26/10/2018

ASCENSO SIMÕES

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Aga Khan

O que está Aga Khan a fazer para que a sua comunidade se não esfume? Que ligação tem cada um dos seus cordeiros com aquele que será seu sucessor?

Há uma pergunta que é feita amiudadas vezes e que, até hoje, não teve uma resposta cabal, completa. Ela é: o que faz dos ismaelitas um povo diferente?

As poucas tentativas de dar caminho a este questionamento vão todas no sentido de se consagrar o exemplo do seu imam, mas tal pronunciamento é muito redutor.

Claro que, nestas décadas que leva de chefe espiritual, Aga Khan conseguiu o feito único – o de ser reconhecido no mundo ocidental com Chefe de Estado e ter garantido as portas abertas de todas as chancelarias. Não é coisa simples nem fácil, tal decorre da construção de uma “imagem” do ser ismaelita que faz deste povo, tão errante quanto o povo judeu, tão capaz de criar e tão prudente na relação com as sociedades em que se instala, que consagrou casta, elegeu respeito e consumiu fortuna.

Sim, há neste povo um desejo de crescer em matéria, de se consagrar em vida mundana. A comunidade é ensinada a olhar a riqueza como um estádio, um estatuto, a que todos podem chegar. Nesta leitura de existência há muito de protestante, de simplificação da vida terrena revelada pena. Este foi o campo conquistado por Aga Khan, o atual e o seu avô, que possibilitou a não contestação, que nunca implicou na zelotipia que estas comunidades sempre comportam.

Os 15 milhões de ismaelitas liderados pelo príncipe sem principado, pelo estadista sem Estado, pelo imam sem formação teológica, encontraram, na linha da disponibilidade para o outro, o alfa e o ómega que os fazem ser diferentes. E em que é que isso se converte? Na permeabilidade com que se integram, na elaboração com que se relacionam, na inteligência plástica que os faz fortes mesmo que poucos e deslocados.

Aga Khan, que já leva seis décadas de liderança da comunidade, construiu uma interessante holding onde as diversas linhas de produção e as diferentes gamas de produto se afirmam.

Há, desde logo a imensa riqueza pessoal que não se despolimeriza e que se verifica aumentada a cada tempo. Claro que o ser chefe máximo não pode desgraduar o espaço restrito, seu e de sua família, dele e dos seguintes. A esta riqueza junta-se a que se vai consolidando no lado da sua Fundação. Esta, nascida de uma parte dos seus salvatérios, ganhou vida própria e assume um crescimento (do que se conhece) imparável em ativos financeiros e em criação de inteligência. Por último, a componente religiosa, garantidamente autónoma, que também dispõe de um elevado alforge de recursos por onde se apoia a comunidade espalhada pelo mundo e a estrutura. Dessa comunidade resulta também uma doação anual muito significativa que se destina a obras sociais e ao apoio a catástrofes.

Ismael, primogénito de Abraão, indica o início. Assim concede o livro primeiro que hebreus e cristãos elegem como Génesis. Mas Maomé, na sua consagração fundadora, terá ido buscar esse Ismael para o fazer relevante e garante da fidelidade inicial. Por isso, há quem diga que os ismaelitas são os verdadeiros filhos e continuadores do espírito que une as religiões monoteístas.

A verdade é que os islamitas foram tendo, ao longo dos séculos, uma espécie de dom intemporal que os garantiu. Acharam-se pelo mundo e resistiram, afirmaram-se porque sempre olharam para Deus como que o seu único Senhor e sua única garantia, sem intermediários e sem reinvenções carismáticas desnaturadas.

Não se mostrava necessário, até ao Século XX, que reis e príncipes tivessem “terra” para liderarem a sua gente. Em África, em parte da Ásia, até em alguns territórios da Europa de Leste, imensas comunidades garantiam estruturas sociais e hierarquias de reverencia muito próprias e, por longínquas, completamente autónomas. Nas últimas nove décadas tudo se transformou de forma avassaladora, menos para os ismaelitas que se mantiveram ligados por uma razão mais forte que a própria razão pós- iluminista.

Estando pelo mundo, existem e quase não se dá conta deles que não seja por pequenos sinais. E, no tempo da circulação global, os ismaelitas serão ainda mais fluidos. Só se revelam e revelarão em momentos cíclicos, só se conhecem porque alguém recomenda a sua liderança. O problema está no futuro. O que está Aga Khan a fazer para que a sua comunidade se não esfume? Que ligação tem cada um dos seus cordeiros com aquele que será seu sucessor?

Perguntas em aberto e que talvez possamos ir descobrindo para a resposta a partir de 2019, quando Lisboa for um centro político destes 15 milhões de almas de Deus. E, recuperando por agora o Sermão da Montanha, sempre diremos que há uma caraterística que lhes cabe e cumpre: “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus”.

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
19/19/18

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