15/06/2017

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HOJE NO 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

Sveva: 
"Uma mulher pode estar casada 50 anos
 e o marido nunca a conhecerá"

A autora milanesa Sveva Casati Modignani já vendeu um milhão de livros em Portugal. Esteve na Feira do Livro de Lisboa para autografar mais umas centenas de romances.

Na verdade a autora chama-se Bice Cairati mas todas as suas leitoras a conhecem por Sveva Casati Modignani, um pseudónimo que entrou nas livrarias em 1981, data em que lançou o seu primeiro livro. Um romance que surgiu após ter-se cansado da profissão de jornalista, quando ao fim de dois anos de inatividade profissional decidiu escrever um relato com as memórias da sua família.

Episódios que os familiares lhe tinham contado desde há muito e que com tanto tempo livre entretanto decidiu passar ao papel. Histórias dos avós, dos tios, de conhecidos próximos da família. 

Não era um romance, afirma Sveva Casati Modignani nesta entrevista, mas sim uma forma de passar o tempo livre. E assim foi até que um dia o marido, Nullo Cantaroni, reparou numa pilha de folhas que se avolumava sobre a sua secretária e questionou o que era aquilo. Após a leitura dessas páginas, disse à mulher que o seu relato era um romance. Foi assim que começou uma parceria a quatro mãos entre ambos nesse e em muitos livros seguintes, que se transformou num sucesso gigantesco perante um público de leitoras de muitos países e que já ultrapassou os dez milhões de exemplares vendidos - um milhão em Portugal -, com uma vasta coleção de histórias eminentemente femininas. A dupla desfez-se com a morte do marido em 2004, mas o pseudónimo continuou.

Os títulos dos livros de Sveva dizem tudo: O Jogo da Verdade, O Esplendor da Vida, A Vinha do Anjo, A Viela da Duquesa... Ou os autobiográficos, como o já publicado em Portugal, O Diabo e a Gemada, em que contava como eram os tempos na sua cidade Natal durante a II Guerra Mundial, ou um outro mais recente, Un battito d"ali, ainda por traduzir, no qual recorda a sua vida já com mais idade, numa Milão dos anos 50, em que tem de ajudar a família no seu sustento e abandona a universidade. Em Portugal sairá em outubro, ainda sem título em português, o seu último romance, Dieci e Lode - trocadilho que Sveva, sim é assim que as milhões de leitoras a chamam, mais propriamente La Sveva -, utiliza por ser uma expressão popular usada para quando se tem sorte.

Numa conversa com perguntas em francês e respostas em italiano, entrevista que lhe interrompe o passeio pelas ruas próximas à Praça do Marquês de Pombal na companhia de uma responsável da comunicação da sua editora italiana, a quem pergunta de vez em quando alguns dados estatístico. Durante a conversa, La Sveva fala da sua obra enquanto não chegava a hora de ir assinar autógrafos na Feira do Livro de Lisboa. Onde a esperava uma banca separada dos restantes escritores, tantas eram as leitoras aguardadas. Fãs que não a desiludiram pois acorreram às centenas, à espera de uns dedos de conversa com uma autora "profundamente milanesa" e para ficar com mais uma assinatura nos seus romances.

Ainda vale a pena escrever romances novos num mundo cheio de livros?
A isso não posso responder porque eu escrevo por uma razão: tenho histórias para contar. Além de que tenho muito prazer em contar a mim própria essas histórias e sei bem que os leitores gostam de as ler.

Sente essa boa receção junto dos leitores portugueses?
Sem dúvida, já vim a Portugal algumas vezes e senti sempre esse desejo de se encontrarem comigo em muitos leitores portugueses.

Qual é a razão deste sucesso no nosso país?
A isso não sei responder. Quando me perguntam porque escrevo assim a única resposta que posso confessar é a de que fui abençoada. Diria que a Nossa Senhora fez um milagre, o de eu ser amada pelo que faço.

É a única explicação que encontra para este sucesso?
Quando comecei a escrever os meus livros descobri que eram muitas as pessoas que gostavam de me ler. Daí ter continuado na escrita e, não posso deixar de repetir, continuo a fazê-lo porque sinto-me sempre abençoada. E, claro, porque gosto de contar histórias desde pequenina,

Os seus leitores são mais do sexo feminino do que do masculino. Qual é a razão?
Sim, essa é uma verdade que confirmo. Historicamente, as mulheres sempre foram grandes leitoras, até muito mais do que os homens. Na Idade Média, elas foram as primeiras a inventar a leitura silenciosa, porque antes era feita em comunidade e em voz alta. No entanto, as monjas do Mosteiro de Santo Ambrósio, que fica localizado em Milão, foram as primeiras a fazer esse tipo de leitura, caladas porque precisavam de respeitar a regra do silêncio. Quanto a serem mais leitoras do que leitores, a explicação é simples: as mulheres têm uma sensibilidade muito maior do que os homens e isso espelha-se também na literatura.

Também existem muitos escritores homens com sucesso entre as leitoras. Porquê?
Um escritor masculino só encontra espaço entre as leitoras quando retira parte feminina de si e a coloca nos seus livros. Para o provar basta lembrar uma carta de Tólstoi para um amigo, em que comentava o grande sucesso de Anna Karenina, dizendo qu e não encontrava resposta que explicasse por que esse romance agradava a tantos leitores.

