20/12/2017

FILIPA GUIMARÃES

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Carrilho hipnotizou 
juíza em tribunal

Há alturas em que tenho profundas saudades do "O Jornal do Incrível". Com manchetes de galinhas com 3 patas e bezerros com rabos de porcos e outros fenómenos grotescos, para poder ler na capa: "Carrilho hipnotizou juíza em tribunal" ou algo assim. 

Joana Ferrer, com um conhecido fascínio pelos últimos dias do Hitler e pela selecção de futebol alemã, cujos jogos assiste fora de casa é, no mínimo estranha. Não por causa disso, mas pelas ideias que tem acerca da realidade. Como achar que depois de uma mulher levar do marido pensa logo em ir para o Instituto de Medicina Legal mostrar as nódoas negras. Ou falar para a esquadra: "Acudam! Sou a Bárbara Guimarães e o meu marido bateu-me!". Bom, se fosse o piquete aqui da minha esquadra, desligava-me logo o telefone na cara.

Como subterfúgio emocional ou incapacidade de compreender este acórdão alienígena, prefiro achar que o acusado teve o poder de a hipnotizar com as suas exaltações e linguagem. Joana Ferrer deve passar os dias num casulo a ouvir Wagner (só e mais nada), a ver fotografias da Leni Riefenstahl e aquelas célebres paródias do youtube com o Bruno Ganz a fazer de Hitler e a perceber que tudo lhe está a correr mal. Será que tem o desejo oculto de vir um dia a legendá-las com uma sentença sua? Porque isto parece mesmo um divertimento de algum adolescente criativo.

No século corrente, uma magistrada considerar que o dinheiro resolve problemas domésticos, que vítimas de maus tratos físicos e psicológicos não têm sentimentos de vergonha quando são maltratadas, são raciocínios que põe em causa tratados de psicologia, sociologia e, ouso dizer, anos de trabalho de juristas realmente empenhados a construir uma sociedade mais justa.

Será que vê pouca televisão? O quiosque de jornais e revistas da sua área de residência terá fechado? Ah, se calhar está desconectada da net ou, quem sabe, do próprio dia-a-dia. É que estes assuntos também se vão ouvindo aqui e ali. Ninguém mete conversa com ela no café? Deve ter o problema da Bárbara Guimarães, mas ao contrário. Ninguém fica a olhar para ela nem lhe pede um autógrafo. Claro que na comunicação social ninguém expõe a sua vida por ser figura pública há anos seguidos.

Que filmes, discos, vídeos, revistas ou material devemos enviar para Joana Ferrer na esperança que a realidade e a ficção lhe mostrem que uma "mulher autónoma e independente", como diz ser Bárbara Guimarães, que fez questão de começar por tratar pelo próprio nome, perceber que há outras formas de um ser humano reagir em contextos adversos?

Vou fazer uma tentativa. Que tal começar por lhe mandar o "ShreK", para perceber que há monstros bonitos e príncipes cretinos? Talvez "A Bela e o Monstro" não seja grande ideia. Ainda capaz de achar que a estamos a querer condicionar e isso, pronto, também se percebe. Se calhar, mais vale disponibilizar-lhe o visionamento uma coisa mais básica. Para crianças a partir dos três anos. Temo que "Gru – O Maldisposto" já lhe seja de certa forma familiar... Se a juíza tem particular interesse que queda do III Reich deve ter visto gente mesmo indisposta. Má ideia...

Talvez seja mais adequado que assista a alguma fita com seres humanos, não vá achar que a inteligência e bom-senso não comparecem até nos filmes para criancinhas. Se, ao menos, tivesse lido "O Pequeno Príncipe", já teria sido uma grande mais-valia para a sua formação. Mas será que entende que é um livro sobre sentimentos? Será que que sabe que estes existem e que ficam baralhados sempre que uma pessoa é insultada ou agredida pelo marido e pai dos filhos?

Seria mais confortável, para todos, acreditar que os acessos de cólera de Manuel Maria Carrilho, testemunhados e relatados por jornalistas, a tivessem, simplesmente, hipnotizado. É que assim colocávamos esta decisão no leque de "notícias" do "Jornal do Incrível". Sempre teria uma ligeira conexão com a realidade. Pouquinha é certo. Mas sempre era melhor que nada.

IN "SÁBADO"
16/12/17

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