que é justo porque é uma prova recente. Não tiramos quota aos homens para eles não ficarem contra nós. Nós temos é de os ter do nosso lado. Para os Jogos Olímpicos, o comité olímpico equatoriano, que foi 2º no campeonato do mundo de equipas, solicitou ao COI a introdução dos 50 quilómetros. E a resposta do COI foi “Isso está nas mãos da IAAF.”. Para nós é muito bom.

Porquê?
Porque se já existem duas edições de Campeonato do Mundo com mulheres, não faz sentido as mulheres ficarem de fora nos Jogos Olímpicos.

Mas ainda não há garantia de nada. Até quando estão dispostos a esperar?
Eu e o advogado combinámos que se daqui a um ano não estiver introduzido, entramos com uma ação no tribunal.

Que diligências têm sido feitas pela FPA e pelo COP?
Nada. A FPA fez o que eu e o Jorge Miguel lhe pedimos. Mas por iniciativa própria, não fazem.

E o COP?
Para ter uma ideia, eu sou campeã do mundo e da Europa, e na preparação olímpica existem três níveis, Top Elite, Elite, Qualificados. Estou na Elite pelos 20 quilómetros. E ainda me disseram que algumas pessoas estavam preocupadas no COP porque a Inês estava a fazer 50 quilómetros e recebe pelos 20. E respondi: “Quem é que tem a melhor marca do ano dos 20 quilómetros?” “És tu.” “Então qual é o vosso problema?”

Sente-se injustiçada?
Em termos financeiros receberia mais se estivesse no nível Top Elite. Em termos de preparação tinha mais algum dinheiro para o fisioterapeuta que está a ajudar-me. Porque eu não consegui isto tudo sozinha. Tenho a Desmor que me ajuda, a equipa médica que me ajuda, o meu treinador, e se tivesse mais algum dinheiro dava para estar mais descansada.

Quanto recebe da bolsa olímpica?
1000 euros.

Vive desse dinheiro?
Sim. Os patrocínios que tenho é só para material. Do meu clube recebo um subsídio pequeno, que estou a tentar melhorar. Mas também tenho a noção de que as condições que aqui tenho valem dinheiro. O meu sucesso também se deve às condições de treino. Só saio de Rio Maior para estágios em altitude. Neste momento almoço e janto no centro de estágio. Não vou sair de Rio Maior se não tiver condições idênticas a estas.

Já foi aliciada por outros clubes?
O ano passado se quisesse tinha saído, mas não quero falar disso. Se fosse há 10 anos fazia algum sentido. Neste momento, não faz sentido porque tenho 38 anos. Os 50 quilómetros dão-me uma maior visibilidade, mas a verdade é que eu sempre representei a minha cidade. Se fiz 26 anos da minha carreira aqui, quero terminar aqui.

Mas não quer melhorar as suas condições financeiras?
Claro. Se eu tivesse ficado de fora da preparação olímpica, em 2016, provavelmente tinha terminado a minha carreira e ido trabalhar, porque tenho uma casa para pagar, a minha vida para sustentar. O ano passado, felizmente, ganhei em termos financeiros com o título de campeã do mundo e com o recorde do mundo. Mas mensalmente ganho 1000 euros.

Não ganhou nada pelo título europeu?
Não. A Associação Europeia dá zero. Vou ganhar algo do Estado, nem sei quanto é. Mas pelo facto de não ser olímpica também sou prejudicada. Do ano de 2017 tenho a receber €15 mil de recorde do mundo e €5 mil de campeã do mundo. Mas se fosse uma prova olímpica eu tinha direito a €20 mil em vez dos €5 mil. Por isso, o meu maior credor é o Estado português.

A próxima competição é a Taça da Europa, em maio de 2019, na Lituânia, e depois o Campeonato do Mundo, no Qatar, em condições muito mais difíceis.
Sem dúvida. É algo para o qual tenho que trabalhar bastante com a nutricionista, porque temos de arranjar formas de me manter o mais fresca possível. A minha prova vai ser às 23h30, começo num dia e acabo no outro, com temperaturas de 40 graus. Fazer uma prova de 50 quilómetros nessas condições... O Europeu já foi em condições bastante quentes, por isso é que na segunda parte abrandei, pois pensei, os recordes podem bater-se mas os títulos são mais importantes e ficam para a vida.

Vai ao Campeonato do Mundo obviamente para ganhar.
Claro que quero lutar por uma medalha. Sei que vai ser em condições difíceis mas fiquei satisfeita porque a chinesa, atual recordista do mundo, fez uma prova em início de setembro na China também com condições muito quentes e fez 4h12, por isso ela também quebra no calor. É bom sinal (risos).

Não lhe passa pela cabeça ter um não por parte do COI e não fazer os 50 quilómetros em Tóquio, pois não?
Não posso pensar assim. E algo me diz que vou lá estar.

