27/03/2018

MAMADOU BA

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Em Portugal, o racismo importa?

Portugal homenageou Marielle Franco. Onde esteve e onde está o país e a sua capacidade de indignação e de mobilização com os acontecimentos da esquadra de Alfragide, com as dezenas de mortes de jovens nas mãos da polícia, com o desalojamento das comunidades negras e ciganas?

No dia 21 de março de 1960, com os massacres de Sharpeville, o mundo acordou finalmente para a barbárie do regime do apartheid. Esta chacina levaria a ONU a instituir o Dia Internacional de Combate ao Racismo em 1969, que mais tarde, em 1976, viria a ser rebatizado pela Assembleia Geral da ONU como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial.

Infelizmente, 58 anos depois dos massacres de Sharpeville, o racismo e todas as outras formas de violência conexas continuam ainda presentes no quotidiano das pessoas racializadas.

Vários acontecimentos trágicos nos últimos tempos vieram comprovar a realidade da vigência do racismo. Na Europa, para além da ascensão de forças políticas populistas racistas, a violência racista contra cidadãos não brancos e contra imigrantes vai resultando em assassinatos pela extrema-direita ou pela polícia.

A nível nacional, mais recentemente o país assistiu impávido e sereno à publicação de um relatório internacional que afirma que o racismo, a tortura e todo o tipo de violências são instrumentos de atuação das forças de segurança, nomeadamente contra as populações negras e ciganas. E que esta violência não é circunstancial nem inédita, mas sistemática. O país assistiu ainda à acusação da quase totalidade dos elementos da esquadra de Alfragide pelos crimes idênticos aos relatados neste relatório com um incompreensível silêncio da classe política. E o país quase não se incomodou com acusações tão graves contra as instituições do Estado cuja função primacial é a de garantir a segurança de todos os seus cidadãos, independentemente da sua origem étnico-racial e cultural.

Tanto o relatório como a acusação aos 18 agentes da esquadra de Alfragide revelaram o país verdadeiro no que toca ao racismo. Revelaram também, através do silêncio que suscitaram, a falta de centralidade política da questão racial na sociedade e no debate político em Portugal. O que podia ter sido uma oportunidade para a sociedade e as instituições encararem de frente o racismo na sociedade arrisca-se, mais uma vez, a ser uma oportunidade perdida.

As mobilizações em torno do assassinato de Marielle Franco surgem neste contexto e na semana em que se celebra mais um Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Em Portugal, como um pouco por toda a parte, este vil assassinato motivou e bem uma sentida mobilização. Em Portugal, para além da mobilização social notável, o país político também homenageou Marielle Franco através de uma resolução da Assembleia da República. Mesmo achando curioso não ter sido referido uma única vez o racismo naquela resolução, não tenho a menor dúvida de que foi um ato nobre dentro da coreografia parlamentar.

Sabemos que a morte de Marielle Franco está sedimentada na condição de ser mulher lésbica, favelada e negra, com voz própria capaz de enfrentar a ideologia sexista e racista. Condição essa que a expunha à violência e a tornava numa ameaça real contra o reacionarismo ideológico, o conservadorismo sexista e homófobo e o racismo estrutural.


IN "PÚBLICO"
21/03718

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