15/03/2018

ANATOLE KALENSKY

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Os cães do mercado 
que não ladraram

A expansão global e o mercado touro continuarão, mas a liderança passará da América para as economias mais promissoras da Europa, Japão e para o mundo emergente.

Há três meses argumentei que a subida dos mercados de acções em todo o mundo era uma consequência da melhoria das condições económicas, e não um sinal de "exuberância irracional". 

Desde que esse comentário foi publicado, a subida dos preços das acções acelerou e começou a aparecer alguma "exuberância irracional", levando a uma queda acentuada no início de Fevereiro. Embora a maioria dos mercados de acções ainda esteja bem acima dos níveis de Novembro passado, a questão persiste: terá a inversão de Fevereiro marcado o fim do mercado touro [bull market] ou terá sido apenas uma correcção temporária?

A evidência mais forte, como Sherlock Holmes poderia ter observado, vem do cão que não ladrou [alusão à história de Arthur Conan Doyle "Silver Blaze"]. Mais precisamente, vem de três cães de guarda - preços do petróleo, taxas de juro de longo prazo dos EUA e divisas - que dormiram pacificamente no meio da agitação em Wall Street.

O porquê dessa evidência ser tão significativa torna-se claro quando reconhecemos que os principais riscos para a economia global são agora completamente diferentes do "Novo Normal" da estagnação secular, da recessão e da instabilidade europeia com que os mercados se preocuparam na última década. As ameaças reais à expansão global e aos preços dos activos provêm agora da aceleração da inflação, crescimento insustentavelmente rápido e má gestão política nos Estados Unidos.

Destaquei alguns motivos para essa inversão na minha análise anterior: a economia mundial está agora a todo o vapor. Todas as regiões estão a seguir o guião norte-americano pós-2008 de estímulos monetários agressivos e recapitalização bancária, mas com longos atrasos que variam de três anos no Japão e na China a seis anos na Europa e ainda mais em grandes economias emergentes, como a Índia, a Rússia e o Brasil.

O perigo de uma recessão ou de uma grande desaceleração desapareceu na maior parte da economia mundial, pelo menos no que respeita ao próximo ano ou dois. Mas o crescimento económico não elimina os riscos financeiros. Pelo contrário, alguns dos maiores colapsos dos mercados de acções ocorreram durante períodos de crescimento rápido, geralmente desencadeados pela aceleração da inflação e pelo aumento das taxas de juro.

A questão agora é se esses riscos relacionados com a inflação estão ou não a surgir no horizonte.  Ou será que ainda é muito cedo para nos preocuparmos com o sobreaquecimento, uma vez que a inflação na maioria das economias ainda é igual ou inferior a 2%, as taxas de juro ainda são negativas no Japão e na Europa, e muito trabalho e capital continuam subempregados?

É na resposta a esta questão que devemos notar os cães que não ladraram. A maior ameaça à inflação este ano vem do aumento dos preços do petróleo. A queda dos preços do petróleo de mais de 100 dólares por barril em 2014 para o que parecia um patamar estável em torno dos 50 dólares foi uma grande vantagem para a economia mundial. Mas os preços do petróleo dos EUA superaram os 50 dólares no outono passado, e em Janeiro já estavam a caminho dos 70 dólares, com muitos traders a anteciparem um regresso à casa dos 100.

A subida dos preços do petróleo, numa altura em que a inflação já está a aumentar, seria um desastre para a economia mundial, forçando os banqueiros centrais a elevarem as taxas de juro de forma agressiva e provocando possivelmente um movimento acelerado de venda de títulos de longo prazo. Mas, felizmente, os preços do petróleo não continuaram a subir à medida que os preços das acções diminuíram. Em vez disso, caíram bruscamente. Se os preços do petróleo estabilizarem perto do seu nível actual, o risco mais imediato para a economia mundial e para o mercado touro nas acções terá sio removido.

O mercado de obrigações dos EUA foi o segundo cão que não ladrou, embora tenha ficado mais agitado. Muito se escreveu sobre a subida dos juros das obrigações do Tesouro a dez anos de cerca de 2,5% no início de Janeiro para quase 3% hoje. O que é realmente significativo, no entanto, é que o nível de 3%, que serviu de tecto desde 2011, não foi violado. Se os juros das obrigações dos EUA aumentassem substancialmente acima de 3%, isso aumentaria as dúvidas sobre as avaliações dos activos dos EUA. Mas isso ainda não aconteceu - e, mais importante ainda, o mercado obrigacionista parece acreditar que uma subida sustentada acima de 3% no futuro previsível é muito improvável.

A complacência do mercado obrigacionista em relação às taxas de juro e à inflação dos EUA pode ser surpreendente - e na minha opinião, será um erro caro em algum momento - mas é um facto. A prova é que a yield das obrigações dos EUA a 30 anos ainda está apenas nos 3,2% - exactamente onde estava há um ano e na maior parte de 2015 e 2016. É quase um ponto percentual abaixo do nível de 2013 e dois pontos abaixo do nível de 2007. Por outras palavras, o mercado de obrigações acredita que as perspectivas de longo prazo para o crescimento e inflação são mais ou menos as mesmas do período de 2015 até ao início do ano passado - e muito mais fracas do que há uma década.

Esta confiança pode desaparecer no futuro, se os investidores em obrigações ficarem despertos para os riscos de longo prazo relacionados com a inflação e o desregramento orçamental dos Estados Unidos. Quando isso acontecer, as yields de longo prazo subirão de forma  acentuada e os investidores terão com que se preocupar. Por enquanto, o comportamento das taxas de juro de longo prazo dos EUA traduzem uma confiança quase inabalável entre os investidores de que a inflação nunca mais se tornará uma séria ameaça, apesar da decisão do presidente Donald Trump de reduzir os impostos, aumentar os gastos do governo e abandonar os limites do défice numa economia que já está muito próxima do pleno emprego.

Isso dirige a nossa investigação para o terceiro cão que não ladrou. As divisas ficaram praticamente impassíveis com a agitação no mercado de acções. Esta quietude faz sentido: se os investidores não estão perturbados pelas pressões inflacionárias na economia dos EUA, certamente podem estar muito mais confiantes em relação ao resto do mundo. Na Europa, no Japão e em muitos mercados emergentes, os aumentos cíclicos são mais recentes, a inflação é menor e a gestão económica é mais sólida do que nos EUA. A implicação é óbvia: a expansão global e o mercado touro continuarão, mas a liderança passará da América para as economias mais promissoras da Europa, Japão e para o mundo emergente.

Economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e o autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
13/03/18

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