17/08/2017

MIGUEL GUEDES

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A mão que afaga o monstro

São duas as opções perante a catástrofe iminente. Podemos assistir serenos e impávidos ao desmoronar dos mais elementares alicerces da liberdade ou, então, desatamos a arregimentar o sofá ao eterno descanso, fazendo a nossa parte, partindo para o combate. São duas atitudes passíveis de entendimento: uma, a maioria silenciosa, abre a boca de espanto e exclama; a outra, minoria ruidosa, solta as palavras da boca e passa à demanda. Normalmente, é esta última que faz revoluções, alarga o passo da história e apressa o tempo que no relógio tarda a passar.

A eleição de Donald Trump convocou um Mundo em maioria silenciosa. O espanto globalizou-se e a onda de choque fez o seu caminho até ao momento em que o impacto se desvaneceu perante os dislates com que diariamente nos brindava em folha seca de Twitter. No fundo, voltou a ganhar a corrida dos primeiros nove meses de presidência com os mesmos métodos que utilizou para vencer a corrida presidencial até às eleições: conseguiu convencer-nos, novamente, a olhar para o acessório e não para o essencial do que representa, é e executa. Enquanto nos silenciámos maioritariamente para assistir à sua pantomina e estupidez, Trump foi moldando o Mundo à sua ideologia. E não admira que seja ele o pai adoptivo que todos os fascistas gostariam de adoptar. Racistas, neonazis, "alt-right", Ku Klux Klan. E assenta-lhe bem, como a obra assenta ao pai criador.

A forma desculpabilizadora como reagiu à violência terrorista de Charlottesville diz tudo sobre o perigo real que representa. Após marchas de ódio iluminadas a tochas, saudações, cânticos nacionalistas, bandeiras e fumos neonazis, depois da morte de uma pessoa que não se silenciava perante a atrocidade, após um dia que envergonhou e ensombrou a América e o Mundo, Trump condenou a violência "em vários lados". Em vários lados. Escolheu afagar o monstro, passou a mão pelo pêlo daqueles que ponderam a vida dos outros em função da cor, religião ou costumes. Precisamente porque parte de dentro dela para a implodir, Trump é o inimigo público n.º 1 da democracia no Mundo. E merece ter a sua cabeça a prémio, afixada em cartaz desde a sala oval até ao mais saloio saloon. Trump tem razão: nem todos os homens são iguais, ele é diferente.

Há um espelho no Pontal português e, infelizmente, é fiel. A radicalização extremista do PSD não pára de crescer e nem os acontecimentos em Charlottesville impediram Passos de vomitar demagogia sobre a política de imigração em Portugal. Depois de apoiar a xenofobia e racismo do candidato à Câmara de Loures, Passos Coelho escolheu estender o seu PSD num caixão indistinto, "qualquer um". Espera-se a "qualquer momento" que o líder do PNR também o caracterize como "um dos meus".

* MÚSICO E JURISTA

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
15/08/17

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