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A 29 de março de 2019 o Reino Unido sai da União Europeia. Faltam seis meses e, apesar de o governo britânico dizer que 80% do acordo está finalizado, os restantes 20% incluem os temas mais sensíveis e fraturantes.
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HOJE NO
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Portugueses no Reino Unido
com futuro incerto
A 6 meses da saída do Reino Unido da UE, prevista para 29 de março, o regresso a Portugal é, para muitos, uma das opções
Marta Ramos, de 32 anos, veio para Londres em julho de 2017, um ano depois do referendo que deu a vitória ao brexit. A decisão dos britânicos já era conhecida mas não foi isso que a impediu de fazer as malas.
Ao DN, esta psicóloga natural de Estarreja, diz: "Mesmo já tendo
existido o referendo (...) tendo bastantes conhecimentos aqui, em termos
de amigos que já cá estavam há muito tempo, achei que valia a pena
arriscar".
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Ela acrescenta que estava completamente desencantada com a sua profissão em Portugal. "Em sete anos tive um único contrato de trabalho, em que recebia 800 euros e trabalhava muito mais que 40 horas semanais. Não
tinha perspetivas de progressão de carreira, as oportunidades eram
muito poucas e as que existiam eram quase todas a recibos verdes, umas
horas aqui, outras acolá, numa clínica ou num hospital", esclarece.
Ao
DN, Marta garante estar satisfeita com a progressão da sua carreira no
Reino Unido, até porque quatro meses depois ter entrado na atual
empresa, foi promovida. Ainda assim, a saída da União Europeia
preocupa-a e o aproximar da data e o avolumar das dúvidas já a obrigou a
falar com os chefes. "Na empresa onde estou, eu sou a única
emigrante (...) mas os meus chefes têm sido muito atenciosos comigo, não
querem que eu fique preocupada ou que pense que tenho de me ir embora
ou que os meus direitos vão ser alterados".
Ainda assim, Marta já tem um plano B. "Como sei que eles trabalham
também em Portugal, com algumas empresas, perguntei se há possibilidade
de me transferirem para lá se as coisas correrem mal e eles disseram-me
que, desde que alcance os meus objetivos, posso perfeitamente pedir
permuta para outro escritório".
Regressar a Portugal é também uma
opção para Nuno Ramos. "Se não se chegar a acordo [entre Londres e
Bruxelas], pondero fortemente voltar para Portugal mesmo sabendo que lá
poderei não ter as oportunidades que cá existem", afirma.
Aos 33
anos, este emigrante natural de Vila Real confessa ao DN que a sua
permanência no Reino Unido vai depender da forma como terminarem as
negociações entre Reino Unido e UE. "O meu plano é continuar cá durante
algum tempo e ver o que vai acontecer. Mas obviamente que o brexit tem
uma preponderância muito grande na decisão de ficar (...) O que o
brexit nos fez foi: em vez de pensarmos a vida a 10, 15, 20 anos,
estamos a pensar a vida ano a ano, o que não é bom para uma pessoa que
se encontra na casa dos 30 anos e quer ter um plano de vida", explica.
Há quatro anos a viver em Londres, Nuno diz que o brexit foi um
"mal-entendido". "Quando estamos a falar do brexit, estamos a falar de
uma politica de emigração. Não tem nada a ver com as tarifas nem com o
dinheiro para o serviço nacional de saúde. Eu acho que foi a
falta de capacidade dos britânicos de dizerem que queriam controlar as
fronteiras e por isso, partiram para um brexit. A partir daí é uma
completa confusão com desentendimentos e má informação".
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Paulo
Costa também não se importa nada de regressar a casa. Aos 60 anos, já
leva seis de Londres, onde trabalha na área da informática. Ao DN, este
lisboeta confessa que até já enviou currículos para Portugal mas
"ninguém responde, provavelmente por causa da idade".
Já
em Londres, assinala, "continua a haver imensas oportunidades". "Pus o
meu currículo em sites de emprego daqui e comecei logo a ser bombardeado
com propostas de emprego, o que quer dizer que, por enquanto,
não noto nenhum problema em continuar a ter emprego cá. Perguntam-me a
nacionalidade mas não levantam problemas por ser cidadão europeu",
garante.
No entanto, a hipótese cada vez mais provável de não haver acordo
entre Londres e Bruxelas também o preocupa, sobretudo no que diz
respeito aos direitos dos cidadãos europeus residentes no Reino Unido.
