05/07/2018

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HOJE NO 
"i"
Memórias de quem viveu
.a redação do "DN"

Veja os testemunhos de jornalistas do "i" que passaram pelo Diário de Notícias

Ana Sá Lopes
O feng shui da Av. da Liberdade
Na minha infância-adolescência sempre houve um matutino e um vespertino. E o matutino era o “Diário de Notícias”, a sul, e o “Jornal de Notícias” nas férias de Natal, Páscoa e grandes, a norte. Fazia-se fila para ler o jornal. Mesmo quem não tinha ainda idade para compreender o “artigo de fundo” estava na bicha. Uma das imagens nítidas que tenho era a minha avó Teresa a fazer uma interrupção diária das suas tarefas para ler o jornal. Era o seu momento de tranquilidade, sempre a seguir ao almoço, em cima da mesa da sala - o sítio mais confortável para ler um diário no tempo em que os jornais eram enormes.
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Muitos anos mais tarde, também eu acabei por ir trabalhar para o “Diário de Notícias”, ainda no tempo em que funcionava no edifício carregado de história e deslumbramento arquitetónico da Avenida da Liberdade. Revi amigos e fiz novos amigos naquela redação onde, confesso, tive um choque no primeiro embate: habituada à jovialidade da redação do “Público”, entrar numa instituição tão formal fez-me alguma confusão. O “ar” da casa era esse - a história centenária estava cravada em cada centímetro de parede e isso transferia-se, numa espécie de feng shui adaptado, para o resto.

Conheci pessoas fantásticas, amigos para a vida, espírito de entre-ajuda. Mas também o reverso. A vida em qualquer lado é assim: genericamente, é-se feliz e infeliz em doses equilibradas. Com sorte. Diverti-me, exasperei-me, o costume. Qualquer jornal é um empresa complexa e o DN era-o necessariamente.

A saída do DN das bancas estava a ser preparada há muito tempo, mas esta semana foi estranho já não o folhear diariamente em papel. O “Independent” do Reino Unido migrou para o online em 2016. O mundo dos média está a mudar - para o bem da democracia precisamos todos de muita sorte, que só se consegue com muitos leitores compradores.

António Rodrigues
A vida segue digital
Tendo nele passado menos de um quarto da minha vida jornalística, é estranho que continue a ter com o DN relação tão estreita. Até porque, sendo o primeiro jornal onde trabalhei depois da faculdade, as minhas andanças jornalísticas haviam começado anos antes numa rádio pirata e depois num jornal para emigrantes chamado “Lusitano”. E se é certo que no DN aprendi muito - principalmente com o meu primeiro editor e eterno amigo Albano Matos, homem sábio, de voz grave, prosa cheia e humor culto (“e se fôssemos ali a Sevilha comprar livros?”) -, seria depois “A Capital” a dar-me velocidade, flexibilidade e capacidade de trabalho, ferramentas fundamentais para a escrita num diário. Mas a relação com o DN é dérmica, inexplicável - mais ainda porque, sendo eu leitor compulsivo de jornais desde a adolescência, não lhe tinha dedicado tempo suficiente, enleado pelas publicações jovens da altura como “O Independente” e o “Público” e pouco inclinado para o grafismo envelhecido e o peso da sua vetusta história. E o jornal nem merecia o alheamento, porque lá dentro havia sapiência e boa prosa, embora, muitas vezes, o excesso de seriedade o atirasse para o canto dos velhos. Havia também, da segunda vez que passei pela redação (pelo meio também fui correspondente do diário na Argentina), um diretor adjunto dinâmico (António Ribeiro Ferreira, atualmente chefe de redação do i) que me permitiu durante algum tempo fazer jornalismo internacional longe da secretária, no terreno. O desaparecimento físico do diário e a sua transformação em digital, com domingueiras veleidades em papel, é consequência dos tempos e resposta para o futuro. O papel acaba, o “Diário de Notícias” segue eletrónico, para bem do jornalismo e das minhas memórias.

