17/11/2018

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ESTA SEMANA NA 
"VISÃO"
Tancos:
 juiz vai além do Ministério Público
 para prender ex-diretor da PJ militar

Por sua conta e risco, o juiz de instrução João Bártolo acrescentou um crime, o de tráfico de armas, com uma moldura penal que prevê 12 anos de cadeia, para aplicar a prisão preventiva ao coronel Luís Vieira. Até a acusação foi apanhada de surpresa

Fins de setembro passado, Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa. O País está ali focado, suspenso do resultado dos interrogatórios aos arguidos detidos na “Operação Húbris”, que investiga a encenação na recuperação do material de guerra furtado dos paióis de Tancos, e o suposto encobrimento de um informador que terá participado no assalto. No segredo do gabinete onde decorreram as inquirições, o procurador que sustentou a acusação indiciou o então diretor-geral da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, pelos crimes de denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e associação criminosa. São todos ilícitos com molduras penais que não excedem os cinco anos de cadeia e que, por lei, não permitem a aplicação da medida de coação mais grave - a prisão preventiva.
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Mas, no seu despacho final, o juiz de instrução João Bártolo mudou por completo o enquadramento feito pelo Ministério Público (MP). Retirou da indiciação o tráfico de influência e o abuso de poder, e, de moto próprio, acrescentou um crime que o MP não arriscou atribuir a Luís Vieira: tráfico de armas, com uma moldura penal de quatro a 12 anos de cadeia, que já admitia a prisão preventiva, que aquele magistrado aplicou ao militar.

O que até agora era publicamente desconhecido está relatado no recurso que o coronel Luís Vieira enviou para a Relação de Lisboa, alegações que já se encontram nesta instância e às quais a VISÃO teve acesso. Os pressupostos legais da prisão preventiva - perigos de fuga, de perturbação do inquérito, de continuação da atividade criminosa e de alarme social - são contestados com veemência.

“O militar não foge às suas responsabilidades, não tem comportamento socialmente reprovável nem conduta violenta ou equivalente”, diz o antigo diretor-geral da PJM, preso na cadeia de Tomar. Luís Vieira apresenta-se como um “militar com mais de 40 anos de serviço à causa pública” e uma folha limpa, que lhe valeu, entre outras condecorações, a “medalha de ouro de comportamento exemplar”.

Se, no seu despacho, o juiz de instrução João Bártolo “refere (...) que fez deduções lógicas”, as quais “tiveram em conta tudo o que foi dito” nos interrogatórios dos oito arguidos do processo, Luís Vieira contrapõe que, quanto a si, existem “meras desconfianças”, situação que “evidencia (...) o carácter excessivo da medida aplicada”. Considera que, em alternativa, as “finalidades” processuais ficam “plenamente” asseguradas com “apresentações periódicas”, a proibição de “não se ausentar para o estrangeiro”, e a “obrigação de não contactar, por qualquer meio”, com os outros arguidos.

“RESPONSABILIDADES” E “OMBROS” ALHEIOS
Nas alegações que submete aos desembargadores da Relação de Lisboa, o coronel não alude ao memorando que conduziu às demissões de Azeredo Lopes, de ministro da Defesa, e de Rovisco Duarte, de Chefe do Estado-Maior do Exército. Luís Vieira opta por enquadrar os juízes no “ambiente tenso e de desconsideração institucional” da PJM, quando a então procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, delegou na Unidade Nacional de Contra Terrorismo, da PJ, a investigação de um “crime estritamente militar” - o furto de material de guerra dos paióis de Tancos, a 29 de junho de 2017.

Face à “perceção” de a PJM ter sido remetida a um “papel de subalternização e não de cooperação policial na investigação”, Luís Vieira diz que determinou dois objetivos “estratégicos” para a atuação dos seus efetivos: “A recuperação do material de guerra e, em cooperação com a PJ, a detenção dos suspeitos da autoria do furto.” À semelhança das declarações que prestou ao juiz de instrução João Bártolo, o coronel enfatiza aos desembargadores “o interesse nacional da recuperação do material de guerra furtado pela sua quantidade e perigosidade”. Era inadmissível, diz, “a hipótese deste material poder cair no ‘mercado’ de armas e ser comercializado”. Lembra, a propósito, que o Regime do Segredo de Estado “considera interesse fundamental” do País (...) “os recursos afetos à Defesa, como o era o material de guerra recuperado”.

