16/12/2018

RICARDO SANT 'ANA MOREIRA

.







Entrecampos: 
quando a Fidelidade 
perdeu a vergonha

A Fidelidade vendeu os prédios que detinha com um objetivo agora claro: capitalizar-se e apostar num negócio de milhões em habitação de luxo e escritórios em Lisboa.

Esta quarta-feira soube-se que a Fidelidade comprou os terrenos da antiga Feira Popular em Entrecampos, Lisboa. A seguradora desembolsou mais de 270 milhões de euros na compra dos terrenos, quando ainda há poucas semanas finalizou a venda de património que tinha por todo o país, no valor de 425 milhões de euros.

Ou seja, a Fidelidade vendeu a quatro subsidiárias do fundo abutre Apollo os prédios que detinha e onde moravam cerca de 1.500 famílias, só em Lisboa, com um objetivo agora claro: capitalizar-se e apostar num negócio de milhões em habitação de luxo e escritórios naquela zona nobre de Lisboa.

O problema com a Fidelidade remonta a 2014, aquando da sua privatização pelo CDS e PSD, que permitiu que a seguradora pública passasse para o grupo chinês Fosun sem qualquer contrapartida na segurança dos inquilinos que habitavam nas casas que pertenciam à seguradora do Estado.

Mais recentemente, o movimento de venda criou problemas imensos aos inquilinos das casas que eram da Fidelidade e que, até 2013, foram controladas por uma empresa pública. Onde antes estes arrendamentos eram protegidos, o CDS permitiu que fossem liberalizados com a lei das rendas de Assunção Cristas. Como esperado, o fundo Apollo está a rescindir centenas de contratos com estas pessoas, sendo que já há queixas de bullying imobiliário para empurrar gente para fora das casas onde vivem. Existem casos em que nem a moratória aos despejos no caso de pessoas com mais de 60% de incapacidade está a ser respeitada. É uma violência inaceitável sobre estas famílias.

A venda das casas da Fidelidade esteve desde o primeiro momento envolta em polémica. O Bloco de Esquerda fez aprovar uma lei na Assembleia da República para proteger os inquilinos da seguradora, permitindo-lhes exercer o direito de preferência. O veto inicial do Presidente da República, alegadamente assessorado por um jurista com ligações à Fidelidade, permitiu atrasar o processo o suficiente para a seguradora vender os imóveis à Apollo sem garantir o direito de preferência aos inquilinos proposto pelo Parlamento.

Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto, anunciou recentemente que o município iria exercer o direito de preferência. Em Lisboa, o grupo municipal do Bloco de Esquerda desafiou Fernando Medina a fazê-lo, tendo esbarrado na desculpa de que o valor era demasiado oneroso. Segundo a vereadora Paula Marques ascenderia a 300 milhões.

Os terrenos da antiga Feira Popular foram entretanto vendidos pela Câmara Municipal de Lisboa em leilão livre, no qual participaram outros investidores. A hasta fazia parte da Operação Integrada de Entrecampos, que inclui ainda um forte investimento público do município com a construção e reabilitação de 700 casas em regime de renda acessível na Av. das Forças Armadas e em prédios até ao Saldanha, para além de vários equipamentos, como creches e centros intergeracionais para idosos.

Esta ação da Fidelidade demonstra, como se houvesse dúvidas, que as empresas uma vez privatizadas procuram unicamente o lucro, neste caso com prejuízo de milhares de pessoas que vão perder as suas casas por todo o país em prol de um negócio para construir casas de luxo e escritórios no centro de Lisboa. Sem vergonha.

* Investigador em Trabalho e Segurança Social

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
13/12/18

.

Sem comentários:

Enviar um comentário