19/09/2017

SANDRA MAXIMIANO

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Ciclos viciosos do 
absentismo feminino

“O absentismo nos homens é quase zero e muito grande nas mulheres” diz Luís Onofre, presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), em entrevista ao Dinheiro Vivo. Tirando o hiperbolismo numérico, goste-se ou não, esta afirmação mostra uma realidade, que não é exclusivamente portuguesa.

Em geral, as mulheres faltam mais ao trabalho por motivo de doença. Os resultados do último Inquérito Nacional de Saúde (INE/INSA 2016), aplicado em 2014, mostram que, com exceção do enfarte do miocárdio, do acidente vascular cerebral, da diabetes e da cirrose hepática, e as respetivas consequências crónicas destas doenças, as mulheres sofrem de mais doenças crónicas, sobretudo relacionadas com o sistema músculo-esquelético, e depressão. Este facto explica que mais mulheres do que homens tirem baixa por doença. Cerca de 29,1% das mulheres face a 23,1% dos homens referiram ter estado ausentes do local de trabalho pelo menos um dia completo devido a problemas de saúde, nos 12 meses anteriores ao inquérito.

Mas as mulheres, em média, não só têm uma saúde mais precária, como sobre os ombros carregam grande parte da responsabilidade da execução das tarefas domésticas e prestação de cuidados à família. Este “fardo” por si só é passível de criar grandes disparidades na taxa de absentismo feminina e masculina. Mais, até que ponto as tarefas domésticas e prestação de cuidados contribuem para uma saúde mais débil é uma questão em aberto.

Quando um filho está doente é em geral a mãe que tira o dia ou os dias para cuidar da criança. E várias são as razões para tal. Por um lado, há famílias onde o papel da mulher está inequivocamente ligado ao papel de cuidadora, quer porque o homem se imiscui desta responsabilidade, quer porque a mulher prefere ser ela a cuidar, tendo por detrás a convicção, muitas vezes falsa, de que o pai não é tão capaz. Por outro lado, para muitos casais a escolha de quem se deve ausentar do trabalho para cuidar da família não é baseada em preconceitos, mas apenas resulta de uma escolha económica racional. Se a mulher ganha menos, menos se perde se for esta a tirar o dia. O problema é que enquanto maximizadora do rendimento do casal, esta opção faz com que as mulheres entrem num ciclo vicioso, onde menores salários justificam maior absentismo que por sua vez justifica menores salários.

Mais este ciclo vicioso não é o único. O absentismo não resulta apenas da falta de saúde e da prestação de cuidados à família, mas também da desmotivação dos trabalhadores. Apesar de não existirem dados que mostrem claramente que a desmotivação das mulheres no local de trabalho é superior à desmotivação dos homens, o facto das mulheres ganharem em média menos, participarem menos em formações profissionais promovidas pela empresa, terem uma ascensão mais difícil na carreira, é indicativo de que a motivação de homens e mulheres seja diferente. Se as condições laborais forem diferencialmente desfavoráveis para homens e mulheres, criam-se diferenças no absentismo que por sua vez agravam as disparidades nas condições laborais, intensificando-se as desigualdades de género no mercado de trabalho.

Por último, para além dos motivos acima referidos, o absentismo feminino é potenciado por expectativas e estereótipos. Por exemplo, aquando do recrutamento de um novo trabalhador o empregador avalia a potencial produtividade deste com base na informação da produtividade do grupo a que este pertence. Portanto, se for mulher, cria-se imediatamente a expectativa que ficará mais doente, que naturalmente prestará mais cuidados à família, e que enfrentará um maior stress dado o conflito trabalho-vida familiar. Esta mulher recebe o rótulo de absentista mesmo antes do seu primeiro dia de trabalho. O pior é que as expectativas podem por si só influenciar o comportamento e os estereótipos de género, levado a que a profecia do empregador se torne realidade (a chamada self-fulfilling prophecy). Em geral, os estereótipos sobre as mulheres criam uma cultura de expectativa e legitimidade em torno do absentismo feminino, levando a um absentismo real.

A afirmação de Luís Onofre incomoda-me porque não é apenas um espelho inócuo da realidade. Está baseada em informação, crenças e estereótipos relativos às mulheres como categoria social, alimentando assim ciclos viciosos de discriminação. E em relação ao absentismo feminino há muitos ciclos por quebrar.

IN "EXPRESSO"
15/09/17

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