16/08/2017

SOFIA MARTINS

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Quando a intolerância
 nos sufoca

"A verdade é que andamos todos muito reativos, prontos para a “guerra”. Com muito pouca fé nas intenções uns dos outros. Ao fim e ao cabo, com pouca fé na Humanidade"

Ontem, a estacionar, toquei sem querer no carro detrás. Foi um toque tão pequeno que mais parecia um beijinho. De imediato surgiu a dona do carro, zangadíssima comigo. Expliquei-lhe ter sido um toque ao de leve, que calculava que visto à distância parecia pior mas não tinha mesmo sido nada, como ela própria pôde comprovar. Pedi-lhe desculpa porque, como é óbvio, bater nos carros para arrumar o nosso não é sistema. Mas quem nunca o fez? Falei-lhe com toda a calma. Senti-a em conflito. Estava claramente pronta para me atacar, mas o meu tom de voz ou a forma como falei, se por um lado a acalmou, por outro, fê-la sentir-se desconfiada. Como se não fosse possível resolver aquela situação de outra forma que não aos berros. Acabou por ir-se embora, dizendo-me algo antipático, mas em tom ligeiro. Talvez para ficar com a sensação de que não fora vencida. Ou ser considerada fraca por não ter dito, feito ou acontecido algo.

Esta situação deixou-me a pensar. Tal como outras que me surgiram à mente em que eu própria estive com a atitude daquela mulher. A verdade é que andamos todos muito reativos, prontos para a "guerra". Com muito pouca fé nas intenções uns dos outros. Ao fim e ao cabo, com pouca fé na Humanidade.

Atacamos cegamente, partindo sempre do principio de que o ser humano é alguém mal-intencionado que nos quer vigarizar. E muitas vezes, nem damos espaço para ouvir as razões do outro. Gritamos para não gritarem connosco. Agredimos, para não nos agredirem. E assim caminhamos, numa desconfiança permanente, numa crescente sensação de que as pessoas estão perdidas. Egoístas. Desmotivadas e impacientes. De que as pessoas perderam totalmente os seus valores.

Sim, de facto os tempos exigem-nos muito. Situações de abuso, faltas de respeito estão por todo o lado. Andamos tensos, enervados. Como panelas de pressão, prestes a explodir. Mas será que não está na hora de acordarmos, cada um de nós? De procurarmos aliviar o stress de outras maneiras mais saudáveis? Será que não podemos fazer alguma coisa para inverter este clima tenso que paira no ar? Acredito que há algo que nos une a todos. Algo que nos leva a agir como agimos, tantas vezes sem pensar. Tantas vezes por medo. Por insegurança. Algo que nos pode ligar, em vez de separar: o Amor. Ou a falta dele. Quando deixamos que o amor nos seque por dentro, deixamos de ser compreensivos. Generosos. Benevolentes. Atentos. Empáticos. Deixamos que uma certa pressa que não admite falhas fale mais alto. E essa pressa traz consigo toda a agressividade que acumulamos dentro de nós. Negar essa agressividade não significa sermos "bananas". Bem longe disso. Significa conseguirmos encontrar em cada interação as razões que deixam o outro inquieto. Partirmos do princípio de que se trata apenas de uma inquietação que se manifesta de uma forma desgovernada. Agirmos com compreensão, empatia e benevolência, vai revelar em cada um de nós alguém bem mais solidário e capaz de resolver a maior parte dos conflitos.

Estamos todos no mesmo barco. Vivemos todos sob o mesmo céu. E essa noção deve prevalecer sempre numa comunhão que já experimentámos em situações felizes ou de emergência nacional. Ela existe, há que vivenciá-la no dia-a-dia, onde é tão necessária. Comecemos por respeitar-nos. Encontrar aquele lugar que nos torna mais humanos. Aquela parte de nós que sabe o que é sentirmo-nos frágeis. Impotentes. Solidarizarmo-nos a partir daí. E resolver os mal-entendidos que surgirem, com ponderação.

Evitamos assim males muito maiores. E ajudamos a tornar este mundo um lugar bem mais saudável. Vale a pena pensarmos nisto.

IN "SÁBADO"
09/08/17

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