23/03/2018

LUÍS AGUIAR-CONRARIA

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Oferta e procura de incêndios

Parece que se anda a discutir qual a melhor forma de forçar uma população velha e pobre a limpar os seus terrenos sem qualquer interesse económico, desgastando-a e empobrecendo-a ainda mais.

De vez em quando, o país fica chocado por saber que a lei da procura e da oferta também existe em Portugal. A última vez que tal aconteceu foi quando se descobriu que os preços das limpezas de terrenos tinham disparado este ano. O aumento da procura foi assegurado pelo braço fiscal do governo, a Autoridade Tributária, ao enviar um email a todos os contribuintes, ameaçando com coimas quem não cumprisse uma lei de limpeza das matas, que, pelos vistos, existe desde 2006 e nunca foi cumprida. A mensagem, como quase todas as mensagens da AT, foi suficientemente assustadora para deixar muita gente preocupada. Naturalmente, a procura por serviços de limpeza de mato disparou e, evidentemente, as empresas prestadoras deste serviço aumentaram os preços. Está nos manuais. Esperar que o efeito fosse diferente equivale a achar que a lei da gravidade pode ser suspensa.

Percebe-se a reacção do Governo. Depois das catástrofes do ano passado, é necessário fazer tudo para evitar um novo Verão quente. Como já antes escrevi, não percebo nada de combate aos incêndios e também nada percebo sobre prevenção de incêndios. Assim, não vou discutir sobre a eficácia e a necessidade destas medidas que estão a ser tomadas. No entanto — presunção e água benta, cada qual toma a que quer —, acho que sei um pouco de economia. E, se entendo esta pressão do governo como medida de curto-prazo, é bom ter em atenção que a longo prazo é insustentável.

Se a lei existe desde 2006 e desde 2006 que é violada de forma generalizada, então, provavelmente, a lei é desajustada da realidade económica portuguesa. E, quando vejo reportagens sobre o assunto, reforço esta ideia. Vejo uma população envelhecida e, também, empobrecida a ter de fazer uma limpeza a terrenos que pouco valem. A não ser que isto se enquadre na ideia de uma reforma activa, não sei muito bem o que pensar quando vejo homens nos seus 70 e até 80 anos a fazer o que mais parecem trabalhos forçados. O que neste momento está a ser feito não é muito diferente de lançar um imposto especial sobre as camadas mais desfavorecidas da população. É quase iníquo.

Repito, não discuto se esta estratégia é adequada ou não para evitar uma catástrofe em 2018. Mas, insisto, a não ser que se pretenda usar a força repressiva da Autoridade Tributária todos os anos para aterrorizar populações, esta estratégia não é viável por muito tempo. O mato cresce independentemente da vontade dos proprietários. E cresce muito depressa. Uma vez limpo, rapidamente será necessário limpá-lo novamente. É uma gestão permanente com custos que não desaparecem. Limpar um terreno não é como remodelar ou recuperar um prédio, que, uma vez feita a intervenção, só décadas depois necessita de outra. Uma solução para ser viável a longo prazo tem de ser economicamente vantajosa para os proprietários.

Tornar a floresta portuguesa rentável, ou, melhor dizendo, a sua gestão rentável, pode passar por facilitar a vida aos resineiros, por estimular o uso de lareiras e recuperadores de calor para aquecimento de casas, pela construção de centrais eléctricas de biomassa, etc. Há uns tempos, em conversa com Henrique Pereira dos Santos, lembrámo-nos de que as cantinas que dependem do Estado (cantinas escolares, prisões, hospitais, etc.) podiam incluir na sua ementa alimentos amigos da floresta, como queijo de cabra, frutos silvestres, cabrito, etc.

Não sei nem qual o impacto nem qual a viabilidade de cada uma das sugestões que fiz no parágrafo anterior. Não sei quais sobreviveriam a uma análise de custo-benefício. Mas do que não tenho dúvidas é que eram estes assuntos que deviam estar a ser discutidos. Encontrar formas para que a lei da oferta e da procura funcione a favor de uma floresta bem gerida.

Em vez disso, parece que se anda a discutir qual a melhor forma de forçar uma população velha e pobre a limpar os seus terrenos sem qualquer interesse económico, desgastando-a e empobrecendo-a ainda mais. A manter-se a actual política, a principal consequência de longo prazo será a de haver muita gente a entregar os seus terrenos ao Estado. Se é para isso, mais vale avançar já com expropriações. É da forma que mais rapidamente se atinge o mesmo resultado.

IN "OBSERVADOR"
21/03/18

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