23/08/2018

MARISA MATIAS

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Dezasseis

Dezasseis mulheres perderam a vida no primeiro semestre deste ano, a maioria delas assassinadas pelos maridos ou companheiros, 15 em casa. Em todos os casos, familiares ou amigos tinham conhecimento de que estas mulheres eram vítimas de violência doméstica, mas apenas duas tinham apresentado queixa às autoridades.

Só no distrito de Lisboa, o Ministério Público recebeu quase 2700 queixas nos primeiros três meses do ano. A violência doméstica volta a aumentar em Portugal. Ciúme, exercício de poder, recusa da separação, são as causas que continuam a matar e a deixar morrer as mulheres em Portugal.

O diagnóstico está feito há muito tempo e a violência doméstica é imune a condição económica, local de residência, idade, credo, orientação sexual ou profissão. O que têm em comum as vítimas de violência doméstica é quase sempre o silêncio, o medo de partilhar, a vergonha social. Isso mostra o quanto ainda há para fazer.

A violência doméstica é crime público há vários anos e, mais recentemente, também a violência no namoro, mas as práticas sociais parecem não estar a acompanhar essas mudanças legais ao ritmo desejado. O medo e a vergonha são ainda regra e há mitos que teimam em não abandoná-los. Quantas vezes não ouvimos dizer, mesmo das pessoas que menos esperaríamos, que "foi só porque ele bebeu de mais", ou que "ela gosta de provocar" ou ainda que "é só uma fase e já passa". Quantas vezes já ouvi eu, em visitas a escolas, jovens contarem histórias que se passaram "com amigas" e sobre as quais pedem opinião...

É nossa obrigação coletiva não deixar normalizar o crime, é nossa responsabilidade coletiva, e em particular de quem exerce cargos públicos, perceber que é urgente colmatar a distância entre a lei e a prática. A educação para a igualdade, a vigilância sobre os conteúdos, a formação contínua de profissionais, os recursos necessários, o apoio a quem apoia as vítimas, são apenas alguns dos exemplos do que é preciso fazer ou continuar a fazer. Há pouco mais de um mês, na Nova Zelândia foi aprovada uma lei pioneira que permite uma licença remunerada de dez dias para todas as pessoas vítimas de maus-tratos, permitindo que deixem quem agrediu e se protejam a si e aos seus filhos, se os houver. Se não fizermos mais e melhor, continuarão a morrer-nos mulheres, vítimas de agressores mas também da nossa passividade.

Desde 2004, foram já 491 as mulheres assassinadas em Portugal. É certo que a violência doméstica não afeta só mulheres, afeta também homens, crianças e cada vez mais idosos, independentemente do sexo. Mas é igualmente certo que quando parecia que o assassinato de mulheres estava a entrar numa curva descendente os números voltaram a aumentar. Números com rostos, idades, vidas e sonhos destruídos.

Na semana em que nos deixou Aretha Franklin é inevitável relembrar a canção que foi um hino para o movimento de libertação das mulheres, Respect, e os versos que marcaram várias gerações: "Tudo que eu quero / É um pouco de respeito quando chegas casa." Temos de recuperar esse grito.

Eurodeputada do BE

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
19/08/18

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