.
IN "DINHEIRO VIVO"
31/07/18
.
Quem tramou o Facebook
É uma ameaça existencial no longo prazo, apesar de hoje parecer impossível que um mamute deste tamanho venha a dar com as presas no chão
Três milhões de europeus apagaram as suas
contas no Facebook e um milhão de americanos fizeram o mesmo durante os
últimos três meses. Fosse pelo escândalo de privacidade, fosse pelo
cansaço com a tormenta dos memes e do apelo à indignação constante,
estes utilizadores fizeram o que muita gente tem vontade de fazer mas
acaba por ir deixando andar. Quantas vezes ponderou apagar a conta e
livrar-se das chatices que arranja no Facebook? Até quando vai arrastar
isso?
A crise da rede social, que já fez correr tanta tinta, não vai desaparecer com um par de actos de contrição do CEO e a suspensão de algumas contas problemáticas. É uma ameaça existencial no longo prazo, apesar de hoje parecer impossível que um mamute deste tamanho venha a dar com as presas no chão.
A crise da rede social, que já fez correr tanta tinta, não vai desaparecer com um par de actos de contrição do CEO e a suspensão de algumas contas problemáticas. É uma ameaça existencial no longo prazo, apesar de hoje parecer impossível que um mamute deste tamanho venha a dar com as presas no chão.
Pouco depois de conhecido o caso da
Cambridge Analytica, a Thomson Reuters fez uma sondagem nos Estados
Unidos para perceber até que ponto os utilizadores tinham mudado a sua
forma de ver a rede social. Na altura, 1% já tinha apagado a sua conta e
18% admitiu estar a usar menos o Facebook, entre os quais 47% por causa
de receios de privacidade.
Foram números que não assustaram muita gente. Aliás, a apresentação de resultados do primeiro trimestre gerou suspiros de alívio no mercado, porque o desempenho da empresa até foi melhor que o esperado. O pior, como descobrimos na semana passada, estava para vir.
Não é só a descoberta de que o Facebook piora a saúde mental dos utilizadores quando o consumo é passivo e obsessivo. Nem que a empresa partilhou dados confidenciais de forma descarada com programadores terceiros de quem nunca ouvimos falar. Que monitoriza a actividade dos utilizadores mesmo quando estes saem da rede social. Que se deixou seduzir pelo dinheiro russo e não vetou a compra de anúncios políticos encharcados em falsidades nas eleições de 2016.
É tudo isto e a sensação de que não lhe podemos escapar, tal como um vício pernicioso. O ex-alcóolico que sabe que não pode tocar numa gota de álcool para não descambar. O ex-fumador que não pode fumar um cigarro de vez em quando, sob pena de regressar à adicção a toda a brida. O Facebook é assim, difícil de usar com parcimónia: ou uma pessoa se embrenha num buraco sem fundo de vídeos e comentários escabrosos nas publicações de amigos, ou tem de suspender a conta para resistir à tentação. O meio termo existe, mas é raro; aquela pessoa que lê uma mensagem passados três dias porque “não costuma ir ao Facebook” está longe da norma.
Todos estes factores que agora ameaçam o crescimento do Facebook não existem por acidente, foram feitos à medida. Mark Zuckerberg fez tudo o que estava ao seu alcance para tornar a plataforma omnipresente, indispensável, metida em todos os cantos da vida de uma pessoa. Ao mesmo tempo, optou por não tomar as medidas necessárias para garantir a sua integridade, e é isso que está agora a rebentar na sua cara.
No entanto, a culpa não é só dele. Este mercado financeiro que comanda o mundo tem uma obsessão perigosa com o crescimento exponencial a cada três meses, saindo a correr e aos gritos de cada vez que isso não acontece. O desempenho do Facebook no trimestre foi bom, mas o mercado queria mais – por isso levou um tombo histórico em bolsa, perdendo um valor recorde de 150 mil milhões de dólares numa única sessão. As ações continuam a descer porque os investidores continuam cépticos, depois de Zuckerberg e companhia terem avisado que crescimento e receitas irão abrandar nos próximos tempos.