"Há um pré-acordo sobre os direitos dos cidadãos europeus mas, na
altura, foi dito que nada está acordado, até tudo estar acordado, o que
significa que se não houver acordo, não há nada que garanta que o que
tem sido previsto vai ser implementado", refere.
Paulo Costa é
membro de um movimento chamado "the3Million" - os três milhões - que
luta para que o governo britânico garanta que os direitos dos cidadãos
comunitários não serão alterados depois do brexit. Ao DN, Paulo explica
que "enquanto não houver legislação aprovada e os direitos dos cidadãos
não forem negociados à parte dos restantes temas, acho que estaremos
sempre um bocado vulneráveis. Haverá sempre um grau de incerteza até que
isso seja posto preto no branco."
E jogando pelo seguro, este
técnico de informática já fez aquilo que, para já, lhe é possível fazer:
obteve um cartão de residente permanente que, no entanto, "não garante
que continuemos a ter acesso aos serviços médicos ou continuemos a ter a
reforma transferível de um lado para o outro."
Felisberto Serrão
concorda e acrescenta que o que mais o preocupa é o custo de vida e o
valor das casas para quem é proprietário. Ao DN, este madeirense
emigrado em Londres desde 1982, diz que, ainda assim, vai "esperar para
ver porque os políticos não sabem o que fazer. Uns estão a favor,
outros contra e os que não estão nem a favor nem contra, estão
confusos."
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Felisberto mantém até a esperança de que o
brexit nunca se venha a realizar, constatando que, a pelo andar da
carruagem, "tudo é possível."
Este emigrante não poupa críticas à forma como a primeira-ministra
britânica Theresa May tem conduzido as negociações e não acredita nas
garantias dadas pela líder dos conservadores de que, mesmo não havendo
acordo com Bruxelas, os direitos dos europeus residentes no Reino Unido
estarão garantidos. "Eu já não acredito em nada vindo do Partido
Conservador. Não têm a certeza do que querem ainda. Jogam bananas verdes
para as negociações para ver se a UE aceita. As exigências do
Reino Unido são confusas: querem sair da União Europeia mas querem
manter as mesmas regalias. Não querem pagar o que têm de pagar. Os
britânicos já não têm aquela firmeza na palavra que tinham antigamente",
sublinha.
Há quase quatro décadas no Reino Unido,
Felisberto já teria direito a pedir a nacionalidade britânica, mantendo
também a portuguesa. Esta opção evitaria quaisquer problemas no futuro
mas este madeirense diz que "nunca tal me veio à ideia. Eu amo o meu
país e acho que não necessito de obter o passaporte inglês e a dupla
nacionalidade. Ter o passaporte [português] e o cartão de residente
chega-me".
A 29 de março de 2019 o Reino Unido sai da União Europeia. Faltam seis meses e, apesar de o governo britânico dizer que 80% do acordo está finalizado, os restantes 20% incluem os temas mais sensíveis e fraturantes.
A questão da Irlanda do Norte é, sem
dúvida, a mais importante nesta fase das negociações. Theresa May quer
um mercado comum para bens industriais e agrícolas, como forma de evitar
a criação de postos fronteiriços entre a Irlanda do Norte e a Republica
da Irlanda, algo que seria contrário ao Acordo de Paz de 1998.
Mas
Bruxelas, por seu lado, diz que isso colocaria em causa a integridade
da UE e, como tal, o Reino Unido não pode escolher apenas "a cereja" que
lhe convém - a liberdade de circulação de bens - rejeitando as que não
lhe agrada, ou seja, a liberdade de circulação de pessoas e serviços.
Em
troca, a UE propõe que a Irlanda do Norte - província autónoma do Reino
Unido - permaneça no mercado comum e na união aduaneira, evitando-se
assim uma fronteira entre entre a Irlanda do Norte e a República da
Irlanda (Estado membro da UE). Theresa May diz que jamais aceitará tal
opção porque, isso colocaria em causa a integridade territorial do Reino
Unido.
O que May não diz é que tal solução colocaria também em
causa o seu próprio governo, já que os unionistas da Irlanda do Norte,
que garantem aos conservadores uma maioria parlamentar em Westminster,
são fortes opositores da proposta de Bruxelas, dizendo que não querem
ser tratados de forma diferente do resto do país.
E
enquanto Londres e Bruxelas vão trocando galhardetes, mais de três
milhões de cidadãos comunitários residentes no Reino Unido vão
assistindo ao "espetáculo", na primeira fila, impotentes e preocupados.
* Prognósticos são difíceis de fazer, mas pensamos que a Europa de Angela Merkel não cederá a Theresa May.
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