06/01/2018

FILIPE ALVES

.




Os CTT e 
os “Portugais esquecidos”

Qual a vantagem de privatizar empresas que prestam serviços públicos em regime de monopólio e que, por alguma razão, os privados não querem ou não conseguem assegurar por sua conta e risco? Que vantagens se retiram, a médio e longo prazo, da privatização de empresas que prestam serviços públicos em áreas onde não existe nem existirá concorrência?

Antes de mais, um disclaimer. Não sou defensor da presença do Estado na economia, para além daquilo que devem ser as suas funções essenciais. Defendo um Estado forte e regulador, que intervenha quando necessário para garantir direitos fundamentais dos cidadãos e a sã concorrência nos diferentes mercados. Um Estado que, por regra, procure não levantar entraves à iniciativa privada, ao contrário do que frequentemente sucede em Portugal.

Uma das formas de o Estado abrir caminho à iniciativa privada é através da venda de empresas públicas onde a sua presença não é necessária. A privatização dessas empresas ajuda a tornar mais concorrenciais os respetivos mercados, em benefício dos consumidores e da economia. Em Portugal, vimos isso acontecer em áreas como as telecomunicações e a energia, não obstante o peso que os antigos incumbentes – PT e EDP – ainda têm nesses mercados e de persistirem temas espinhosos como o das famosas rendas energéticas.

Mas qual será a vantagem de privatizar empresas que prestam serviços públicos essenciais em regime de monopólio e que, por alguma razão, os privados não querem ou não conseguem assegurar por sua conta e risco a 100%? Que vantagens se retiram, a médio e longo prazo, da privatização de empresas que prestam serviços públicos em áreas onde não existe nem existirá concorrência e onde o apoio do Estado continua a ser necessário?

Será este o caso do serviço universal de correios que, após 500 anos nas mãos do Estado, foi entregue a privados em 2014. Os CTT privados mantêm a concessão do serviço postal universal e não recebem uma compensação financeira do Estado por desempenharem essa missão, segundo disse recentemente o CEO Francisco de Lacerda. Mas a qualidade do serviço está a ser posta em causa pelos partidos políticos, pelos sindicatos e pela própria Anacom, que detetou uma falha num dos 11 indicadores de qualidade que o serviço postal universal deve cumprir. Independentemente de quem tem razão, face ao que tem sido noticiado, dificilmente alguém poderá afirmar que a qualidade é hoje superior à dos tempos em que os correios eram públicos.

Argumentar, como fazem alguns, que o Estado fez um bom negócio ao desfazer-se dos CTT numa altura em que as pessoas enviavam mais cartas do que atualmente, é ter uma visão desligada do que é a realidade do país e sem ter em conta os problemas que Portugal enfrentará nas próximas décadas. Pois quando os CTT encerram um balcão numa qualquer vila do interior, estão a cravar mais um prego no caixão dos “Portugais esquecidos” de que falava há dias o Presidente da República. Está na hora de os políticos serem coerentes e de encontrarem uma solução que permita assegurar a qualidade do serviço postal universal, sem deixar de honrar os compromissos assumidos com os acionistas dos CTT.

IN  "O JORNAL ECONÓMICO"
04/01/18

.

Sem comentários:

Enviar um comentário