28/04/2018

RUI PATRÍCIO

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Sai uma colonoscopia, sff

Transmitir estes atos processuais filmados – independentemente das questões legais, deontológicas ou outras – é, em minha opinião, indecoroso (e até um pouco desumano).

Televisão é coisa que vejo pouco. No tempo livre prefiro ler, conversar, ouvir música ou estar em sossego (esse, bem em extinção), e quando ligo o aparelho quase sempre é para ver um filme ou uma série naqueles canais onde é só escolher. Mas vou acompanhando o que se passa, não só porque leio jornais e revistas, mas também porque recebo clippings por obrigação profissional. É tema na ordem do dia a repetida transmissão em mais do que um canal das filmagens de interrogatórios. Já se opinou e discutiu muito, já se disse de tudo – embora a coisa (nesta versão ou em variantes) não seja nova nem original, mas foi agora “o despertar”. Embora o tema esteja quase gasto, gostaria de deixar uma palavrinha sobre ele, até porque, à semelhança de outros que se estranharam e depois entranharam, este fenómeno talvez tenha vindo para ficar.

O que quero dizer não é sobre saber se é crime ou não, até porque a resposta, na teoria, não é muito difícil (na prática, depende). Também não é sobre saber se se trata de um produto que sai barato e vende bem, um big brother de graça, até porque isso é óbvio e negá-lo é cantiga de embalar crianças.

Também não é sobre a questão de saber se interessa a divulgação para alguns propósitos que habitam o sistema de justiça (sejam os da técnica do “lume brando” ou os da “vitimização”), pois isso é evidente, como evidente é a hipocrisia de tantos, incluindo os que torcem o nariz à transmissão mas apreciam ver e comentar. 

Também não vou sublinhar os efeitos quanto à presunção de culpa, fora e dentro dos tribunais (sim, dentro também, não sejamos infantis). Nem o efeito que tem para o futuro, levando a que diminua a espontaneidade do interrogatório e, sobretudo, colocando-o cada vez mais afastado daquele que é o seu propósito, que é a defesa do interrogado. Os arautos do serviço público (não os arautos da justiça popular e da popularucha, por incapacidade congénita) deviam refletir muito bem sobre tudo isto.

A coisinha que eu quero aqui dizer é simples, mas acho que é importante, até talvez mais do que o referido acima. É que transmitir estes atos processuais filmados – independentemente das questões legais, deontológicas ou outras – é, em minha opinião, indecoroso (e até um pouco desumano). A questão não é saber se os processos em causa e os temas neles tratados têm ou não interesse público, porque é claro que têm. O tema é saber até onde se pode ir para servir essa ideia de interesse público.

Mal comparado – mas serve bem para o que aqui quero exprimir –, é como se o interesse público em saber se uma pessoa publicamente relevante está doente ou não justificasse transmitir a realização dos seus exames médicos, por exemplo, uma colonoscopia. O que vos parece? Gostariam de ver, achariam bem? E se fosse a vossa colonoscopia? É chocante ou exagerada a comparação? Talvez, mas não é só a comparação que é porventura chocante ou exagerada. Paremos um pouco para pensar bem acerca do estádio onde já estamos e para onde ainda podemos ir.

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27/04718

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