11/09/2018

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HOJE NO 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
"Portugal não tem sinais de erosão do funcionamento da democracia"

O politólogo António Costa Pinto analisa o estudo sobre a democracia, que coloca Portugal no 10.º lugar em todo o mundo. A nossa democracia recomenda-se, apesar de uma participação fraca da sociedade civil

Portugal é a 10.ª melhor democracia do mundo, de acordo com o Relatório da Democracia, agora divulgado. Em causa estão os países onde além de um sistema político democrático existe também uma prática real de respeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos. Apenas Noruega, Suécia, Estónia, Suíça, Dinamarca, Costa Rica, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia estão à frente do país.
Há números menos simpáticos para o país: Portugal baixa para o 11.º lugar nas análises setoriais relativas aos indicadores eleitoral, de liberdades e de igualdade social, e fica no 38.º lugar em termos de participação eleitoral. Apesar de ser o segundo país do mundo em termos de eleições livres e transparentes. O professor universitário António Costa Pinto, investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, analisa no DN os dados conhecidos.

O estudo indica que Portugal está no 10.º lugar no índice global da democracia. É de facto uma democracia que se recomenda?
É uma bela pergunta! Este é um índice baseado sobretudo na perceção de especialistas sobre a qualidade da democracia. Algumas razões que levam Portugal a estar nesses indicadores: em primeiro lugar, o facto da qualidade da democracia ter diminuído globalmente em muitos países, nalguns até mesmo provocando dinâmicas de erosão do funcionamento do estado democrático. O número de regimes que muitos cientistas políticos consideram já "híbridos" - como a Hungria, Polónia, Venezuela - são regimes políticos que há poucos anos eram considerados regimes democráticos.
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Em segundo lugar, as próprias democracias europeias com as quais evidentemente a qualidade da democracia é mais comparada, também têm sofrido dinâmicas de erosão em grande parte provocadas pelo ascenso de partidos populistas, nalguns casos ao poder, como é o caso de Itália, outros condicionando a atividade pública. E vamos ver se vão agora condicionar na Suécia.

Portugal mantém, creio eu, essa posição com base nalguns fatores: o primeiro é a sobrevivência do sistema partidário, sem perceção de ameaça a esse nível; pela estabilidade política; e pelo relacionamento interinstitucional, entre as instituições.

Que no caso da Hungria e da Polónia tem sido posto em causa...
Exatamente. Neste contexto, sim, [a democracia portuguesa recomenda-se]. Também devo salientar que este barómetro da qualidade da democracia não é baseado na opinião que a sociedade tem. Mas esse seria mais complexo. É baseado numa avaliação feita por peritos.

Portugal soube manter esses indicadores em patamares mais consentâneos com as democracias liberais e que noutros países, nomeadamente europeus, esses indicadores sofreram uma erosão?
Foram entrando em erosão. Não é o caso deste governo ou do outro.

Há um indicador que é preocupante, a que chamam o índice da componente de participação. E aí Portugal está no 35.º, com algumas posições muito baixas: por exemplo, na participação da sociedade civil, estamos em 63.º. As instituições são muito mais saudáveis que aquilo que é a nossa sociedade civil?
Não há milagres nestas coisas. A participação é baixa e, como a participação é baixa, os partidos políticos portugueses ainda conseguem no fundamental disciplinar as atitudes eleitorais dos portugueses. 
Portugal ainda não conheceu verdadeiros movimentos de revolta eleitoral, que no geral se cristalizam em aumentos significativos de partidos populistas à direita ou à esquerda. Ora, no caso português, esses não têm acontecido em grande parte por causa desse binómio curioso entre uma alta abstenção e uma canalização eleitoral dos partidos.

