23/02/2018

CELSO FILIPE

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O pior cego é o que só vê a bola

A indústria do futebol é especial. Tem uma legião de adeptos incondicionais, marcas fortes, alimenta-se de emoções, é afectiva, e os resultados que importam não são os financeiros, mas sim os obtidos nos fins-de-semana de jogos. Além disso é uma indústria maniqueísta.

De um lado estão os bons, a equipa que se apoia, do outro os maus, que tanto podem ser os oponentes de circunstância como os ódios cultivados diligentemente ao longo de décadas.

Portanto, o primeiro equívoco é tentar ler o futebol fora das quatro linhas pela cartilha das boas práticas empresariais, porque na realidade nada encaixa. Para os adeptos, as finanças dos respectivos clubes são minudências quando comparadas com o objectivo máximo, o de conquistar a glória desportiva.

Tudo isto é normal. O problema de fundo está no facto de os líderes do futebol terem optado por  vestir o equipamento de adeptos, esquecendo-se de que os lugares que ocupam apresentam outras exigências de natureza ética e empresarial. E agem assim porque entendem que só desta forma garantem os seus lugares.

Os apelos do presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, para que os adeptos do clube não comprem jornais nem vejam televisão, à excepção da Sporting TV, inscrevem-se neste território da emocionalidade. Não há qualquer lógica empresarial ou sentido estratégico no pedido de Bruno de Carvalho, excepto o de tentar injectar o ódio como combustível para o reforço da coesão clubística.

Numa indústria normal, ainda para mais tratando-se de empresa cotada, o presidente do Sporting estaria a braços com um grave problema reputacional que se agravaria pelo embaraço causado junto dos patrocinadores, sendo que o seu futuro enquanto líder estaria cheio de pontos de interrogação. E isto só não acontece porque é de futebol que estamos a falar.

O problema de fundo destas atitudes é que se ancoram numa lógica de curto prazo e perpetuam um modelo já em desuso nos outros países. As condições de financiamento dos clubes alteraram-se substantivamente, a liga europeia será em breve uma realidade e as equipas portuguesas arriscam-se a ser cada vez mais subalternas, cavando a sua sepultura periférica, por força da sua incapacidade em criar valor.

Os adeptos vivem e alimentam-se da emoção. Os líderes desportivos têm a obrigação de criar uma narrativa diferente, preocupando-se com a sustentabilidade do modelo de negócio e a sua credibilização. É para eles (que não fazem o que devem) que serve esta frase intemporal do romancista e cronista brasileiro, Nelson Rodrigues: "Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola."

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
19/02/18


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