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IN "PÚBLICO"
22/11/18
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O Estado mete-se em tudo,
menos no que importa
Em vez de elencar prioridades por ordem crescente de necessidade – dos que mais precisam para os que menos precisam –, o Estado elenca-as em função dos grupos de pressão – dos que mais gritam para os que menos gritam.
O que é que une tragédias como Entre-os-Rios, Pedrógão Grande ou, agora, Borba?
Não é o mero azar, nem a fragilidade da condição humana, nem serem
daquelas fatalidades que sempre ocorrem no mundo sem que possamos fazer
grande coisa para as evitar. O que une essas tragédias é mesmo a incúria
do Estado português na área mais fundamental da sua intervenção – a
segurança dos cidadãos e a protecção das suas vidas – e o desleixo a que
tem sido votado o interior do país desde que o sector primário se
eclipsou. Fora dos grandes círculos urbanos falta quase tudo:
vigilância, engenheiros, autarquias com massa crítica, gente qualificada
nas mais diversas áreas.
Não é por acaso que as pontes não caem em Lisboa, que os fogos não
matam dezenas de pessoas em Sintra ou que as estradas não desabam nas
encostas do Porto, apesar de ser aí que há mais pontes, mais pessoas e
mais estradas. Com o tremendo apertão no cinto pós-2011 e as cativações
pós-2015, aquilo que hoje temos é um Estado com cada vez menos meios
para desempenhar as suas funções e a utilizá-los de forma errada. Em vez
de elencar prioridades por ordem crescente de necessidade – dos que
mais precisam para os que menos precisam –, o Estado elenca-as em função
dos grupos de pressão – dos que mais gritam para os que menos gritam.
Aqueles que têm mais poder reivindicativo fazem valer a sua força, e o
país entretém-se a debater a recuperação do tempo de serviço dos
professores e o IVA das touradas, sem que, por um só momento, se discuta
a mais vaga visão de futuro para o país. Eis ao que está resumida a
política portuguesa: distribuição dos despojos orçamentais.
E, no entanto, por mais estranho que pareça, a função prioritária do
Estado não é pagar o ordenado aos funcionários públicos, nem integrar no
quadro quem está a recibos verdes. É mesmo assegurar que as pontes não
caem e que as estradas não desabam – sobretudo quando a estrada é um
carreiro entre duas ravinas de 100 metros de profundidade. Em Borba
morreram cinco pessoas, como teriam morrido 50 se fosse um autocarro
escolar a passar por ali. A estrada era municipal, portanto, a primeira
responsabilidade é obviamente da autarquia. António Costa, aliás, já se
apressou a garantir que o Governo não sabia de nada (nunca sabe) e o
ministro Pedro Marques declarou não ser hora de apontar culpas, porque a
prioridade deve ser dada ao resgate. O facto de o resgate poder demorar
semanas e de já não haver ninguém com vida para resgatar parece ser
questão de somenos. O que interessa, como sempre, é que se mantenha um
respeitável silêncio enquanto não estiver concluído “o inquérito”.
Tudo isto é muito cansativo, e já foi visto demasiadas vezes. O
problema não é Borba, como não era Pedrógão Grande ou Entre-os-Rios,
porque esses são apenas os sítios onde saiu a fava de um bolo em
decomposição acelerada – e, sobre isso, os inquéritos não esclarecem
coisíssima nenhuma. O problema é estarmos a criar, cada vez mais, um
Estado de fachada, que absorve uma quantidade gigantesca de recursos
para alimentar actividades acessórias, enquanto esquece as suas funções
essenciais. Um Estado centralista que acha que o país começa no Cais das
Colunas e termina no arco da Rua Augusta; um Estado desleixado que mete
o nariz em tudo mas não arregaça as mangas para fazer nada; um Estado,
enfim, tão majestoso e tão oco como as pedreiras de Borba, que são
lindíssimas vistas ao longe, mas que matam quando chegamos perto.
IN "PÚBLICO"
22/11/18
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