30/07/2017

MÁRIO RAMIRES

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O coletivo de Parvos

Se António Costa não tivesse tido uns dias de férias em Palma de Maiorca, dir-se-ia que estava a precisar delas. E está. Porque, afinal, foram só uns dias e à boa maneira de boa parte do bom povo português também para o primeiro-ministro as férias devem parecer-lhe sempre curtas.

Se não, vejamos.

No sábado, em Coimbra, numa iniciativa do PS para assinalar a passagem de mais um aniversário sobre a manifestação da Fonte Luminosa no Verão Quente de 1975, António Costa saiu-se com uma frase verdadeiramente espantosa, que, pasme-se, teve muito pouca ou quase nenhuma reação.

Disse o primeiro-ministro na qualidade de líder do PS: «A melhoria das contas públicas não foi feita à custa dos portugueses mas em benefício de todas e de todos os portugueses».

Como é que é?

Importa-se de repetir?

E não é que repetiu?

E não é que até pretendeu justificar? Disse: «Aquilo que temos provado neste ano e meio é que é possível baixar a carga fiscal, melhorar a qualidade do ensino, melhorar a qualidade do Serviço Nacional de Saúde, aumentar a despesa social e, mesmo assim, termos tido o défice mais baixo da nossa democracia».

E vai de lá e ainda reforçou com vários «exemplos» de ‘melhorias’ nos serviços públicos.

Só pode ser deste verão tão quente.

Dias depois, com o país outra vez a arder e o descontrolo e descoordenação do comando novamente posto a nu, o mesmo líder do PS mas agora na qualidade de primeiro-ministro fez saber que esteve duas horas na Autoridade de Proteção Civil. E mais outra hora a dar uma conferência de imprensa ladeado por uma visivelmente esgotada ministra e por um mumificado secretário de Estado da Administração Interna.

Aí, e em suma, fez de bombeiro rodeado de chamas por todos os lados: pazada à direita (miserável pelo «aproveitamento político» da tragédia), areia para a esquerda (que lá aprovou a reforma florestal), mangueirada de água para onde estava virado (porque «a polémica só surge quando decidiram especular e acusar o Governo de estar a esconder a lista [de vítimas dos incêndios], que é só das acusações mais parvas»).

E com ar sério e grave acrescentou que as alterações havidas na Proteção Civil nada têm a ver com os resultados dramáticos a que assistimos e continuamos a assistir. Porque, metaforizou, isto não é como no futebol «nem se trata de saber quem é que marca o pénalti».

Bom, desta vez a expressão não foi ‘melhoria dos serviços públicos’ - seria demasiado topete -, mas sim «confiança nos serviços do Estado» - que não deixa de ser indecoroso.

Porque, pelo que o Ministério Público apurou «até ao momento», morreram pelo menos 64 pessoas. E houve quase 200 feridos - embora também neste caso ainda não se conheça lista alguma.
Como já aqui escrevi e agora repito, felizmente que numa tragédia desta natureza e com tais dimensões não houve nem há registo de um único desaparecido.

Isto claro, citando os ‘critérios’ e, uma vez mais, falando de vítimas cuja ‘causa direta’ da desgraça tenha sido o incêndio.

Porque, ao que parece, a senhora atropelada quando fugia do fogo morreu vítima de... atropelamento. E o senhor internado na sequência de inalação de fumos veio a morrer vítima de... pneumonia. O MP está a investigar.

Na lógica destes senhores, tecnicamente, quem se atirou das janelas das torres gémeas do WTC não terá sido vítima do ataque terrorista do 11 de setembro mas sim de... suicídio.

Uma vez mais, voltamos aos conceitos de diretos e indiretos, que tão bem o Governo sabe usar.
Como provado está pela frase de Costa em Coimbra e pelos dados da execução orçamental divulgados esta semana.

Os impostos diretos baixaram? É um facto! E os indiretos? Subiram, claro. Mas, para o primeiro-ministro e apoiantes, como são indiretos não contam.

A carga fiscal não desagravou coisa nenhuma. Aumentou! Aliás, como resulta evidente da execução orçamental, embora, para o Governo e seus parceiros, o aumento da receita fiscal deva resultar naturalmente de uma ‘melhoria dos serviços do Estado’, ou seja da maior eficácia da máquina fiscal.

Pois sim.

Já agora, os reformados e pensionistas a quem o Governo devolveu reformas e pensões ficaram a saber esta semana que a Caixa Geral de Depósitos vai passar a cobrar-lhes comissões pela manutenção das contas. Metade do que cobra a banca privada - argumentam os senhores da Caixa. Pois, só que se trata do banco público e, em muitos casos, as comissões são superiores ao valor reposto na reforma ou pensão.
Curioso que nem o Governo, nem o BE ou o PCP - que tanto barulho fazem contra decisões de gestão de empresas privadas - nada disseram ou protestaram.

Também aqui, e uma vez mais, o Estado indiretamente tira o que  diretamente diz que devolveu.
É um embuste.

Ou, indiretamente, o que António Costa está a chamar à maioria das portuguesas e dos portugueses - para usar a terminologia de esquerda que tanto lhe é cara - é que são, somos, um coletivo de parvos.
Ou, pelo menos, julgam-nos assim.

E lá terão os seus motivos.

IN "SOL"
29/07/17

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