.
EN 255
EN 255
Mais uma tragédia. Em primeiro lugar, pelas vítimas. Em segundo lugar, pelo que revela da irresponsabilidade de todos os intervenientes e, mais uma vez, do que se pode antecipar sobre a identificação de responsabilidades.
Após ter ouvido a notícia transmitida pela TSF, acompanhei os canais
televisivos. As imagens eram esmagadoras e no meu pensamento surgiu uma
dúvida legitima: por que razão não estava aquela estrada, se assim pode
ser chamada, já encerrada? Ouvi as opiniões dos especialistas em
estúdio, acompanhei a conferência de imprensa no final da tarde e, no
dia seguinte, procurei confirmação de alguns dados.
Vou
tentar uma síntese: as duas pedreiras que ladeiam a estrada-ponte foram
licenciadas em 1989, mas não cumpriam o normativo imposto pela
legislação publicada em 1982; o plano de urbanização do concelho de
Borba, aprovado em 1994, incluía a construção de uma via alternativa -
construída em 2003 - de forma a desactivar a EN 255 que passa
posteriormente para a responsabilidade autárquica; nos anos seguintes
foram elaborados diversos estudos técnicos que apontavam para a sua
desactivação. Não foi desactivada, abateu levando consigo cinco corpos.
Terá
havido uma reunião há quatro anos na qual se debateu o assunto.
Presentes: os empresários do sector, o (actual) presidente da Câmara
Municipal da Borba e representante (s) da entidade da administração
central com competência na matéria. Todos com conhecimento do perigo
potencial. Por não ter estado presente, não posso obviamente identificar
a posição de cada lado. Posso, no entanto, especular: apenas a
necessidade de contenção de custos na exploração pode ter ditado que
tudo continuasse na mesma. Se assim foi, o presidente da CMB optou pelo
apoio às empresas do sector e, talvez sendo um homem crente, esperou que
um milagre impedisse o que se temia há 20 anos.
Opções
políticas à parte, vamos às afirmações do autarca na conferência de
imprensa: naturalmente consternado, disse desconhecer as conclusões dos
estudos e estar de "consciência tranquila". Neste momento - 4.ª feira -
não sei se já recuperou a memória. Mas outra questão se coloca: o (s)
representante (s) do poder central não reportaram nada ao seu
responsável máximo e este à respectiva tutela? Nunca mais houve
fiscalização à exploração das duas pedreiras? Importa averiguar.
Alguns
meios da comunicação social relembraram nos últimos dias a queda da
ponte em Entre-os- Rios. Por pedido do então primeiro-ministro, foram
mobilizados todos os profissionais do Ministério da Saúde que pudessem
actuar nos casos de sobrevivência - não houve, como sabemos - e no apoio
aos familiares. Estive, naturalmente, no local. Além do ambiente geral
de dor, recordo bem o que pensei sobre a ausência da necessária
fiscalização das infra-estruturas públicas. Não podemos comparar as duas
tragédias pelo número de mortos, mas uma diferença é óbvia: se não era
directamente observável o desgaste do pilar submerso da ponte, a
perigosidade da EN 255 estava à vista de todos!
O
Ministério Público e o próprio Ministério que tutela a pasta do Ambiente
vão proceder a averiguações, de diferente alcance. Virão a ser
imputadas responsabilidades a pessoas e/ou a instituições? Esta pergunta
recorda-me a conclusão de um comentador presente num dos canais
televisivos: depois de muito pressionado pela jornalista para
identificar um provável culpado, afirma que a derradeira culpa poderá
ser atribuída à retroescavadora.
Professorauniversitária(ISEG),
investigadora,economista
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
22/11/18
.
Sem comentários:
Enviar um comentário