06/12/2017

ANA RITA GUERRA

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As mulheres da NASA

Numa das suas primeiras viagens de trabalho, a engenheira mecânica Traci Drain estava na fila para o buffet quando a avisaram de que já não havia sumo de laranja. Olhou, embaraçada, para o que estava a vestir e balbuciou que não trabalhava ali. "São as suposições que as pessoas fazem", disse a engenheira que trabalha no Jet Propulsion Lab da NASA, em Pasadena, numa noite de discussão sobre o filme Hidden Figures na academia.

Traci, que começou a sua carreira como estagiária no Langley Research Center da NASA, nunca tinha ouvido falar de Katherine Johnson, a figura central do filme. "Foi chocante para mim, quando o filme saiu, que este tipo de eventos históricos tenha acontecido nos edifícios por onde eu tinha andado." Katherine Johnson é a mulher afro-americana que calculou a trajetória de voo de Alan Shepard, o primeiro americano no espaço, e confirmou os cálculos produzidos pelo mainframe da IBM para a órbita de John Glenn em 1962 e para a viagem à Lua da Apolo 11, em 1969. Uma mente brilhante que espatifou preconceitos numa altura em que a segregação racial ainda era vigente e em que as mulheres não eram sequer autorizadas a assistir a reuniões do Pentágono.

Cinquenta anos depois, o trabalho pioneiro dela e de outras dezenas de mulheres na NASA continuava nas sombras, até o filme de Theodore Melfi com Taraji Henson o trazer para a ribalta. A NASA forneceu todo o tipo de material histórico. "A razão por que participámos e fizemos esta campanha das figuras modernas é que queremos inspirar raparigas para que se vejam neste tipo de papéis", explicou o historiador-chefe da NASA Bill Barry, durante este evento, Hidden Figures/Modern Figures. "Era fácil para mim imaginar-me na NASA quando era miúdo." Não tão fácil para a maioria das meninas, como é demonstrado pelos números baixos de estudantes femininas em clubes de computadores e ciências um pouco por todo o lado. O fenómeno, que tem sido extensamente debatido, advém de uma cultura recente que associa ciências da computação aos rapazes. O número de mulheres hoje nestas áreas é muito inferior ao que era nos anos 1960 e 70, antes da explosão dos computadores pessoais e do marketing dirigido aos rapazes. Não serão certamente gerações de mulheres mais estúpidas. O problema é outro.

"Eu era tão croma que nunca me ocorreu que a ciência era algo que uma miúda não quereria fazer", confessou Traci. "Demorei algum tempo a entender que há muitas raparigas que recebem estas mensagens da sociedade e não se veem na televisão como astrofísicas ou engenheiras, mesmo que seja subconsciente." Está há 17 anos na NASA. Passou seis no projeto Mars Reconnaissance Orbiter, depois na missão Kepler e agora na Juno.

Quando era miúda, Traci recebeu da mãe os livros Terra e Espaço, que vinham com a Enciclopédia Britânica, e ficou fascinada com a ciência. Era superfã da série de ficção científica Star Trek. "Inspirou-me a mim e a muitos engenheiros e cientistas que conheço", disse. "Fez-me querer crescer para desenhar a Starship Enterprise."

Este ambiente que fomenta a curiosidade pela ciência numa idade precoce é fundamental. Foi o que beneficiou Powtawche Valerino, uma engenheira nativo-americana cujos pais e professores encorajaram sempre a seguir a sua paixão. "É muito importante que os miúdos, rapazes e raparigas, saibam que são capazes de atingir sucesso académico em qualquer campo", afirmou. "As crianças são gozadas porque não é fixe ser inteligente, saber números. Powtawche, com a sua herança genética, sofreu isso a vida toda. "Eu nem sequer sabia o que significava ser croma." No liceu, sublinha, "foi importante ter pessoas do meu lado a apoiar a minha causa e a ajudar a encontrar oportunidades para dar o salto". Está no JPL da NASA desde 2005, onde trabalhou na missão Cassini e prepara agora o lançamento de um veículo espacial que vai chegar perto do Sol.

A história de Jennifer Trosper também é interessante: uma rapariga que saiu dos campos agrícolas de Ohio para o MIT e acabou a ser diretora de voo do Mars Pathfinder, que alcançou as notícias de todo o mundo em 1997. Está a trabalhar num novo rover que chegará a Marte em 2020 para descobrir se a água que um dia correu no planeta vermelho contém vestígios microbiológicos. É frequentemente a única mulher nos grupos de trabalho técnicos, apesar do esforço que a NASA tem feito para aumentar a diversidade.

"Ainda temos trabalho pela frente", reconheceu o historiador Bill Barry. "Os dados são muito claros: é necessária criatividade para resolver este tipo de problemas e a diversidade é melhor para encontrar soluções." A audiência bate palmas, mas cala-se quanto Barry atira alguns números. Dos 18 mil empregados civis da NASA, apenas seis mil são mulheres. Destas, apenas 1200 são afro-americanas e mil desempenham cargos não científicos. O esforço que a NASA está a fazer, trazendo para a ribalta mulheres como Traci, Powtawche e Jennifer, é tanto um reconhecimento como uma aposta. "Precisamos de encontrar a força de trabalho do futuro."

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/12/17

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