Carlos Diogo Santos
O “cinzentão” com cheiro a tinta
Abrir as portas do 2.º andar do edifício da Avenida da Liberdade era ainda mergulhar numa redação do antigamente. Sem cor. Há dez anos, quando os LCD já iam substituindo os plasmas pelo país fora, as paredes daquele open space ainda carregavam autênticos monos. E no meio de mesas e armários de ferro cinzentos, apenas os estofos de algumas cadeiras - azuis - lhe traziam cor. As ventoinhas eram cinzentas, os arquivadores prateados e os papéis não tinham sítio. Foi apenas há dez anos, mas era comum ouvir falar das memórias da máquina de escrever - o tema acabava por surgir mais que não fosse pela forma como alguns jornalistas tratavam o teclado. Muitos desses e dos das gerações mais novas faziam as suas pausas nos vários patamares das escadas das traseiras onde, além de beberem o café das máquinas, se inclinavam nas janelas para fumar. No meio da agitação diária das notícias, das queixas dos desanimados e dos gritos dos que todos os dias perdiam a paciência, o “Diário de Notícias” era um poço de formalidades. E ainda é, quando comparado com muitos outros. Mas as marcas do passado que tanto demoraram a apagar-se esbateram-se com o jornalismo dos novos tempos. Aquele imediato, o da internet, que a nova direção do DN diz ser a aposta. O DN cinzento mas genuíno já não o era nos últimos tempos da Avenida da Liberdade e muito menos ficou desde que chegou às novas instalações, em Benfica. Cheias de cor. A cada mudança de instalações, este DN parece querer adaptar-se à realidade (a saída do Bairro Alto para a Avenida da Liberdade não passou disso), e compreende-se, uma vez que nos últimos anos o seu papel, com aquele cabeçalho de letra Gothic, não conseguiu afirmar-se (infelizmente, como aconteceu com muitos outros). Espero que o caminho agora iniciado traga um futuro risonho, mas não esqueço que o “meu” DN será sempre aquele outro que tinha cheiro a tinta todos os dias.

Davide Pinheiro
Memórias de um futuro
Quando o meu avô e (segundo) pai por comoção voltava da Marinha, encontrava-se com os amigos no Café Central. Todas as cidades, vilas e aldeias têm um Café Central. E comprava o “Diário de Notícias”. Aquele pedaço de papel era um portal de acesso ao mundo. E para a minha avó devorar artigos de opinião. Do Café Central. A tinta sujava, as letras eram pequenas e a drive A: do computador Schneider pedia por disquetes como um depósito argumenta por gasolina, mas se não fossem esses anoiteceres pós-leituras para o meu avô Alexandrino, e pós-estudos e Itália 90 para mim, enquanto a minha mãe desesperava no trânsito da 25 de Abril, este instante não teria cabimento. O “Diário de Notícias” apresentou-me aos jornais, antes dos desportivos e do “Blitz”, e os jornais deram-me mundo. Antes da internet. E da primeira viagem a Londres, em 1996. Quando entrei pela primeira vez na redação, para conhecer as instalações e as pessoas antes de o estágio começar, senti-me como o miúdo que vai todos os domingos ver o Benfica à Luz atrás da baliza e um dia sobe à equipa principal. Como qualquer rapaz que um dia sonha ver o nome impresso nas páginas de um jornal, há um tempo inicial de fascínio. E um acordar para a realidade, que, como em qualquer equipa, o balneário tem problemas. Em 2005, as dúvidas ainda eram só sobre o “Diário de Notícias”. O jornalismo como o conhecíamos não era questionado. E para a redação, a internet era um exotismo inconsequente. Não era uma ameaça, nem um possível aliado. Só um monstro de abate fácil que haveria de cair de morte natural. Para um rapaz sedento de conquistar o seu espaço com novas ideias - foi através do DN que soube o que era um blogue -, a fantasia era muito melhor que o real. E a memória desse futuro também.

* O "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" foi o "jornal", desejamos que seja uma saudável memória.

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