O objetivo é chegar a uma medalha em Tóquio.
Sim. Se possível o ouro. Mas tenho a noção de que não vai ser fácil, tenho de trabalhar muito e cada vez melhor. Por isso é que eu e o Jorge estamos a tentar arranjar mais pessoas que nos deem apoio. Quem fazia a gestão do abastecimento era eu, depois do Campeonato do Mundo de equipas percebi que tenho de estar só preocupada em marchar, e alguém tem de fazer essa parte. Pedi também o apoio da nutricionista do COP, às vezes tenho dificuldade em dormir, em altitude, e ela ajudou-me. O Tiago ter vindo para a minha equipa também foi muito importante, ele foi atleta e tem outra sensibilidade, e o facto é que o Jorge Miguel tem 70 anos e há coisas que já não consegue fazer como antigamente. Tenho de ter outra pessoa de confiança comigo caso a saúde do Jorge Miguel o venha a trair. No abastecimento no Campeonato da Europa deixei cair um gel, e o Jorge Miguel ficou com uma branca e não sabia o que havia de fazer, e o Tiago teve de lá ir socorrer a situação.

A propósito, nos Jogos Olímpicos já vai ter 40 anos.
Pois. Tenho a noção de que vou estar mais dependente do apoio médico e do apoio de fisioterapia, e estamos a tentar reunir uma equipa para que corra tudo bem.

Aconteça o que acontecer nos Jogos Olímpicos, já pensou no pós-Tóquio?
As pessoas perguntam-me: “Vais terminar em Tóquio?” Não sei. Como o Jorge Miguel diz: “Se não houver 50 quilómetros nos Jogos Olímpicos, não és coxa nos 20.” É óbvio que já não tenho ambições de ganhar medalhas nos 20 quilómetros, mas tenho a noção de que ainda posso melhorar a minha marca, ainda posso fazer menos de 1h29. Só que psicologicamente nunca tive o meu dia ou a prova certa. Porque a treinar para fazer 50 quilómetros bati o meu recorde pessoal aos 10 quilómetros, que já tinha 10 anos.

Se for campeã olímpica equaciona parar porque atingiu o topo e sai em grande?
A minha última prova vai ser no Grande Prémio de Rio Maior. Isso é ponto assente. Quando, não sei. Isto também tem muito a ver com o corpo. Se o corpo responder, tudo bem, se não, já disse ao Jorge Miguel: “Se vir que ando a arrastar-me, mande-me para casa.”

É uma lutadora pelos direitos das mulheres. Sente-se feminista?
Sim, de alguma forma. Com esta luta toda sinto que luto por direitos das mulheres e muitas vezes estas vêm dar-me os parabéns. Nos Globos de Ouro muitas mulheres, que não faço a mínima ideia de quem sejam, vieram dar-me os parabéns por estar a lutar por uma causa que é justa. Muitas vezes abordam-me nesse sentido, mesmo homens, vêm dar-me os parabéns.

Alguma vez pensou na maternidade?
Pensei depois dos Jogos Olímpicos de 2016, mas era só eu que pensava. Pensava ser mãe e depois voltar à competição. Entretanto a minha vida alterou-se, e neste momento não tenho pai para a criança (risos). Estou tranquila, tenho uns sobrinhos lindos. Mas se surgir uma pessoa que me dê estabilidade e em quem eu confie (agora não é fácil confiar em ninguém), quem sabe?

Quem são ou foram os seus ídolos?
Nunca tive ídolos, tive referências. A grande referência foi a Susana Feitor.

Já treina com o Jorge Miguel há 26 anos. Além de treinador já é uma espécie de pai, amigo...
É o meu mestre. É o meu equilíbrio. Se sou a atleta que sou a ele tudo devo. Esta oportunidade foi ele que a criou. No fundo, sempre foi mais ambicioso do que eu. O que tenho conquistado é muito mais do que aquilo que alguma vez sonhei. Campeã do mundo, da Europa, receber uma condecoração do Presidente da República.

Foi muito importante esse reconhecimento de Marcelo Rebelo de Sousa?
Sim, mas de tudo isto que tenho conquistado o mais importante para mim é ver a alegria dos meus pais, porque estão orgulhosos [emociona-se].

Eles costumam ver as suas provas?
Os meus pais nunca foram pessoas presentes nas minhas provas. Estão sempre ao meu lado quer as coisas corram bem ou mal. A minha mãe vai ver a prova aqui de Rio Maior. Os grandes campeonatos normalmente assistem na televisão. O meu pai nem aqui vem, porque as provas a que ele veio correram mal, então ele acha que dá azar.

Para finalizar, pode contar-nos como fez essa cicatriz no queixo?
Tinha uns cinco anos. Houve uma altura em que os meus pais tiveram uma pecuária. Eles tinham sacas de farinha amontoadas, e a minha irmã andava a saltar das sacas para o chão. A Inês, que sempre foi conhecida lá em casa pela “pequena”, quis fazer o mesmo. Só que estava uma lata no chão e consegui acertar mesmo com o queixo na lata. Em Rio Maior não me quiseram coser e fui para o Hospital de Santa Maria. Só que nós, na aldeia, para ir ao hospital tínhamos de nos ir vestir como deve ser (risos). Lembro-me de ter levado os sapatinhos de domingo e de a enfermeira dizer: “Ah, a menina tem uns sapatinhos muitos bonitos.” É a minha cicatriz de guerra.

* Admirados por esta injustiça? Há muitas em Portugal.

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