10/09/2018

MARIA EUGÉNIA LEITÃO

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«Criança que fui 
e que outrora sonhou, 
 velho que sou
                  e só a solidão restou!»

 Esta frase, também da autoria do Velho do Restelo, autor já anteriormente citado, foi captada junto ao Campo Pequeno, num muro entretanto pintado de branco.

Em mais um dos retratos desencantados que costuma escrever, fazendo jus ao nome com que assina, e habitualmente rimando, insurge-se contra as novidades, e recorda os tempos da infância, em que teve muitos sonhos. Compara-os com o tempo atual, em que, já na velhice, apenas lhe resta a solidão.

Efetivamente, a infância e a adolescência são o tempo forte dos sonhos, dos ideais, das utopias. É na infância que sonhamos com o futuro – com aquilo que pensamos que iremos ser, com a vida que gostaríamos de viver. E é na adolescência e juventude que lutamos pelos nossos ideais e estamos convencidos de que iremos mudar o mundo. Como diz Manuel Antunes: «A juventude é a idade das crises e das incertezas, das revoltas e das paixões violentas, mas também a idade dos grandes ideais e das grandes generosidades». É, realmente, o tempo em que sonhamos com grandes ideais e em que nos empenhamos na defesa da justiça e da igualdade, em que procuramos ter voz e dar voz aos que não a têm.

Muitos são os que mantêm a juventude ao longo da vida e continuam a renovar os sonhos ou a lutar por um mesmo sonho. Esses são aqueles que reconhecemos pela alegria de viver, pelo empenho constante em novos projetos, pelo idealismo. Esses são aqueles que se destacam dos demais e que mantêm a sua juventude mesmo na velhice. Esses são aqueles que não se reveem na imagem que lhes é devolvida pelo espelho. Como diz José Sasportes: «O que o espelho diz / não me consola. / O menino que fui não aparece. / O rapaz também lá não está. / O homem que vejo não coincide comigo. / (…) / Mostra cabelos brancos / e algumas rugas, / mas não fixa o brilho dos meus olhos».

Esses são aqueles que admiramos porque gostaríamos de ser assim. Mas a realidade é que acabamos por nos acomodar às condições que a vida nos proporciona e, mesmo mantendo alguns sonhos e ideais, acabamos por perder alguma da vivacidade da juventude. Mais tarde, infelizmente, a perda de capacidades e a falta de resposta do corpo, que vai sofrendo com o passar do tempo, a solidão e o isolamento acabam por matar os verdadeiros sonhos e deixar apenas uma imagem vaga e ténue daquilo que um dia fomos.

Felizmente, há já em Portugal locais onde as pessoas de mais idade podem viver com dignidade, como se estivessem na sua própria casa, mas com apoio e acompanhamento, sempre que dele necessitam. Porém, esta realidade é ainda acessível apenas aos que podem pagar estes serviços, que são muito dispendiosos. É pena que não sejam mais as pessoas que podem usufruir deste tratamento VIP na velhice, mas já é muito bom constatar que esta possibilidade existe, porque até há relativamente pouco tempo nem sequer existia.

Sentir-se cuidado e acompanhado é uma excelente forma de se conseguir continuar a lutar pelos sonhos. Bom seria que todos mantivéssemos acesa a chama da juventude e, ao longo da vida, tudo fizéssemos para encarar o mundo com renovado espanto, como um desafio. Bom seria que os erros que cometemos não acontecessem de novo…

IN "SOL"
05/09/18

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