02/12/2018

SÉRGIO SOUSA PINTO

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"Arretez de nous emmerder"

Bem podem os acólitos de Macron dizer que os ‘coletes amarelos’ são uma maquinação da extrema-direita. Não são. É o povo

"Arretez de nous emmerder”, Parem de chatear-nos, dizia um cartaz numa das gigantescas manifestações dos ‘coletes amarelos’ em França. Porque estão, então, os franceses chateados? Porque o Presidente Macron decidiu aumentar os impostos sobre o combustível e reduzir as velocidades de circulação em nome da necessária “transição energética”. Mais de setenta por cento dos franceses dão razão aos manifestantes, dividindo-se os demais vinte e tal por cento entre indiferentes e apoiantes do agravamento fiscal pela dita transição, entre eles contando-se, seguramente, os mais abonados que já transitam eles próprios em carros elétricos.

Em tempos os impostos serviam, prosaicamente, para arrecadar a receita indispensável ao financiamento das múltiplas funções do Estado. Eram determinados pela necessidade e limitados pelas possibilidades. Hoje, apresentar a coleta como ela é e sempre foi, é exercício pedestre e sem arte, embora tenha, em tempos idos, servido para engendrar o parlamentarismo. Agora, os aumentos de impostos aparecem encavalitados em motivações virtuosas e específicas, no caso a “transição energética”, talvez com o propósito de dinamizar o entusiasmo cívico dos contribuintes. Se o imposto serve para combater as alterações climáticas a sua legitimidade é mais difícil de contestar pelo contribuinte-poluidor; se no processo a receita aumenta, trata-se de uma bem-aventurança que acresce à preservação das calotes polares.

Tinhosos como é seu timbre, para mais gauleses, os contribuintes em vez de rejubilarem em família vieram para a rua em numero de setecentos mil, partindo e queimando mobiliário urbano, num vivo testemunho da sua bárbara indiferença pela sorte das calotes.

O automóvel é um bem estimado da pequena burguesia e do povo; muitas vezes é o bem mais precioso do seu proprietário, o principal ativo da família, num país onde quarenta e cinco por cento da população não é proprietária da casa onde vive. Macron e o seu círculo de beautiful people poderão rir-se do francês médio que observam, com curiosidade antropológica, consagrar parte do seu fim de semana a limpar e aspirar o seu automóvel, de fato de treino e ténis, a patinhar em poças de detergente; proibido de usar o seu carro a gasóleo num numero crescente de cidades e, mais cedo do que tarde, nas autoestradas, o homem comum continua a pagar o seu crédito automóvel para um dia ser proprietário de um veículo proscrito e sem valor comercial. A classe alta e média-alta poderá afetar parte dos seus recursos a um carro elétrico, através do qual adquire mais que um veículo, adquire boa consciência sob a forma de responsabilidade ambiental, um bálsamo muito requisitado por quem vive insulado numa bolha de privilégio. A indústria também está maravilhada com a “transição energética” pois sabe que a lei, fiscal e não só, vai comboiar milhões de pessoas para os stands de automóveis. Empurrado durante três décadas para o diesel pela indústria, pela fiscalidade e pela União Europeia, o homem médio descobre que é um poluidor e que o seu Renault está a destruir o planeta. Vão o Estado e a UE, tão íntimos da indústria, proteger os interesses do homem comum e suavizar a sua “transição energética”, subsidiando uma política que vai custar milhares de milhões de euros? Não. O homem comum financiará a transição energética dos seus rendimentos estagnados ou decrescentes. Infelizmente sente que não pode e veio para a rua, por sua livre iniciativa, dizer de sua justiça numa jacquerie desesperada. Alienado do espaço público, resta-lhe a rua. Bem podem os acólitos de Macron dizer que os ‘coletes amarelos’ são uma maquinação da extrema-direita. Não são. É o povo. Eles veem-no mas já não o reconhecem.

IN "EXPRESSO"
01/12/18

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