08/10/2017

VÍTOR BENTO

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Partidos e representação política

Os partidos políticos são a componente essencial da democracia representativa. Para disputar o poder de governar a sociedade e o Estado, organizam-se à volta de ideias, projectos e interesses, com os quais disputam a representação dos cidadãos.

Há basicamente dois tipos de partidos. Os de base mais ideológica ou programática, que privilegiam a consistência de ideias e projectos e asseguram representações mais estreitas e coesas; e aqueles em que as ideias e os projectos são mais difusos e que procuram obter uma representação política de largo espectro (social e ideológico) que lhes assegure o mais fácil acesso ao poder do Estado. A predominância dos primeiros resulta na predominância de governos de coligação, enquanto a dos segundos favorece a formação de maiorias mono-partidárias.

O marxismo-leninismo, tendo perfeita consciência desta dualidade, percebe que a prossecução dos seus desígnios requer uma direcção forte e ideologicamente muito circunscrita, mas que, enquanto a sua acção se desenrola no seio de uma "democracia burguesa", precisa de obter a mobilização voluntária do maior número possível dos cidadãos (que se não consegue com estreiteza ideológica). Desenvolveu, por isso, a doutrina do partido e da associada frente popular. O partido lidera ideologicamente, assente numa apertada organização, mas a disputa de eleições e das movimentações sociais é assegurada por uma frente mais ampla, ideologicamente mais fluida e dócil.

Quem viveu o período de 1974/75 lembrar-se-á certamente de que todos os partidos que se reclamavam do marxismo-leninismo tinham associada uma frente "popular", e que só esta, e nunca o partido, se apresenta a eleições: o PCP(R) tinha a UDP, o PCP-ML a AOC e o PCP tem tido a FEPU, a APU e a CDU.
O actual sistema partidário tem os dois tipos de partido atrás referidos. O PSD e o PS são fundamentalmente partidos interclassistas, de larga representação social e com ideologias difusas e parcialmente sobrepostas. O primeiro entre o centro e a direita moderada, o segundo entre o centro e a esquerda moderada. O CDS e o PCP (tirada a capa eleitoral), por outro lado, asseguram representações mais circunscritas e consistentes, o primeiro de quadros, classe média e média alta, o segundo de classes média e média baixa, composta sobretudo por trabalhadores por conta de outrem. O BE, a mais recente entrada no leque de partidos com representação parlamentar, também é de definição social e ideológica mais circunscrita e consistente, embora com interessantes inovações que não cabe aqui desenvolver.

O centro - fundamental para a formação de maiorias - é, portanto, disputado por dois partidos de largo espectro e que, em grande medida, se sobrepõem ideológica e socialmente (até na semelhança das designações). São, por isso, os dois partidos que têm alternado no governo, ora sozinhos ora liderando coligações.

Até às eleições de 2015, o leque de coligações possíveis era relativamente limitado, dada a informal delimitação do "arco da governação", que excluía deste os dois partidos da ponta esquerda eleitoral.
Essa delimitação, "anulando" governativamente a extrema-esquerda eleitoral, realinhava o centro governativo com o centro político, perante um eleitorado cuja "distribuição natural" é enviesada à esquerda (o seu centro está à esquerda do centro político, como mostram recorrentes maiorias eleitorais de esquerda). O PS, nessas condições, era constrangido a aliciar o eleitorado do centro-direita e a governar mais ao centro, se quisesse assegurar representação suficiente para alcançar as rédeas do governo.

O apagamento formal daquela delimitação, com a formação da chamada "geringonça" e a inclusão da ponta esquerda eleitoral no "arco da governação", realinhou o centro governativo com o centro eleitoral, desviando-o para a esquerda do centro político. E o PS, quebrado o tabu das alianças à sua esquerda, aumentou significativamente as condições para ser governo em diversas circunstâncias, pelo que tenderá a recentrar a sua governação também mais à esquerda.

O que deixa ao PSD um dilema: ou pretende manter-se como partido de largo espectro e nesse caso terá de ir disputar eleitorado mais à esquerda do que lhe era habitual (para encurtar o espaço do PS); ou se assume como um polo alternativo ao PS, ideologicamente diferenciado, promovendo uma bipolarização do regime (a que "apela" a alteração de natureza provocada pela abertura governativa à esquerda), e arriscando estreitar a sua representação eleitoral.

No primeiro caso, terá de governar mais à esquerda, fazendo jus ao epíteto social-democrata, acabando por se tornar um segundo partido de centro-esquerda (que não vejo como se poderá manter no PPE) e abrir espaço ao aparecimento de um novo partido à sua direita mais circunscrito ideologicamente. No segundo caso, rarefará as possibilidades (mais imediatas) de ser governo, mas poderá ajudar, com o tempo e a persistência de uma proposta política diferenciada da do PS, a realinhar a distribuição do eleitorado mais ao centro político (como é normal no resto da Europa). A escolha não será fácil e a base de dependentes do Estado é demasiado grande para encorajar experiências programáticas mais liberalizantes e menos estatizantes.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
06/10/17

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