12/10/2017

PEDRO GRAÇA

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Os lugares de Portugal 
onde a comida saudável 
ainda é proibida

Poderíamos começar pelas nossas praias concessionadas, com diversos serviços que nos ajudam em tempo estival, mas onde não existem muitas vezes simples bebedouros públicos, obrigando a comprar água para matar a sede e inundar o nosso planeta de plástico

Portugal e a Europa atravessam novos tempos em termos de saúde e o sistema urge em se modificar. O colapso económico deste modelo é eminente pois está baseado no tratamento, cada vez mais caro de doenças crónicas, em populações cada vez mais idosas, cada vez mais doentes e menos produtivas contributivamente para alimentar o próprio sistema.

Não tem muito para saber e só é estranho que a discussão mediática seja habitualmente em torno dos direitos dos trabalhadores da saúde e pouco em torno da mudança necessária e radical de um sistema que já não tem capacidade para os pagar (e que deveria ter capacidade para o fazer).

Centrando-me na área alimentar e que melhor conheço, os números são fortes. Sabemos hoje que mais de 23% de todas as mortes no espaço europeu podem ser atribuídas a hábitos alimentares inadequados. Cinco dos dez principais determinantes de anos de vida saudável perdidos pelos europeus estão relacionados com hábitos alimentares. Estima-se que 15 milhões de anos de vida perdidos anualmente se devam, na Europa, a hábitos alimentares inadequados. Estima-se que 7% de perdas no Produto Interno Bruto dos países membros, em média, se deva à obesidade. 1 em cada 3 crianças com onze anos no espaço europeu tem excesso de peso.

Em Portugal o panorama não é diferente e até se agrava em alguns casos, pois somos o país da Europa com maior crescimento e prevalência de Diabetes (1 em cada 10) e onde o Acidente Vascular Cerebral (AVC) está significativamente acima da média europeia, alterando drasticamente a vida de milhares de famílias portuguesas por ano e onde o consumo excessivo de sal é uma das suas marcas (44% da população é hipertensa).

Face a estes números, particularmente graves na doença cerebrovascular, pois cerca de 35 mil portugueses morrem anualmente por doenças cardiovasculares (que continuam a ser a principal causa de morte entre nós) sabemos hoje que metade desta mortalidade pode ser atribuída a causas alimentares.

Existe, portanto, um forte consenso no mundo científico para se trabalhar prioritariamente na alteração do panorama alimentar no espaço europeu, promovendo ambientes saudáveis do ponto de vista da alimentação e da promoção da atividade física. Apesar disto, o sistema nada muda continuando a Europa a gastar, em média, 97% dos seus orçamentos de saúde em tratamento e apenas 3% em prevenção e promoção de ambientes saudáveis, sendo que a promoção de hábitos alimentares saudáveis deve rondar valores pouco acima do zero em muitos países europeus. Do outro lado, está um sector muito forte e altamente capacitado, com orçamento quase ilimitado para promover os alimentos que bem entender e, acima de tudo, para promover um ritmo de mudança em função da capacidade de nada perder com a mudança.

O diagnóstico está feito e os métodos para alterar este panorama estão cada vez mais consensualizados em torno da necessidade de facilitar as escolhas alimentares mais saudáveis ao cidadão, deixando-lhe a liberdade para fazer outras, se assim e em consciência o entender. Isto significa abandonar a centralidade do paradigma da educação do consumidor (que continua a ser muito importante) e trabalhar na construção de ambientes diários nos locais onde vivemos (casa, trabalho, tempos livres…) que sejam facilitadores de uma alimentação saudável. Neste aspeto, as políticas promotoras de saúde tendem a abandonar, em parte, o espaço tradicional da saúde (hospitais, centros de saúde…) e deslocam-se cada vez mais para as autarquias, para os locais de trabalho, para os locais de lazer e para a própria casa de cada um, obrigando a novas responsabilidades de todos. Estaremos preparados para isto? Ainda não. E o sistema de saúde está preparado para esta mudança? Menos ainda.

Para ilustrar esta situação centremo-nos por minutos nos nossos locais públicos. Quem viaja pelos locais públicos do nosso país, arrisca por vezes, a entrar em lugares onde a comida saudável parece estar proibida. São muitas vezes locais onde é necessária uma autorização do Estado para estarem abertos e a prestar serviços de diversa ordem. Prestam-se assim todos os serviços, exceto e em muitos casos, serviços de promoção da saúde. Poderíamos começar pelas nossas praias concessionadas, com diversos serviços que nos ajudam em tempo estival, mas onde não existem muitas vezes simples bebedouros públicos, obrigando a comprar água para matar a sede e inundar o nosso planeta de plástico. Ou o que dizer dos nossos transportes públicos. Que se saiba não existem, ou são raros, os bebedouros de água nas estações de metro de Lisboa e Porto, existindo, contudo, diversas máquinas de venda automática onde os refrigerantes custam pouco mais do que a água engarrafada. O mesmo poderemos dizer de diversos recintos desportivos municipais, promotores de desporto, mas “despromotores” da alimentação saudável onde encontrar um refrigerante e um folhado é mais fácil e barato do que encontrar um sumo natural ou uma peça de fruta. Ou ainda dos nossos cinemas e centros comerciais onde impera a bebida embalada, o chocolate, a pipoca doce e similares. E poderíamos continuar não esquecendo as universidades públicas, locais onde o estado paga para formar intelectualmente toda uma geração de portugueses, mas onde abunda o lixo alimentar e onde estão praticamente ausentes as políticas sérias de promoção de uma alimentação saudável e valorização cultural do nosso património alimentar mediterrânico. A lista seria muito longa e significa ainda o longo caminho que temos de percorrer, mas passo a passo e sem hesitar começou a acontecer alguma coisa em Portugal nesta área nos últimos tempos. Não podemos é parar agora.

* Pedro Graça é Diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direcção Geral da Saúde. É doutorado em Nutrição Humana pela Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) onde é professor associado.
É membro do Conselho Científico da ASAE e ponto focal português da OMS e Comissão Europeia na área da alimentação.

IN "VISÃO"
10/10/17

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