01/08/2017

PEDRO MARQUES LOPES

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A política do boato

Já lá vai o tempo em que se podia dizer que algo sem a menor base de verosimilhança, sem o menor fundamento, mais cedo ou mais tarde, destruiria a credibilidade dos seus mentores. Pelo menos, faria que caíssem no ridículo e que, na melhor das hipóteses, meia dúzia de pessoas adeptas de teorias da conspiração continuassem a acreditar neles. O facto é que vivemos na era do Infowars do Alex Jones, onde se ouvem as mais delirantes mentiras e teorias que são religiosamente seguidas por milhões de americanos e apadrinhadas pelo próprio presidente dos Estados Unidos da América.

Há aqui, no entanto, dois níveis que têm de ser separados. O primeiro diz respeito à existência de gente disposta a acreditar num conjunto de patranhas por estas porem em causa realidades que não lhes agradam ou por pensarem que mentir em algumas coisas ajuda à vitória de uma causa que consideram justa. O segundo relaciona-se com responsabilidade política. Com o dever do político de não levantar suspeitas sem bases sólidas, de não promover boatos ou de não rejeitar o contrato implícito que tem com os cidadãos não inventando realidades paralelas. Mais, de ser o primeiro travão a teorias da conspiração, mesmo que estas lhe deem conjunturalmente jeito. Um político não inventa realidades, trabalha para transformar a realidade.

Em Portugal, ainda não temos gente do género do Alex Jones nem sequer parecida. O que vai crescendo é uma espécie de colunismo de táxi 2.0, rapazes e raparigas que estão a passar do discurso populista para uma coisa mais sofisticada. Esta semana li uma crónica a defender que havia uma gestão política do número de mortes da catástrofe de Pedrógão e outra a dizer que se andava a brincar à contagem de cadáveres. Tudo isto sem que se tenha percebido em que é que se baseavam para terem escrito o que escreveram. Enfim.

Tenha a infeliz história da lista de mortes de Pedrógão sido iniciada por uma manchete infeliz - contrariada, aliás, pela notícia absolutamente correta -, tenha havido órgãos de comunicação a dar ouvidos e imenso tempo de antena a alguém que se lembrou de dizer coisas sem que tenha havido o mínimo esforço de esses mesmos media em investigar minimamente a história e a pessoa, tenha sido promovida por colunistas do taxismo 2.0, o PSD e o CDS (que foi a reboque) portaram-se de uma forma, pura e simplesmente, miserável. Miserável é pouco: não há adjetivos para qualificar quem cavalga politicamente delírios, ainda por cima dos que metem mortes em catástrofes.

É que uma coisa são possíveis erros da comunicação social, outra é decidir fazer batalha política sem ter o mínimo cuidado em verificar se há base para acusar quem quer que seja, sem a mais pequena preocupação em perceber se há de facto uma réstia de assunto, chegando a um ultimato patético.

Nunca julguei ser possível que os responsáveis pelo partido mais votado pelos portugueses levantassem uma suspeita gravíssima sem o mais pequeno fundamento, sempre pensei que o partido que é corresponsável pelo regime só tendo conhecimento de factos muitíssimo graves pusesse em causa o bom nome de instituições democráticas e abandonasse o recato devido numa situação que mexe com sentimentos profundos. O PSD decidiu realizar a segunda parte da comédia "Há petróleo no Beato" mas desta vez com cadáveres. Não fosse isto tudo de uma enorme gravidade e irresponsabilidade, ainda se foi mais longe: depois de não restar a mínima dúvida de que não havia mais listas de mortes, ainda houve a total falta de vergonha de dizer que o PSD foi o responsável por acabar com o clima de suspeição que estava a grassar por todo o país. Mais ou menos como se dizer: nós legitimamos o delírio de que as autoridades e o governo escondiam mortes, nós alimentámos essa ideia e agora congratulamo-nos por as histórias que andámos a promover, e para as quais não tínhamos o menor indício, se terem provado falsas.

No fundo, tivemos uma reedição da tese dos suicídios. Também não havia qualquer base factual para se falar de suicídios provocados pela catástrofe e mesmo assim o líder do PSD não teve o mínimo pudor em lançar essa atoarda. A diferença foi que houve um desmentido poucas horas depois, não o tivesse havido e ainda teríamos o PSD a pedir uma reunião no Parlamento para se proceder a averiguações sem que houvesse o menor indício para tal que não uma historieta soprada por um qualquer irresponsável.

O PSD podia fazer oposição. Podia apontar as já evidentes falhas do governo na condução do processo pós-Pedrógão, podia e devia pôr em causa o Ministério da Educação na questão das matrículas no ensino público, podia questionar a fragilidade do governo na resposta ao assalto de Tancos, podia explorar o mundo de contradições e a evidente incapacidade da geringonça de se entender em todas as questões relevantes e que deixa o país mais uma vez adiado e sem fazer as reformas necessárias - a reforma das florestas e a segurança social, são apenas dois exemplos flagrantes. Mas não, os dirigentes do PSD preferem entrar numa deriva que insulta a sua memória e o seu património promovendo o candidato autárquico Ventura que diz que "vivemos num marasmo há quarenta anos" e campanhas que promovem boatos e realidades paralelas.

Se o plano é deixar o país entregue a esta ou a outra geringonça por muito tempo, os dirigentes do PSD estão a fazer um bom trabalho.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
30/07/17

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