Resumindo: “(...) 
O dever de garantir o interesse nacional” foi considerado pelo então diretor-geral da PJM “razão bastante para justificação dos atos praticados, com o objetivo de recuperação do material de guerra furtado e posterior detenção dos autores do furto”. Mas argumenta que os procedimentos que autorizou “nunca” tiveram a “intenção” de “desresponsabilização de qualquer suspeito” nem o seu “encobrimento”, aludindo indiretamente ao ex-fuzileiro João Paulino, também em prisão preventiva, suposto líder do grupo que assaltou Tancos e que depois colaborou com a PJM na devolução do material furtado, contra a garantia de “imunidade” e de marginalização da PJ civil. Luís Vieira é, aliás, mais perentório, referindo-se implicitamente aos restantes três arguidos da PJM no processo, sobretudo ao major Vasco Brazão, antigo porta-voz da Judiciária Militar e um dos responsáveis pela investigação, naquela polícia, do caso de Tancos, que está agora em prisão domiciliária. O juiz de instrução João Bártolo não deu “qualquer crédito” ao depoimento de Luís Vieira, diz o próprio aos desembargadores, “em confronto com os demais, que escudaram as suas responsabilidades em cima dos ombros” do coronel…

ESTRATÉGIA, TÁTICA E HUMILHAÇÃO
No “modus operandi” da PJM que Luís Vieira relata aos desembargadores, o diretor-geral traça “objetivos estratégicos” para as equipas de investigação criminal cumprirem, sob orientação dos respetivos superiores. E, no caso de Tancos, nada foi diferente, argumenta o coronel. “As equipas (...) procederam às diligências e contactos necessários, sob coordenação do Diretor de Investigação Criminal [coronel Manuel Estalagem, que o MP não constituiu arguido], e não do Diretor-Geral, sendo que os chefes de equipa de investigação [como o major Brazão, por exemplo] dispuseram e dispõem de liberdade de ação para investigar sob coordenação do seu diretor, devendo reportar ao Diretor-Geral de forma genérica o evoluir dos acontecimentos.”

Luís Vieira alega que “nunca” teve “intervenção direta nas ações a desenvolver”. Diz que a “tática” cabia aos “chefes das equipas de investigação” e a sua “coordenação” ao “Diretor de Investigação Criminal”. Argumenta que apenas “genericamente” soube que “havia um informador”, capaz de dar elementos que conduzissem à recuperação do material furtado em Tancos. “Havia que ganhar a confiança” daquele indivíduo, descreve, “criando-se na equipa a convicção de que, se o suspeito colaborasse na recuperação do material, estariam criadas as condições de conseguir a informação sobre os autores do furto”. Mas com autorização sua, garante, “nada foi prometido ao informador” - embora determinasse aos investigadores que estivessem focados no primeiro objetivo que lhes traçou, o da recuperação do material.

O então diretor-geral da PJM diz no recurso que “desconhecia os pormenores dos atos praticados para reaver o material de guerra”. Por exemplo, afirma que não sabia “que a sua recuperação se iniciaria com uma chamada anónima com indicação do local onde se encontrava o material, bem como as circunstâncias concretas em que o material de guerra apareceu naquele local”. Recorde-se que o telefonema anónimo foi feito por um sargento da PJM, de uma cabina pública no Montijo, na madrugada de 18 de outubro do ano passado, para o telemóvel do piquete, que estava na posse do major Brazão. Depois, quase todo o material furtado em Tancos seria “descoberto” num terreno ermo, na Chamusca.

Aos desembargadores, Luís Vieira diz que “o expediente que se seguiu (...) narrou os factos que explicam o aparecimento do material” da forma que ele, diretor-geral, “os percecionou, e o procedimento adotado tinha por enquadramento” o que antes explicitou. E o coronel não aceita o modo da sua detenção, a 25 de setembro último, por inspetores da PJ civil, com mandado do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), do MP, na sede da PJM. Foi uma “detenção humilhante, para os media divulgarem”, protesta. Não fez “qualquer sentido” nem teve “justificação”. Para Luís Vieira, a única explicação reside na “disputa legal entre polícias sobre quem tem ou teria a exclusividade de investigar o furto do material de guerra”. O coronel afirma-se vítima de um “manifesto uso excessivo de poder”. A propósito, pergunta: “É crível passar pela cabeça de ‘alguém’ que um militar do Exército (...), notificado para comparecer a uma diligência judicial - ainda para mais num processo mediático como este -, não iria comparecer (...)?”

Luís Vieira diz que está disposto “a colaborar com a Justiça, contribuindo para a descoberta da verdade material”. Mas não abdica da sua luta: no recurso, alega a “incompetência territorial” do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e do juiz João Bártolo neste processo. Como o alegado crime de tráfico de armas supostamente se consumou na área da Chamusca e Santa Margarida, a “competência territorial”, argumenta, é do Tribunal de Santarém. Se os desembargadores validarem esta dita “nulidade”, todos os interrogatórios terão de ser repetidos, e conduzidos por um juiz de instrução do tribunal escalabitano. É esperar para ver.

* O povo está farto de militares medalhados e envolvidos em confusões. Expulsem-nos.

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