21/01/2018

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HOJE NO
"EXPRESSO"
"Parece que a Sida deixou de meter medo"

A investigadora da Universidade de Lisboa Margarida Gaspar de Matos inquiriu cerca de 1200 jovens entre os 18 e os 24 anos, no âmbito do estudo "Vida sem Sida", apresentado este sábado, que concluiu que mais de 60% têm relações sexuais sem preservativo. Em entrevista ao Expresso, a psicóloga queixa-se do desinvestimento na prevenção da doença

Quase 100% dos jovens sabem que podem ser infetados pelo VIH/Sida se tiverem relações sexuais desprotegidas. Ainda assim, só 37% dizem usar sempre preservativo. A Sida já não assusta?
Parece que deixou de meter medo. Alguns jovens pensam: "comigo isso não acontece e, se acontecer, trato-me com medicação". Na verdade, basta uma relação sexual desprotegida para se ser infetado e a medicação é um recurso de fim de linha, que tem custos em termos de saúde. Não é, definitivamente, uma boa prática preventiva. Por isso, apesar de a informação sobre as formas de transmissão da doença ser obrigatória na escola, parece ser necessária uma "revitalização" do assunto e um alerta para a necessidade destes cuidados protetores serem continuados. Veja que cerca de 70% dos jovens usam o preservativo na primeira relação sexual, mas apenas 37% usam sempre. 
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Ou seja, têm alguma informação, mas isso não se traduz em práticas protetoras consistentes, o que significa que "só informação não chega". É preciso que esta informação seja continuada, valorizada e traduzida em mudanças permanentes de comportamentos e que haja uma mudança cultural que promova o uso do preservativo nas relações sexuais. Os obstáculos culturais, religiosos, políticos e económicos à volta do uso do preservativo têm de ser removidos. Há anos que andamos a dizer isto...
 
As mulheres mostram ter melhores conhecimentos do que os homens em relação às formas de transmissão do vírus. No entanto, são elas que mais admitem não usar sempre preservativo. Como se explica?
Os resultados de estudos transversais, como este, não permitem inferências causais. Mas poderemos pensar que as mulheres são mais informadas, mas não conseguem traduzir essa informação em práticas protetoras. Por exemplo por não terem competências de afirmação de si na exigência do uso do preservativo: têm mais medo de zangar o parceiro ou de perdê-lo se exigirem usar preservativo. Por isso, penso que a saúde sexual também é um assunto de equidade de género, ou de equilíbrio de poder dentro do casal.
 
O inquérito revela que 92% dos jovens não se recordam da última vez que viram uma campanha ou uma mensagem de prevenção em relação ao VIH. Houve um desinvestimento nesta área?
O que os jovens dizem nos grupos focais, isto é na parte qualitativa do estudo, é que a informação é maçuda, repetitiva e não fala do que os preocupa, que tem sobretudo a ver com os aspetos emocionais e afetivos do envolvimento sexual e do namoro, com os aspetos coercivos ou violentos da relação, com o medo da solidão e do abandono, o ciúme, a sedução e a identidade sexual. Os jovens acham o saber "livresco", pouco dinâmico e pouco disponível. Pedem, por exemplo, para ter contacto com situações e histórias reais. Não apoio esta exposição de seropositivos para efeitos "didáticos", mas estamos a tentar propor algo intermédio, com recurso ao videostorytelling.
 
A maioria dos jovens diz não ter tido programas de educação para a prevenção da doença no ensino secundário. Sendo a educação sexual um dos temas a abordar nas escolas, o que está a falhar?
Quando há 3 anos fizemos a avaliação da lei da educação sexual, alunos e professores já refletiam esta discrepância entre o cumprimento da lei - que efectivamente existe por parte das escolas - e a dificuldade em dar dinamismo à educação para a saúde e para a sexualidade, de forma saudável e participativa. Ou seja, cumpre-se a "forma", mas não a filosofia de promover nos jovens competências que os ajudem a optar por comportamentos mais saudáveis. Os professores têm de ser formados e valorizados nestas ações. É necessário tempo escolar para estas ações de modo continuado e, claro, algum investimento financeiro.
 
Cerca de um em cada quatro jovens acredita que pode ser infetado se comer com os mesmos talheres que alguém com VIH. Como se explica que, tantos anos depois do aparecimento da doença, ainda subsistam mitos relativamente às formas de transmissão?
Pelos vistos, a informação "entra e sai". As mensagens muitas vezes não são recuperadas, talvez porque na sua origem foram pouco úteis. Na dúvida, alguns acham que o mais fácil é "super-proteger-se de tudo".


 A grande questão é que esta desinformação está associada à discriminação dos seropositivos: depois aparecem alguns a querer impedir uma escola de aceitar uma criança seropositiva, com o pretexto que o vírus passa a viver nos talheres... É triste. Os jovens informados e que usam essa informação de modo competente sabem proteger-se sem discriminar.
 
O que mais a surpreendeu nas respostas dos jovens?
A diferença entre a percentagem de uso do preservativo na primeira relação e o seu uso consistente. A consciência que eles e elas têm da importância dos aspetos emocionais nas relações íntimas e o modo como continuam a achar que a informação não os ajuda neste campo. Até aos 24 anos, os jovens têm dificuldade de auto-regulação devido ao "maturity gap", isto é, à diferença entre as competências cognitivas e às competências de regulação de emoções, que não favorecem um pensamento claro em alturas de grande "tentação" e emotividade.
 
Portugal apresenta das taxas mais elevadas de infeção da União Europeia e um terço dos infetados tem menos de 30 anos. O que é preciso fazer para mudar esta realidade?
Para já, propomos que se invista na escola e na universidade, mas também é preciso diversificar recursos e contextos de atuação: escola, famílias, autarquias, internet, videoclips... Mas a solução estaria nas políticas públicas "benignas". Em geral, em matéria de saúde e educação, Portugal perde-se na morosidade dos procedimentos, na fraca gestão do desperdício e na falta de continuidade das políticas públicas. Toda a gente diz o mesmo, é difícil entender porque não se tomam medidas. É tudo lento, cheio de procedimentos administrativos inenarráveis e quando " está quase"... muda. É exasperante.

* Para milhões de pessoas em Portugal o facebook e o instagram são as principais realidades, só que o HIV não é virtual. Esta ignorância é fruto da irresponsabilidade parental. 

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