24/10/2018

JOÃO ALMEIDA MOREIRA

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Mais petralha que a petralhada

No último domingo, Jair Bolsonaro falou via telemóvel para um mar de furiosos bolsonaristas na Avenida Paulista. “Esses marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”, disse. “Sr. Lula da Silva, se você estava esperando o [Fernando] Haddad ser presidente para assinar um indulto eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia; aguarde, o Haddad chegará aí também, não para visitá-lo, mas para ficar uns anos”, prosseguiu.

“Petralhada [forma pejorativa como são conhecidos os militantes do PT], vocês não terão mais vez na nossa pátria”, prometeu. “Vocês, petralhada, verão uma polícia civil e militar com retaguarda jurídica que fará valer a lei no lombo de vocês”, avisou.

Dada a escalada de ofensas do candidato a presidente que se agiganta perante os seus apoiantes mas não tem coragem de ir a debates, o concorrente chamou-o de “chefe de milícia”, de “perigoso”, de “soldadinho de araque [significa falso]” e de “charlatão”.

Já era de esperar este tom. Bolsonaro e PT estão mais ou menos nos antípodas em questões vitais nos costumes: o primeiro, de extrema-direita, é um ex-militar cujo lema é “bandido bom é bandido morto” e para quem as minorias se devem sujeitar à maioria; o segundo, de extrema-esquerda quando está na oposição e de centro-esquerda quando está no poder, despreza os miltares, procura combater as causas e não apenas as consequências nas questões de segurança e tem, dentro de certos limites, uma história de inclusão das minorias.

Além disso, na economia o PT é estatizante e desenvolvimentista. E Bolsonaro um inveterado liberal.

Perdão? Bolsonaro liberal? Desde quando?

Desde esta campanha, quando chamou para seu guru da área o economista Paulo Guedes, economista ortodoxo “made in Chicago”. E quando, mais ou menos ao mesmo tempo, aderiu ao nono partido da sua carreira, o PSL, cujo “L” é, precisamente, de “liberal”.

Porque no seu passado parlamentar, por estranho que possa parecer, na maioria das principais votações económicas da jovem democracia brasileira votou, imagine-se, ao lado do PT. E quando não acompanhou o partido cujo lombo promete castigar votou mais à esquerda.

Exemplos: em 1994, PT e Bolsonaro opuseram-se ao Plano Real, de Itamar Franco.

Em 1998, ambos foram contrários ao fim do monopólio da Petrobrás e à privatização da Telebrás, a estatal telefónica.

 Em 1998, votaram juntos, os “marginais vermelhos” e “o chefe de milícia”, contra a reforma liberal do sistema previdenciário proposto por Fernando Henrique Cardoso.

Nada que espante afinal tanto assim: se o PT, como partido de esquerda, aposta num estado forte e intervencionista, a ditadura militar dos sonhos de Bolsonaro apostava ainda mais.

Mas uma vez no poder, o PT virou ao centro: em momentos específicos dos seus 13 anos de consulado tentou uma reforma previdenciária ousada e propôs um ajuste orçamental austero. O que fez Bolsonaro? Vetou uma e outro, em nome da reforma integral e da subida de salários dos funcionários públicos.

Na economia, o seu histórico não engana: é mais papista que o papa, mais petista que o PT, mais petralha do que a petralhada.


IN "DINHEIRO VIVO"
24/10/18

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