29/04/2018

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HOJE NA 
"SÁBADO"
"Actualmente os bombeiros 
não cumprem os requisitos"

Os últimos 15 anos, depois dos incêndios de 2003, foram uma oportunidade perdida, diz Joaquim Sande Silva, especialista em Ecologia do Fogo e membro da comissão técnica (CT) nomeada pelo parlamento para redigir os relatórios sobre os incêndios de 2017 (112 mortos). O documento sobre os eventos de Outubro foi apresentado na terça-feira, 20 de Março.

Ficou surpreendido com o que não se fez nos quatro meses a seguir à tragédia de Pedrógão?
Houve muito pouco tempo para fazer as mudanças estruturais. Não estaria à espera que, num curto espaço de tempo, houvesse a possibilidade de alterar a capacidade de mobilização de meios. O que aconteceu em Outubro não foi por falta de meios ou da flexibilização na estrutura de combate. Houve falta de sistemas de alerta às pessoas.

As conclusões sobre os motivos da tragédia de Outubro são semelhantes às de Pedrógão?
Há uma série de coisas em comum. Uma foi o carácter extraordinário das condições meteorológicas. Foram situações que não são usuais e deram origem a comportamentos do fogo também fora do comum. No incêndio de Outubro morreram menos pessoas, mas, ao nível de infra-estruturas e de área queimada, foi um evento bastante mais destruidor.

Nos dias anteriores, falava-se na possibilidade de chuva. As pessoas fizeram queimadas por isso.
Houve mais queimadas do que deveria haver, mas a proporção relativamente ao universo de causas não foi tão superior como esperávamos. 
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Daqui decorrem ensinamentos: nos serviços responsáveis pela transmissão deste tipo de informação, não se deve dar azo a que as pessoas tomem como garantido que têm condições para fazer queimadas. Tendo em conta a extrema secura dos combustíveis a 15 de Outubro, bastava haver um pequeno erro nas previsões - como aconteceu - para que as condições de propagação do fogo fossem as que foram.

Desde Junho, não se aprendeu a comunicar de modo célere?
Não, não houve mudanças significativas entre Junho e Outubro. E há muito a fazer. Tivemos agora um exemplo, se calhar pela negativa, mas que em termos de comunicação parece ter funcionado: o alerta para a limpeza das faixas junto às infra-estruturas chegou a toda a gente. No caso dos incêndios, trata-se de comunicações em cima da hora, com SMS, redes sociais, rádio, televisão. Em Outubro, houve uma desvalorização. O grande enfoque foi dado à passagem do furacão Ofélia pelos Açores, quando nos Açores não aconteceu absolutamente nada.

E isso deve-se a quê? No relatório de Pedrógão, a CT fazia referência à necessidade de maior profissionalização versus as nomeações políticas na Protecção Civil.
Sim, é isso que tem acontecido. Mas é só uma parte do problema. O sistema tem colocado sob a alçada das mesmas entidades os incêndios urbanos (com características e abordagem diferentes) e os florestais.

Tiago Oliveira, que preside à Unidade de Missão, diz que é necessária maior profissionalização, nomeadamente com técnicos para avaliar o comportamento do fogo, que não existiam.
Não existia e vai demorar bastante tempo a existir. Técnicos com este conhecimento demoram tempo a formar-se. A Catalunha, que é apenas uma região espanhola, tem no seu serviço 50 analistas de fogo. Cinquenta. É um completo paradoxo: somos o país da Europa com as piores estatísticas em termos de incêndios florestais e o que está mais mal preparado em termos técnicos. Parámos ou retrocedemos desde 2003, quando 2003 e 2005 deveriam ter sido o ponto de arranque de um processo de formação e criação de um corpo técnico capaz de fazer esta análise.

O que falhou nestes 15 anos foi a falta de vontade política?
Houve um plano nacional de defesa da floresta contra incêndios produzido entre 2004 e 2005 e que o governo que tomou posse a seguir, o de José Sócrates, reanalisou e apenas foi retido o que causava menos inconvenientes políticos.

Quais foram as principais causas dos incêndios de Outubro?
É bom separar em três tipos de factores. Sem haver uma ignição inicial (um fósforo, um isqueiro) não existe início de incêndio. Depois, os factores relacionados com a propagação do fogo: se não houver combustíveis com características que facilitem a propagação do fogo, ele também não se propaga. E depois os factores relacionados com o combate. Os bombeiros são o último elo da cadeia. No que toca a ignições, não vimos um tipo de causas (nomeadamente as queimadas) que fosse mais elevado do que o normal. Talvez o que tenha escapado à normalidade tenha sido a quantidade de reacendimentos, que tem a ver com o combate. É porque alguma coisa falhou.

Aí, a profissionalização dos bombeiros talvez fosse essencial?
Nem é falta de conhecimento técnico. São coisas tão básicas como optarem por uma mangueira ou ferramenta manual. Nos bombeiros voluntários nunca se assumiu que também lhes cabe fazerem o trabalho com ferramentas manuais. Faz toda a diferença despejar água sobre um tronco que está a arder e ir embora e daí a um bocado está a arder novamente ou fazer um trabalho mais cuidado com enxadas.

O MAI, Eduardo Cabrita, tem repetido que os bombeiros são o centro da estrutura de protecção civil. Está a dizer que se trata a necessidade de maior profissionalização com luvas de pelica?
Sim, mas isso tem sido uma constante ao longos dos anos. Os bombeiros em Portugal são uma espécie de vaca sagrada. E em vez de se fazer uma análise bem objectiva das fragilidades e virtualidades, optam por não afrontar. Quem faz combate a incêndios florestais deve ter competências técnicas, deve ser avaliado, sejam bombeiros ou outra estrutura. Actualmente, os bombeiros não cumprem os requisitos. Tenho duvidas que seja através da estrutura de bombeiros que existem que vamos encontrar a solução para os incêndios florestais.

Como avalia as mudanças anunciadas e efectivadas? Estamos a entrar finalmente nos carris?
Sinceramente acho que não. Sou conhecido por ser um pouco pessimista. Não me parece que se vá conseguir mudar grande coisa nem ao nível do combate, nem da prevenção estrutural. Queria deixar claro que esta histeria nacional à volta da limpeza junto das infra-estruturas - ao contrário do que disse o Ministro da Agricultura, que seria a maior limpeza dos últimos 800 anos... - eu classificá-la-ia como um dos maiores disparates dos últimos 800 anos. A legislação como existe está errada, não tem fundamentação científica nenhuma. Há pessoas a deitarem floresta abaixo e agravando o problema porque depois vamos ter combustíveis com piores características.

* No rescaldo dos incêndios de 2017 nós, que não somos especialistas, afirmámos nesta páginas que a prevenção tem de ser  planeada e estruturada, que é imprescindível a profissionalização do maior  número de bombeiros voluntários possível e o fim  dos negócios manhosos à volta do fogo. Tudo isto é possível  se houver política em vez de  pulhítica.


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