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Chama-me pelo meu nome
A propósito do Prémio Nobel da Paz atribuído este ano
a Nadia Murad (ativista dos direitos humanos e vítima de tortura e
escravidão sexual pelo estado islâmico) e Denis Mukwege (médico
ginecologista que já operou mais de 40 000 mulheres vítimas de violência
sexual no Congo e um dos fundadores da City of Joy) pelo seu trabalho
na luta para acabar com a violência sexual como arma de guerra, dei
comigo a rever um documentário impressionante que todos devíamos ver :
City of Joy.
Realizado por Madeleine Gavin e disponível na Netflix, é uma
extraordinária viagem à comunidade fundada em 2011 por Denis Mukwege,
Christine Schuler Deschryver e Eve Ensler no leste do Congo para receber
e tratar mulheres vítimas de crimes sexuais, naquele que é atualmente
considerado por muitos como ‘um dos piores sítios do mundo para uma
mulher viver’.
No Congo, as mulheres são usadas como armas de guerra e, sendo quase
impossível determinar a magnitude do flagelo, um estudo publicado no
American Journal of Public Health estimou que aproximadamente 48
mulheres são violadas por hora.
Na City of Joy, as mulheres não só são recebidas e tratadas como,
juntas, aprendem a transformar a sua dor em poder – para depois voltarem
às suas comunidades e ajudarem a reconstruí-las. É impressionante
assistir aos depoimentos destas mulheres, vítimas de atrocidades, e
ainda mais tocante é perceber a sua força para transformar a tragédia em
alegria e motivação.
Numa altura em que vivemos sem dúvida uma revolução feminina, com
movimentos como o #metoo a obrigarem a sociedade a repensar a forma como
viu e tratou as mulheres ao longo de séculos, é importante perceber que
tudo isto faz parte da mesma revolução. E que a revolução é urgente e
há muito aguardada – foram séculos de história escrita no masculino.
Há pouco mais de 100 anos não podíamos votar em Portugal. Na Arábia
Saudita, só este ano é que as mulheres passaram a poder conduzir e ainda
não podem sair do país nem abrir uma conta bancária sem autorização do
seu ‘guardião homem’.
Por tudo isto, espanta-me sempre que ouço – e ouço muitas vezes – que
‘também não é preciso exagerar, as coisas até estão equilibradas’ ou
‘tenham calma, agora não vão ser extremistas’.
Honestamente, da parte das mulheres, não tenho visto grandes
extremismos, vejo-nos, isso sim, a tomar posições e a assumi-las em nome
próprio. A questionar a ordem estabelecida e a falar sem medo e sem
tabus. Só isso.
A questão é que passámos séculos a olhar para os homens como
protagonistas – e agora estamos todos a estranhar, inclusive nós
próprias.
Os nomes das mulheres ficaram esquecidos e ainda nos custa dizê-los
em primeiro lugar. Basta lembrar-nos de um caso recente nos EUA : alguém
se lembra do nome da mulher que acusou o juiz Kavanaugh de abuso
sexual, expondo-se diante do mundo inteiro? Chama-se Christine Blasey
Ford. E fez muito por todas nós.
Temos um longo caminho pela frente mas quero acreditar que a história nos reconhecerá, finalmente, o devido protagonismo.
Após séculos no masculino, o futuro escreve-se também no feminino. Com as nossas mãos.
* Actriz
IN "DELAS"
OUTUBRO/2018
IN "DELAS"
OUTUBRO/2018
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