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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
23/12/18
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Trump pode sair da Síria,
mas América nunca desistirá
do Médio Oriente
Se tivermos em conta o Grande Médio Oriente, faixa que vai de
Marrocos até ao Paquistão, é difícil imaginar os Estados Unidos a
retirarem-se por completo da região, mesmo levando a sério o anúncio há dias por Trump da saída das tropas americanas da Síria. A relação é tão antiga que Marrocos foi o primeiro país do mundo a reconhecer os Estados Unidos e o hino dos Marines fala de batalhas no início do século XIX contra os piratas da Líbia(on the shores of Tripoli).
Isto para não falar da aliança com a Arábia Saudita, nascida da vontade
de Roosevelt, do duradouro financiamento militar americano a Israel (o
maior de todos, sendo o segundo dado ao Egito) ou da necessidade do
Paquistão como base para combater os soviéticos na década de 1980 e
agora os talibãs.
É certo que esse Grande Médio Oriente
tem sido fonte constante de frustrações para a América, a maior de todas
o derrube do regime do Xá em 1979 e a sua substituição por uma
república islâmica que tende a ver os Estados Unidos como o Grande Satã
Também a primeira intervenção contra o Iraque de Saddam foi apenas meia
vitória, e a segunda, embora derrotando o ditador, praticamente uma
vitória de Pirro, basta pensar que o Daesh nasceu de uma aliança entre islamitas e antigos oficiais baasistas.
E o Afeganistão, 17 anos depois dos atentados contra as Torres Gémeas,
continua um caos, com os talibãs outrora protetores de Bin Laden a
ameaçarem destruir o Estado reconstruído por vontade da América.
Disse Trump que ninguém agradece aos Estados Unidos serem o polícia do Médio Oriente,
com os custos humanos e financeiros que tal significa, seja no Iraque,
seja no Afeganistão (seis biliões de dólares, 7000 militares mortos,
somadas as duas guerras de Bush filho).
Na verdade, há quem veja
até nos americanos um fator desestabilizador, por estar 100% ao lado de
Israel, o que vem de muito antes de Trump ser presidente, ou por agora
estar a aplicar pesadas sanções a um Irão que tinha desistido de ser
potência nuclear, uma opção trumpiana criticada pelos aliados europeus.
Nisto
de responsabilidade de Trump convém também notar que no caso da Síria,
em revolta contra o regime de Assad desde 2011, há muito do que se passa
agora que tem mais que ver com a crónica indecisão de Barack Obama.
Não só o ex-presidente não envolveu tropas no solo como recuou no
último momento na decisão de punir Damasco pelo uso de armas químicas em
2013. Foi também incapaz de prevenir a ascensão do Daesh e para o
derrotar teve de recorrer às milícias curdas mesmo sabendo como isso
afetaria a segurança da Turquia, parceiro na NATO. Foi Obama igualmente
que não teve uma estratégia capaz de contrariar a vinda em socorro da
Rússia a Assad.
Acrescente-se que, pouco depois de tomar posse, Trump
mostrou idêntica incapacidade para lidar com o atoleiro sírio,
retaliando a mais um incidente com químicos com uma chuva de mísseis
Tomahawk sobre a base aérea de Shayrat, uma exibição de força
espetacular mas pouco eficaz.
Saída, pois, da Síria e
também retirada do grosso das tropas americanas que restam no
Afeganistão. A dupla decisão de Trump surpreendeu apesar dos
antecedentes (também Obama falou de retirar do Afeganistão) e sobretudo
levou à demissão do secretário da Defesa, o general Mattis, que era
visto como garante de sanidade na política externa da administração. Sabe-se
que Mattis tentou convencer Trump de que é um erro grave abandonar
aliados, no caso os curdos, e outro mais grave até é ceder terreno a
adversários, ou seja, a Rússia que consegue assim voltar a ser um ator
incontornável no Médio Oriente e o Irão, campeão da frente xiita que
luta do Iémen ao Líbano.
É evidente que a política
externa americana é complexa e que ao mesmo tempo que o presidente
anuncia a retirada das tropas da Síria se dá o regresso de um
porta-aviões ao golfo Pérsico. Mas mesmo assim é impossível não
ver contradição entre um virar de costas puro e simples à Síria e a
anunciada vontade de contrariar o expansionismo dos ayatollas de Teerão.
Tal como é evidente que a decisão de Trump joga contra Israel, o amigo
de sempre. E convém também dizer que se trata de uma decisão que só pode
desagradar à Arábia Saudita, o tal país que no tempo de Ibn Saud e
Roosevelt se tornou parceiro por causa do petróleo e que Trump fez
questão de ser o primeiro visitado por si enquanto presidente dos
Estados Unidos. E o Daesh, estará mesmo derrotado?
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
23/12/18
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