25/12/2017

CARLOS SANTOS

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Os juízes devem estar loucos

Algumas decisões dos últimos tempos mostram-nos que Portugal não ouviu Gabriela Knaul em 2015. Desvalorizar num tribunal a violência doméstica é não só criar um clima favorável aos agressores como dar a bofetada derradeira à vítima

Nas últimas semanas Portugal tem sido confrontado com decisões judiciais a fazer lembrar aqueles dois juízes do Supremo que há mais de duas décadas conseguiram arranjar desculpa para a violação de duas turistas no Algarve. Se na altura foi o abuso sexual o crime que pôs a nu o conservadorismo, o machismo e até algumas teias de aranha de alguns magistrados, agora é a violência doméstica.

O país tem evoluído, mas precisa de evoluir mais. É bom saber que hoje dificilmente algum juiz tentaria atenuar uma violação, mas sabe a pouco ver que ainda há (e não é só um) os que relativizam a violência em contexto familiar.

Primeiro fomos surpreendidos com um acórdão do Tribunal da Relação do Porto em que o juiz Neto Moura tenta atenuar a violência doméstica com o facto de a vítima ter tido uma relação fora do casamento – e chega mesmo a dizer que há países onde não só seria agredida, como ainda morta: “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”.

Tudo isto é demasiado grave (incluindo a referência à Bíblia) e já dá para ter uma ideia sobre o que poderá passar-se nas casas de muitos do que têm a nossa justiça nas mãos.

Mas tudo piorou com uma notícia do “Correio da Manhã”, que dava conta de que este juiz já é reincidente, tendo em 2010 reduzido a pena de um homem condenado por agredir a mulher e a filha de quatro anos. Nesse caso, o magistrado não só deixou claro que “não podem ser ignoradas as referências a uma relação extraconjugal, que teria sido a causa próxima de toda [a] situação conflitual”, como ainda conseguiu escrever que as agressões foram “de pouca monta, não indo além de uns pequenos hematomas e escoriações”, sem recurso a “qualquer instrumento ou arma de qualquer espécie”.

O juiz Neto Moura já veio dizer que condena a violência doméstica, alegando até que no caso deste ano sentenciou três anos de cadeia para o agressor. Mas as suas decisões empurram-no para uma situação de complacência com um dos crimes mais abjetos da sociedade atual.

O pior é que, quando já estávamos a recuperar destas mazelas, desta justiça que temos, levámos outra pancada.

O jornal “Público” revelou partes de um acórdão do Tribunal Judicial de Viseu em que o coletivo ilibou o agressor, justificando que a agredida era uma mulher “moderna” sem perfil de vítima. Completamente alheios ao terror de quem vive com medo de denunciar, os juízes disseram acreditar que “dificilmente a assistente aceitaria tantos atos de abuso pelo arguido e durante tanto tempo sem os denunciar e tentar erradicar, se necessário dele se afastando”.

Qualquer vítima que ouça coisas como estas de um juiz (ainda por cima perante o agressor) está a ser duplamente agredida.

Estes casos, a fazer lembrar a decisão dos juízes-conselheiros que no Portugal de outros tempos diziam que as turistas foram violadas porque se colocaram a jeito na “coutada do macho ibérico”, vêm dar razão à missão da ONU que em 2015 veio a Portugal analisar a independência do poder judicial.

 Na altura, a relatora, Gabriela Knaul, afirmou que “os magistrados judiciais e do Ministério Público devem evitar a reprodução de preconceitos em decisões judiciais”.
Parece que ninguém lhe deu ouvidos.

IN "i"
22/12/17

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