Contribuinte a tempo inteiro
A lei vem presumir que o contribuinte viu a notificação cinco dias depois de a receber através do serviço público de notificações eletrónicas (o sítio da Internet ou a aplicação móvel disponibilizada para o efeito).
O cidadão comum, durante o seu dia a dia, assume por diversas vezes o
papel de contribuinte: quer seja no IVA que paga ao pequeno-almoço, nas
portagens que paga a caminho do trabalho, ou no IMI (e agora também no
AIMI) que paga pela casa à qual regressa ao final do dia. Todavia, o
nível de compromisso do contribuinte com o Estado não vai ficar por
aqui.
Com a criação do serviço público de notificações
eletrónicas e da morada única digital, as notificações efetuadas para o
domicílio fiscal eletrónico do contribuinte consideram-se efetuadas no
quinto dia posterior à sua disponibilização.
Ou
seja, a lei vem presumir que o contribuinte viu a notificação cinco
dias depois de a receber através do serviço público de notificações
eletrónicas (o sítio da Internet ou a aplicação móvel disponibilizada
para o efeito) diminuindo o anterior período de 25 dias para as
notificações feitas através da caixa postal eletrónica.
E
interessa que tenha ou não visto a notificação? Muito pouco. Para que se
afaste esta presunção, o contribuinte terá de provar que não viu a
notificação por causa que não lhe seja imputável. Ou seja, terá de
provar que não viu, não porque não quis, mas sim porque não pôde.
Nos
dias da era digital, esta prova pode ser bastante complicada - não é
fácil alegar que se estava num sítio sem rede e sem acesso à internet.
Mas
esses sítios, para nosso bem, ainda existem. O que não pode existir é
uma obrigação implícita que force o contribuinte a estar constantemente
sob vigilância, sob pena de não saber, por um lado, que existe um
processo não judicial iniciado contra si e, por outro, que está a
decorrer o prazo que tem para se defender desse mesmo processo.
Porque
o que está aqui em causa é precisamente o momento a partir do qual se
começa a contar o prazo que o contribuinte tem para exercer a sua
defesa.
Não queremos, contudo, afastar definitivamente
toda e qualquer presunção de notificação, sob pena de impossibilitar a
comunicação e agilização dos processos tributários.
Todavia,
é necessário ponderar qual a importância de um processo tributário mais
célere e qual a importância das garantias de defesa do contribuinte -
ponderação que só em abstrato pode parecer difícil, uma vez que as
garantias do contribuinte perante a Administração são de tal importância
que estão consagradas na Constituição da República Portuguesa.
Não
podem restar dúvidas de que, perante uma Administração Tributária
dotada de todos os poderes que goza um órgão da administração do Estado,
se deve dar prevalência à defesa do contribuinte que, reiteramos, não
tem de estar contactável a tempo inteiro.
A solução pode
originar casos perfeitamente absurdos: alguém que sofre um acidente de
viação no dia em que recebe uma notificação e fica internado durante uma
semana, quando sair do hospital, vai deparar-se com um prazo de defesa
com menos dois dias. E o contribuinte, além de se preocupar com a sua
recuperação, terá também de se preocupar em afastar a presunção de
notificação.
Mas não podemos perder de vista que a
presunção é uma criação legislativa que permite ao órgão que aplica o
direito conhecer aquilo que, de outro modo, não conheceria. E, como
todas as criações, tem de ser razoável e ponderada, sob pena de cairmos
num mundo de perfeita fantasia, onde só um supercontribuinte poderia
exercer atempadamente os seus direitos.
* Advogada na Macedo Vitorino & Associados
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
26/10/17
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