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IN "EXPRESSO"
18/10/18
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O preço do sucesso
Mário Centeno aproveitou a apresentação do Orçamento do Estado para
2019 para fazer um primeiro balanço da legislatura do ponto de vista
macroeconómico, e não há dúvida que este é impressionante: a
concretizar-se o quadro macroeconómico para o próximo ano, que não
parece irrealista, no total dos quatro anos “o PIB crescerá quase 10%,
haverá mais 400 mil pessoas empregadas, a taxa de desemprego caiá quase
para metade (12,4% para 6,3%), o défice chegará a um ponto de equilíbrio
e as dívidas pública e privada terão reduções acentuadas”.
Se
isto não é um extraordinário sucesso, é difícil dizer o que seja. Não
admira que a oposição tenha tanta dificuldade em definir uma linha de
crítica no plano económico, vendo-se obrigada a remeter para um vago
ranking do crescimento entre os membros da União Europeia, argumento
aliás desde logo contrariado pela convergência face à média europeia,
algo que no novo século quase sempre tem escapado a Portugal. Também em
2011-2015 Portugal foi das economias europeias que menos cresceu, com a
diferença que no conjunto dos quatro anos a legislatura anterior a
economia contraiu em termos reais cerca de -2,5% (em vez de crescer) e
divergiu significativamente da média europeia.
É claro que para o
desempenho na actual legislatura foi decisiva uma conjugação de
factores muito favorável, do longo período de juros anormalmente baixos à
conjuntura económica externa a puxar pelas exportações, e dos
desenvolvimentos políticos e de segurança que afectaram alguns dos
principais concorrentes no sector do turismo ao baixo preço do petróleo
durante a maior parte da legislatura. Mas esta está muito longe de ser a
história completa, tendo as opções de política económica e em
particular a política de rendimentos sido igualmente decisivas. Quer
pela via directa do estímulo à procura interna, quer pela via indirecta
do estímulo à confiança, a devolução de rendimentos às famílias por que
são responsáveis o governo e os partidos que o sustentam foi essencial
para a recuperação económica dos últimos anos, para além de ter sido
fundamental para repor alguma justiça social.
Dito isto, até há
relativamente pouco tempo a retoma da economia portuguesa correspondeu
basicamente à recuperação do recuo dos anos anteriores: foi só em 2018
que o PIB português, em termos reais, voltou a atingir aquele que havia
sido o seu nível máximo anterior à crise. Neste sentido, o desempenho
económico deste governo foi ‘beneficiado’ pela brutal contracção da
actividade económica provocada pela política pro-cíclica do governo
anterior: foi tal o desemprego de factores produtivos gerado pela
austeridade que a mera retoma do nível de actividade anterior por parte
destes permite, por si só, alcançar taxas de crescimento relativamente
elevadas.
A este respeito, há dois pontos principais que vale a
pena assinalar. O primeiro é que isto mostra uma vez mais que, no plano
macroeconómico, o crescimento económico é realmente decisivo, não só
para a evolução do nível de vida e criação de emprego como para a
consolidação orçamental. A via austeritária para a consolidação
orçamental é duplamente contraproducente: na medida em que reduz as
receitas públicas e na medida em que faz contrair o produto, fazendo
aumentar o valor relativo da dívida pública e privada existente.
O
segundo ponto que vale a pena discutir é que, paradoxalmente, o notável
desempenho macreconómico dos últimos anos tem conduzido a uma
naturalização das condições favoráveis que muito dificilmente terá
condições de sustentação. No “Público”, Rui Tavares
refere o sucesso económico da ‘geringonça’ como prova da
compatibilidade fundamental entre a pertença ao euro e a viabilidade da
economia portuguesa. No “Observador”, Luís Aguiar-Conraria
projecta uma evolução da dívida pública portuguesa até perto de 60% em
2035 assumindo para tal défice zero, crescimento de 2% e inflação de 2%.
E no entanto, continua a ser verdade que desde a adesão ao euro o PIB
per capita português passou de 84% para 77% da média europeia e o
endividamento externo passou de cerca de zero para perto de 100% do PIB.
Como continua a ser verdade que crescimento real de 2% a par de défice
zero é algo que a economia portuguesa nunca (até este ano) conseguiu
alcançar nas últimas décadas, quanto mais sustentar durante vinte anos.
De
alguma forma, naturalizou-se já aquilo que, independentemente dos
méritos do governo, é inevitavelmente excepcional, quer por causa do
contributo dos factores externos que não controlamos quer porque para
este bom desempenho contribuiu de forma decisiva um efeito de ressalto a
partir da austeridade que chegará agora ao seu final, exigindo que o
crescimento passe a assentar em novas bases. Essa naturalização tende a
provocar uma desvalorização dos constrangimentos bem reais que
continuam, tal como dantes, a pesar sobre a economia portuguesa, do
lastro da dívida acumulada ao efeito deletério do euro, adiando e
dificultando a discussão sobre a melhor forma de enfrentar esses
constrangimentos. O sucesso conjuntural tem como preço a desvalorização
dos problemas estruturais.
IN "EXPRESSO"
18/10/18
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