Na participação eleitoral, estamos em 11.º, não estamos tão mal. No relatório distingue-se de participação eleitoral e a participação cívica para lá do sistema partidário.
Nos indicadores de participação cívica, os portugueses têm uma sociedade civil fraca. Quando olhamos para os indicadores de participação associativa, é relativamente fraca, quer em partidos políticos, quer associações de defesas de interesses, quer em sindicatos, etc. 
Este é um ponto complexo: os indicadores de qualidade de democracia apontam sobretudo para a relativa transparência das instituições. E aqui Portugal não está mal. Se falássemos sobre a perceção da sociedade, se os portugueses acham que, por exemplo (e só para dar um exemplo), o sistema de justiça é igual para todos, outro galo cantaria.
 O exemplo da justiça é um elemento importante da qualidade do funcionamento do sistema democrático, que é o acesso da cidadania à justiça. Vale sempre a pena pensar como é que eles classificam.

Outro indicador muito interessante, e no qual estamos em segundo lugar, é o de eleições transparentes e livres. Isto não choca com a perceção de que por vezes há votações onde o escrutínio das atas e da contabilidade dos votos era mais débil e frágil que aquilo que os resultados transpareciam?
Não. Acho esse indicador muito interessante. Não há dúvida nenhuma que as eleições em Portugal são verdadeiramente livres, justas e transparentes. Muito embora, por exemplo, nas eleições diretas para os partidos, persistam muitos sindicatos de voto, inclusivamente com voto comprado, no fundamental, quer sob ponto de vista do acesso aos meios de comunicação social, quer sob ponto de vista de todos os procedimentos eleitorais, praticamente não temos conhecido protestos que apontem para vícios eleitorais.

Ao fim de mais de 40 anos temos uma democracia madura neste capítulo.
Temos inegavelmente uma democracia madura. Muitos destes indicadores também remetem para um efeito secundário, chamemos assim, que aponta para um sistema político democrático que tem uma dose muito significativa de controlo pelas elites, pelas elites políticas, etc. Veja também um exemplo na autonomia interinstitucional: quase todos os estudos sobre o Tribunal Constitucional apontam para que, independentemente da nomeação partidária, os juízes tenham uma enorme independência do partido que os elegeu. O exemplo mais clássico foi durante a austeridade: Portugal teve durante a crise um dos mais ativos tribunais constitucionais, apontando a inconstitucionalidade de certas normas. O que é um exemplo muito interessante de qualidade de funcionamento do sistema democrático.

Há pouco referiu que este estudo é a perceção de um grupo de especialistas e que outro galo cantaria se fosse a perceção do cidadão comum. É uma dissonância entre uma elite e os restantes cidadãos?
É uma dissonância elite/massas. Como é evidente, em sistemas democráticos de grande participação, muitas vezes os sentimentos antipartidos são muito fortes. Há democracias, como a americana, em que esse sentimento é muito forte e a participação política é muito baixa. Mas a qualidade da democracia americana está sobretudo na relação entre as instituições políticas.
Talvez o ponto mais interessante desta diferença seja os sistemas políticos democráticos que coexistem com forte sentimento antidemocrático. Há democracias em que uma parte da sociedade tem valores autoritários.

Podemos concluir que "a democracia é o pior de todos os sistemas com exceção de todos os outros", como disse Churchill.
Exatamente. E convém também salientar que estes indicadores apontam muito para o funcionamento das instituições e para a existência de poucos entorses dessas instituições.

Os países nos dez primeiros lugares são sobretudo países com uma dimensão pequena em termos de população...
O mais interessante nesses nossos companheiros [de ranking], é que a grande maioria deles são velhas democracias. A Costa Rica é praticamente a única democracia sobrevivente na América Central. Não é o caso do país báltico, a Estónia, que já é da terceira vaga das democratizações, como nós. Creio que este nosso lugar se deve sobretudo ao facto de Portugal não ter sinais de erosão do funcionamento do sistema político democrático, através da explosão de valores autoritários, de crises políticas muito significativas. O que sem dúvida é um facto - até na crise. Portugal tem um dark side, que quase todos os nossos estudos apontam: uma sociedade civil relativamente fraca, um ativismo social também relativamente fraco.

* Somos democratas....


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