05/12/2017

CARLOS FARINHA RODRIGUES

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Indicadores de desigualdade 
e de pobreza em Portugal:um
pequeno passo na direcção certa

A publicação recente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) dos principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social para o período 2016/17 permite uma leitura actualizada sobre a evolução das condições de vida da população e a identificação de alguns dos principais factores de vulnerabilidade social no nosso país.

É importante começar por identificar claramente o período de referência dos dados agora publicados pelo INE. Estes dados foram obtidos a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2017, que incidiu sobre os rendimentos auferidos em 2016. Consequentemente, os indicadores de pobreza e desigualdade apresentados reflectem o nível e a distribuição dos rendimentos em 2016. No entanto, os índices de privação material têm como base o próprio ano do inquérito, isto é, 2017.

Saliente-se que, nos últimos anos, o INE tem desenvolvido um esforço considerável para que estes resultados, ainda que provisórios, sejam divulgados no próprio ano em que o inquérito se realiza. Trata-se de um contributo importante do INE para dotar as políticas públicas de instrumentos de análise mais actualizados, que deverão permitir a elaboração e implementação de medidas mais eficazes na redução da pobreza, da exclusão social e da desigualdade.

Os dados agora publicados confirmam o ciclo descendente da generalidade dos indicadores de pobreza e desigualdade iniciada em 2014, que inverteu o seu forte incremento no período mais severo da crise económica e das políticas de austeridade. No entanto, muitos dos indicadores de pobreza ainda se encontram aquém dos seus valores pré-crise. Por exemplo, em 2016, a taxa de pobreza do conjunto da população teve uma diminuição significativa de 0,7 pontos percentuais face a 2015, fixando-se em 18,3%, mas ficou ainda acima do seu valor de 17,9% em 2008/09.

Estes novos dados apresentam, porém, alguns indicadores muito positivos que, a manterem-se nos próximos anos, permitirão uma alteração significativa nos principais indicadores sociais e nas condições de vida das famílias. São de destacar:
  • A redução. em 2016, da taxa de pobreza das crianças e dos jovens em 1,7 pontos percentuais, atingindo o seu valor mais baixo, 20,7%, desde 2003, o ano inicial da presente série do INE;
  • O índice de Gini, apesar de uma redução menos expressiva, atingiu em 2016, 33,5%, que é igualmente o seu valor mais baixo desde 2003;
  • A diminuição de 1,5 pontos percentuais na taxa de privação material severa, que teve também em 2017 o seu valor mais baixo (6,9%) desde que é publicada;
  • A taxa de pobreza dos idosos, que tinha aumentado em 2014 e 2015, retomou o seu ciclo descendente fixando-se em 17,0% em 2016.
Não é ainda possível identificar rigorosamente os principais determinantes destas alterações. Porém, não lhes serão certamente alheios a recuperação económica e a diminuição do desemprego, as políticas de reposição dos rendimentos familiares e, em particular, dos das famílias de menores rendimentos, e o reforço das políticas sociais de combate à pobreza, as quais tinham sido muito enfraquecidas durante o período de crise e das políticas de austeridade.

Mesmo sendo muito encorajadores quanto à tendência e às dinâmicas ocorridas nas condições de vida da população, os resultados anteriores não devem fazer esquecer alguns factores de preocupação que são visíveis. Em primeiro lugar, persistem grupos da população com elevados níveis de incidência da pobreza, como as famílias monoparentais (com uma taxa de pobreza de 33,1%) e as famílias alargadas com crianças (com 41,4%). Estas famílias só beneficiaram da melhoria das condições económicas e sociais de uma forma muito mitigada e devem-se tornar um targeting group prioritário das políticas sociais.

A população em situação de desemprego constitui igualmente um grupo social extremamente vulnerável às situações de pobreza e de exclusão social. A sua taxa de pobreza de 44,8% em 2016 foi 2,8 pontos percentuais superior à de 2015, mostrando como, apesar da sua redução, o desemprego permanece um dos principais factores de pobreza.

Por último, a taxa de pobreza da população empregada permanece praticamente inalterada nos últimos anos (10,8% em 2016). A existência de uma taxa tão elevada de working poor tem de constituir um forte factor de preocupação social. Deve igualmente questionar-nos sobre as fragilidades do nosso mercado de trabalho e sobre as políticas laborais e salariais vigentes.

Estes resultados globalmente positivos sobre a evolução recente dos indicadores de pobreza, de exclusão social e de desigualdade económica não nos podem fazer esquecer que Portugal continua a ser um país com elevados níveis de pobreza, de precariedade social e de assimetrias sociais. Neste contexto, continua a ser necessário um papel mais actuante das políticas públicas no combate às situações de maior vulnerabilidade social.

Mas a redução sustentada da pobreza e da exclusão social não pode ser alcançada exclusivamente através de medidas dirigidas à população pobre. Pressupõe alterações profundas nas prioridades que presidem à noção de desenvolvimento do país, a implementação de políticas que promovam o emprego e o crescimento económico, conjuntamente com um sistema de protecção social mais eficiente no apoio aos indivíduos e famílias que dele efectivamente carecem. Pressupõe, ainda, uma política efectiva de combate às desigualdades sociais.

* Professor do ISEG - U. Lisboa 
 Presidente da Direção do IP

IN "PÚBLICO"
04/12/17


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