18/02/2018

JOANA MORTÁGUA

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A crise da UE em Berlim, 
esperem para ver Roma

A crise de governabilidade alemã é a crise da Europa a aterrar em Berlim perante o susto de Paris

As crises de governabilidade ao centro estão-se a tornar cada vez mais a regra do que a exceção. Com contornos diferentes, seja por eleições ou referendos, o Estado espanhol, a França e a Alemanha têm sido exemplos recentes, com Itália a adivinhar o mesmo caminho. O esgotamento eleitoral dos partidos ditos “tradicionais” é sintoma do vazio estratégico do centrismo, obcecado em proteger a única identidade que resta ao chamado projeto europeu: o capital. O recurso a blocos centrais, como na Alemanha, ou a frentes anti-extrema-direita, como em França, não só não resolvem como aprofundam a desilusão do eleitorado. Isto serve tanto para Macron como para Schulz.

A trapalhada alemã tem todos os contornos para encaixar nesta análise. O país está sem governo desde setembro, quando as eleições ditaram uma vitória curta para a CDU de Angela Merkel. Depois de falhada a tentativa de uma “coligação jamaica” com os liberais e os verdes, as esperanças recaíram sobre a reedição do bloco central com o Partido Social Democrata (SPD) de Martin Schulz. A grande coligação não é inédita na história destes partidos. Só que quando Willy Brandt assinou o primeiro acordo com os então conservadores liderados por Kurt Georg Kiesinger, o SPD e a CDU detinham 95 por cento dos deputados do Bundestag. Hoje, os maiores partidos do centro representam uns magros 52 por cento. A grande coligação de bloco central é cada vez mais estreita.

As limitações desta estratégia tornam-se cada vez mais evidentes. A começar pelo perigo de PASOkização dos partidos socialistas da Europa, incapazes de se distinguirem de qualquer outro partido gestor da austeridade. Perderam identidade e, com isso, a sua base social de apoio tradicional deixa de reconhecer-lhes utilidade. Foi isso que Schulz prometeu recuperar a partir da oposição a Merkel, declarando que o SPD não voltaria a coligar-se com os conservadores e que jamais aceitaria ser ministro no governo da chanceler. Em vez disso, trocou todas as promessas pelo lugar de ministro dos Negócios Estrangeiros, cadeira que nem teve tempo de aquecer uma vez que a rebelião interna no partido lhe provocou uma alteração repentina de planos. Esta terça-feira formalizou a demissão de presidente do partido, deixando o SPD sem líder até ao novo congresso de abril.

Schulz perdeu tudo, as eleições, o ministério, a presidência do SPD e, acima de tudo, a credibilidade. Agora, na qualidade de líder demissionário, disputa um referendo interno em que os 464 mil filiados são chamados a ratificar ou recusar o acordo assinado entre a sua formação política e a CDU de Merkel. Nessa disputa, a liderança dos social-democratas alemães, que se encontra completamente afundada nas sondagens, enfrenta uma ala jovem inspirada pelo Labour de

Corbyn, que ganha cada vez mais apoio e entusiasmo e está a fazer uma campanha feroz pela rejeição do acordo. Sentem-se traídos pelas promessas de Schulz mas, mais do que isso, temem pelo futuro do partido e compreendem os efeitos de blocos centrais de interesses numa democracia cada vez mais acossada pelo crescimento da extrema-direita germânica. Sem alternativa, o ultra nacionalismo vai capitalizando o descontentamento.

A crise de governabilidade alemã é a crise da Europa a aterrar em Berlim perante o susto de Paris. Neste momento, todos os partidos que têm governado a Europa anseiam pelo Bloco central alemão. Nas costas dos outros veem as suas, e convém deixar passar mais este susto. Espanha, França, Alemanha. Mas Berlusconi já está à espreita em Itália, e nem é o mais perigoso que por lá anda. E assim vai a Europa, de susto em susto, sem aprender nada, até ao sobressalto final.

* Deputada do Bloco de Esquerda

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14/02/18





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