É uma fase dolorosa. Eles sabem que têm de dar vários passos atrás se quiserem continuar a ter caminho. Investir em segurança, deixar de ganhar dinheiro com toda e qualquer informação dos utilizadores, dar maior controlo às pessoas e menor aos anunciantes e empresas.
Não é que monetizar uma plataforma grátis seja mau: afinal, ninguém anda aqui a trabalhar para aquecer. Mas a voracidade com que os mercados exigem mais e melhores resultados todos os trimestres quase nunca é compatível com negócios que respeitam a integridade dos dados pessoais e o benefício dos utilizadores. Isso é tanto mais importante quanto se fala de algo que mexe com o tecido social de uma forma tão decisiva; não estamos aqui a vender fidget spinners nem gelados de maionese. Zuckerberg parece só agora ter entendido essa responsabilidade, apesar dos seus investidores ainda não terem chegado lá.
Foram números que não assustaram muita gente. Aliás, a apresentação de resultados do primeiro trimestre gerou suspiros de alívio no mercado, porque o desempenho da empresa até foi melhor que o esperado. O pior, como descobrimos na semana passada, estava para vir.
Não é só a descoberta de que o Facebook piora a saúde mental dos utilizadores quando o consumo é passivo e obsessivo. Nem que a empresa partilhou dados confidenciais de forma descarada com programadores terceiros de quem nunca ouvimos falar. Que monitoriza a actividade dos utilizadores mesmo quando estes saem da rede social. Que se deixou seduzir pelo dinheiro russo e não vetou a compra de anúncios políticos encharcados em falsidades nas eleições de 2016.
É tudo isto e a sensação de que não lhe podemos escapar, tal como um vício pernicioso. O ex-alcóolico que sabe que não pode tocar numa gota de álcool para não descambar. O ex-fumador que não pode fumar um cigarro de vez em quando, sob pena de regressar à adicção a toda a brida. O Facebook é assim, difícil de usar com parcimónia: ou uma pessoa se embrenha num buraco sem fundo de vídeos e comentários escabrosos nas publicações de amigos, ou tem de suspender a conta para resistir à tentação. O meio termo existe, mas é raro; aquela pessoa que lê uma mensagem passados três dias porque “não costuma ir ao Facebook” está longe da norma.
Todos estes factores que agora ameaçam o crescimento do Facebook não existem por acidente, foram feitos à medida. Mark Zuckerberg fez tudo o que estava ao seu alcance para tornar a plataforma omnipresente, indispensável, metida em todos os cantos da vida de uma pessoa. Ao mesmo tempo, optou por não tomar as medidas necessárias para garantir a sua integridade, e é isso que está agora a rebentar na sua cara.
No entanto, a culpa não é só dele. Este mercado financeiro que comanda o mundo tem uma obsessão perigosa com o crescimento exponencial a cada três meses, saindo a correr e aos gritos de cada vez que isso não acontece. O desempenho do Facebook no trimestre foi bom, mas o mercado queria mais – por isso levou um tombo histórico em bolsa, perdendo um valor recorde de 150 mil milhões de dólares numa única sessão. As ações continuam a descer porque os investidores continuam cépticos, depois de Zuckerberg e companhia terem avisado que crescimento e receitas irão abrandar nos próximos tempos.
É uma fase dolorosa. Eles sabem que têm de dar vários passos atrás se quiserem continuar a ter caminho. Investir em segurança, deixar de ganhar dinheiro com toda e qualquer informação dos utilizadores, dar maior controlo às pessoas e menor aos anunciantes e empresas.
Não é que monetizar uma plataforma grátis seja mau: afinal, ninguém anda aqui a trabalhar para aquecer. Mas a voracidade com que os mercados exigem mais e melhores resultados todos os trimestres quase nunca é compatível com negócios que respeitam a integridade dos dados pessoais e o benefício dos utilizadores. Isso é tanto mais importante quanto se fala de algo que mexe com o tecido social de uma forma tão decisiva; não estamos aqui a vender fidget spinners nem gelados de maionese. Zuckerberg parece só agora ter entendido essa responsabilidade, apesar dos seus investidores ainda não terem chegado lá.
IN "DINHEIRO VIVO"
31/07/18
.
Sem comentários:
Enviar um comentário