18/10/2017

BRUNO ALVES

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A crise veio para ficar

Partidos como o PSD e o PS, dependentes de dependentes do Estado, não têm condições de mudar o que quer que seja.

Como seria de esperar, o anúncio de que Pedro Passos Coelho não se recandidataria à liderança do PSD trouxe à política portuguesa o tipo de “animação” tão apreciada por jornalistas, comentadores e políticos sem capacidade para prestarem atenção a outra coisa que não a intriga mais rasteira: enquanto os seus mais ferozes críticos, que o vêem como uma espécie de Mal personificado, festejavam a sua “morte política” de uma forma que levava a crer que lhe desejavam a morte pura e simples, e os seus adoradores lamentavam a sua saída de cena como uma adolescente embevecida com uma “boys band” chora a saída de um seu membro, Rui Rio anunciou a sua candidatura, um espectro do Além apareceu desejoso de reviver os seis meses que deram o poder ao “animal feroz” agora à beira de ser enjaulado, e toda uma sorte de gente duvidosa “ponderou” se lhes seguia o exemplo ou ficava em lume brando à espera de melhores dias.

Quem tenha o hábito de me ler ou se dê ao trabalho de uma busca rápida pelas catacumbas da internet saberá o que penso de Passos Coelho: embora fazendo os possíveis para evitar que Portugal caísse na bancarrota, passou o seu tempo em São Bento a deixar os problemas do país intactos, o que os tornou mais graves. Mas ao contrário dos seus opositores, fãs e putativos sucessores, não penso que a sua saída mude o que quer que seja, no PSD ou em Portugal.

O problema do PSD não é de liderança, e nem sequer é um problema só seu; é um problema do país e que se abaterá também sobre o PS mal o Maná do turismo deixe de jorrar dos Céus e a conjuntura internacional se torne desfavorável: as políticas populares junto dos eleitores pioram as suas vidas quotidianas, e as políticas que poderiam melhorar as suas vidas são extraordinariamente impopulares.

Habituados à olhar para a conjuntura como se a realidade nela se esgotasse, vemos o valor oficial do défice a baixar e esquecemo-nos de que não só o Estado português continua a precisar de gastar mais do que o (muito) que cobra aos cidadãos, como também os factores estruturais da sociedade garantem que no futuro terá de continuar a gastar e diminuir ainda mais o rendimento disponível de quem o paga: a Segurança Social terá um número cada vez menor de “contribuintes” a pagar pensões cada vez mais pequenas a um número cada vez maior de beneficiários; na Saúde, não só o aumento de produtividade dos serviços prestados não acompanha o ritmo do crescimento dos gastos salariais inevitável pela competição por mão-de-obra com actividades com maior aumento de produtividade, como a inovação tecnológica é demasiado rápida para que os seus preços comecem a baixar; e na Administração Pública, as promoções automáticas e os aumentos salariais em todos os escalões asseguram a permanente subida dos níveis de despesa.

Maior que a gravidade destes problemas, só a resistência à mudança que os poderia aligeirar, não só da parte de quem beneficia deste estado de coisas, que compreensivelmente não querem perder as vantagens de que usufruem, mas também de quem as sustenta, perante a incerteza inerente a qualquer reforma. Partidos como o PSD e o PS, dependentes de dependentes do Estado, não têm condições de mudar o que quer que seja, pois fazê-lo implicaria sacrificar os dependentes de quem dependem, ou seja, implicaria sacrificarem-se a si próprios.

Daí a fragmentação eleitoral a que se tem assistido desde 2009, ou seja, desde que a crise do subprime americano e a crise das dívidas soberanas que se lhe seguiu abalou o castelo de cartas do sistema político português: apertando-se a torneira de empréstimos que financiava a diferença entre o que o Estado conseguia cobrar e o que gastava, os governos de todos os partidos tiveram de cobrar mais e gastar menos. Os eleitores foram ficando progressivamente mais descontentes com as consequências de tais medidas na sua vida diária, ao mesmo tempo que rejeitam qualquer alteração ao sistema que torna essas consequências inevitáveis, e muitos culparam PSD e PS pelo seu infortúnio, transferindo o seu voto para partidos mais pequenos ou não votando de todo.

O resultado é simples mas aterrador: os governos, seja de que partido forem, terão cada vez menos condições para fazer as reformas que poderiam diminuir os problemas que causam o descontentamento dos eleitores, o que perpetuará os problemas e agravará esse descontentamento, deixando cada vez menos condições para os enfrentar. Passos bem pode ir-se embora, mas a crise que ele não quis ou não conseguiu enfrentar veio para ficar.

* POLITÓLOGO

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
16/10/17

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