15/08/2018

HELENA MATOS

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Só pode ser mentira

A fazer fé no DN o general Rovisco Duarte puniu referências à memória de Vitor Ribeiro, um dos homens do 25 de Novembro e, não menos importante, do 26. O dia que podia ter sido trágico para as FA.

O Verão corre entre a linguagem pícara do primeiro-ministro e a errância com contornos de tragicomédia do Presidente da República. Confesso que face àquele palavreado do “podem tirar o cavalinho da chuva” proferido por António Costa a propósito da eventual remodelação da pasta da Saúde e das suas alusões à gema e à clara de ovo para explicar a linha política do seu Governo, a par do “Está nas mãos de Deus essa decisão” de Marcelo sobre uma sua recandidatura presidencial, tinha pensado virar-me para Espanha. Mais propriamente às consequências para Portugal (e para Espanha) da estratégia de desgaste da monarquia espanhola levada a cabo pelos independentistas (e não só): deslegitimar Felipe VI, apresentando-o como o herdeiro do herdeiro de Franco é o passo seguinte desse cerco. Afinal tal assunto sempre permitia pensar noutra língua, o que face ao falejar presente dos nossos governantes sempre é um balsamo para os nossos ouvidos. Ou pelo menos para os meus.


Não quero acreditar que isto seja verdade. E “isto” é isto a fazer fé na notícia do DN que só pode ser falsa: o general Rovisco Duarte – sim o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) que não consegue explicar o que aconteceu no paiol de Tancos – impede referências à memória de Victor Ribeiro.

Como é óbvio não consigo acreditar que isto seja verdade. Espero que exista uma explicação plausível para o facto de o CEME não ter acompanhado o Presidente quando este foi condecorar Victor Ribeiro. E desejo veementemente que alguém sussurre que o afastamento de Pipa Amorim do lugar de comandante do Regimento de Comandos nada teve a ver com o facto de Pipa Amorim ter lembrado Victor Ribeiro numa cerimónia que teve lugar alguns dias após a morte deste militar.

Porque uma coisa é o general Rovisco Duarte enquanto CEME ter gerido desastrosamente o roubo das armas em Tancos outra é ficar para a História como o CEME que não quis que fosse homenageado um dos militares que contribuiu não só para que a 25 de Novembro de 1975 a democracia vencesse em Portugal mas também para que as Forças Armadas Portuguesas não tenham de assinalar o dia 26 de Novembro como uma data trágica.

Para perceber melhor o que Portugal deve a homens como o comando Vítor Ribeiro temos de recuar a esse dia 25 de Novembro de 1975 e a essas cinco horas que mediaram entre as quatro e meia da tarde, quando o então Presidente da República decretou o estado de sítio e deu autorização para que o Grupo Militar liderado por Eanes avançasse, e as 21 horas, altura em que, na RTP, Duran Clemente e os seus anúncios da revolução socialista foram substituídos pelo cómico Danny Kay.

Ou seja nessas cinco horas a esquerda revolucionária foi derrotada numa operação militar que dependeu em muito dos comandos liderados por Jaime Neves e que só foi possível porque durante meses homens como o comando Vítor Ribeiro estabeleceram contactos e montaram aquela operação.

Mas as razões por que um CEME, seja em que tempo for, deverá sempre preservar a memória das tropas comando e de quem as liderou em 1975, aconteceu depois, naqueles perigosos momentos em que já se sabia que havia um vencedor mas alguns ainda não se davam por derrotados.

Recuemos mais uma vez a esse dia 25 de Novembro: ainda não era meia noite e o PCP mandava recuar os seus militantes. Horas depois Melo Antunes, que na véspera terá reunido com Álvaro Cunhal para obter dele a garantia de que os comunistas recuariam em troca da não perseguição ao PCP pelos afectos ao Grupo Militar/Eanes, declara que o Partido Comunista é indispensável à democracia.

Na rua ficava a extrema-esquerda. O desespero e a solidão são maus conselheiros.  Em Lisboa aos radicais só restam os quartéis de Cavalaria 7 e da Polícia Militar na Calçada de Ajuda. Durante a noite, com manifesta falta de prática, tentam cavar barricadas. Mas o amanhecer traz o inevitável.

Eram 8h da manhã do dia 26 de Novembro quando Jaime Neves à frente dos comandos (e entre eles estava Vítor Ribeiro) começa a subir a Calçada da Ajuda.

O resto, senhor general, sabe o que foi, não sabe? Quando os comandos esperavam que a Polícia Militar se rendesse foram atacados. Dir-se-á mais tarde que foram disparos de civis, a quem tinham chegado as tais armas que Otelo dizia em boas mãos. Mas no quartel da PM muitos militares vestiam à civil e os civis vestiam à militar!

Dois comandos, o tenente Coimbra e o furriel Pires, caem mortos. E é então que Jaime Neves e homens como Vítor Ribeiro mostram porque lhes deve ser prestada homenagem pois portaram-se como militares e não como uma milícia de tropa falperra: o portão da Polícia Militar foi forçado com um chaimite, os comandos treparam pelos muros do quartel e tomaram conta da situação. Não há tiroteios nem retaliações. Há mais um morto, o aspirante da PM José Bagagem, morto por estilhaços de granada. Jaime Neves, o tal de que Vítor Ribeiro cometeu o pecado de ser próximo, controla os seus homens. Não é preciso ser general nem sequer ter ido à tropa para perceber que se os comandos tivessem disparado e morto meia dúzia de militares da PM  naquele dia 26 de Novembro ninguém lhes ia pedir responsabilidades, pois não?

Mas não foi isso que aconteceu e ainda não tinha chegado ao fim o dia 26 de Novembro e já os soldados da PM deixam o quartel e vão para casa. De licença. Mais estranho, senhor general, foi o que se encontrou dentro do quartel da PM: civis detidos, alguns deles menores de 16 anos, ali mantidos sem qualquer mandato, espancados, humilhados… É melhor ficarmos por aqui, não é? O texto já vai longo. Não referi nada que o senhor general desconheça. Espero apenas que a culpa, mais uma vez, seja do jornalista, que certamente inventou tudo aquilo, pois não é possível que um CEME persiga alguém que, como Vítor Ribeiro, tanto contribuiu para o prestígio das Forças Armadas. E para a liberdade em Portugal.

IN "OBSERVADOR"
12/08718

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