Considera que pode existir uma escrita feminina?
Não é isso que penso, o que existe é boa literatura e uma escrita que seduz, o género que se escreve, ou se as histórias são bonitas ou más. Tudo isso pesa na atenção dada pelos leitores.

As histórias de mulheres inspiram-na?
Sim, sempre. O mundo feminino é muito mais complexo que o masculino. Uma mulher pode estar casada cinquenta anos e o marido nunca a conhecerá, já um homem basta falar umas palavrinhas e está feito o seu retrato. Conto histórias de mulheres violentadas, das que choram quando apresento os livros porque conto experiências que são tocantes para elas.

Os homens são mais fáceis?
Sim, muito mais fáceis.

Foi publicado em português o seu livro O Diabo e a Gemada. Que é muito autobiográfico ao tratar de um período da sua infância. Gosta de o recordar?
É um livro divertido porque quando olho para aquela menina que sabia o que devia fazer na sua vida, que conhecia bem a dor e as experiências que as pessoas viveram naqueles tempos... Era um mundo muito pequeno aquele em que o livro se passa e bastante difícil porque estávamos em plena II Guerra Mundial. Uma coisa já percebi, é que gosto muito de escrever livros autobiográficos.

O seu próximo romance tem algo de autobiográfico?
Não diria isso, mesmo que por vezes os meus romances contenham sempre alguma coisa de mim. Em geral, quando escrevo agrada-me indagar o mundo feminino. Principalmente, descobrir quantas estradas as mulheres têm percorrido nas últimas décadas para chegarem até à situação em que vivem na atualidade.

É uma narrativa difícil de desenvolver ou é-lhe fácil escrever?
Quando enfrento a escrita de uma página é sempre a história do meu país e sob esse olhar do que as mulheres têm feito, mesmo que o protagonista seja homem. Recentemente, interessou-me escrever sobre o problema da educação, um tema que é um desastre por causa da política dos governos e que se não fosse o empenho de tantos professores poucos jovens encontrariam o prazer de aprender.

Esse tinha um protagonista masculino...
Por isso antes escrevi um em que as mulheres têm um grande papel, que é sobre a produção do vinho em Itália, onde conto tudo o que se passa nesse ofício em que elas predominam; ou um outro que se passava no mundo dos corais, onde há duzentos anos são as mulheres que fazem esse artesanato. Ou seja, estou sempre preocupada em contar um pouco da nossa história, nunca esquecendo aqueles universos em que as mulheres têm tido alguma relevância.

Então, quer reunir histórias e História?
É isso mesmo. Não foi por acaso que já alguém me disse que se quiséssemos refazer a História de Itália desde o fim do século passado dever-se-ia ler os meus romances, porque está ali tudo.

E como é que faz a investigação?
Essa é uma parte muito importante nos meus livros. Faço muita pesquisa, documento-me e falo com bastantes pessoas, que obrigo contarem-me o que viveram. Por exemplo, comecei um romance em que o tema é o mundo operário, que mistura trabalhadores, empresários e sindicalistas. Ora, num país onde o trabalho abandonou a era moderna e passou para a era tecnológica e está tudo em grande mudança este é um tema complexo. Os operários que há 20 anos tinham máquinas de que eram responsáveis ou não funcionariam acabaram pois agora são automáticas na maior parte. E existe uma incapacidade por parte de quem nos governa em compreender que é preciso preparar uma nova classe operária para o modo de produção tecnológico em vigor e procurar um novo rumo para a vida destes trabalhadores.

A sociedade italiana mudou muito. Teve Berlusconi...
...Uff...

...Agora Matteo Renzi...
...Ai....

...É assim tão difícil gostar de um governante em Itália?
Muito, muito difícil, porque não os amamos por mais que nos esforcemos devido a tanta corrupção. Renzi quer retirar o país da influência da maçonaria e da banca poderosa mas o peso do nosso voto acaba por ser nulo. Com Berlusconi vivíamos na Roma dos ladrões, depois foi a vez de Pepe Grilo... A juntar à falta de preparação política dos eleitores está uma situação eterna: o poder corrompe sempre. Tanto assim que grande parte destes revolucionários que querem mudar tudo e estão armados de enormes ideais, quando chegam à grande política ficam iguais aos anteriores. A política é um animal feroz, é o que digo.

Como escolhe o tema dos seus livros?
Olho à volta, respiro a realidade e ouço as pessoas com atenção. Por isso é que escolhi o trabalho como o meu novo tema.

E os imigrantes que chegam à costa italiana não são um bom tema para um livro?
É uma situação tremenda, mas não conheço bem essa realidade. Leio o que se passa e preocupa-me bastante que os imigrantes sejam vítimas de negócios lucrativos. É um fenómeno horrível que para ser tema de um romance eu precisaria de conhecer com mais profundidade. Não se pode escrever sobre o que não se sabe.

Sei que escreveu sobre Luchino Visconti. Porquê essa escolha?
Foi uma história real que vivi e que conto nesse livro autobiográfico, em que relato o meu encontro com ele. Estava a começar como jornalista e a primeira pessoa que entrevistei foi Josephine Baker, que foi a Milão. Visconti era alguém que eu queria muito entrevistar e quando estive num festival de cinema em que ia apresentar o filme Vaghe stelle dell"Orsa tive a sorte de a sua agente aceitar que falasse com ele. A dado momento, ela chegou perto de mim e disse-me: "Venha agora, ele vai conceder-lhe a entrevista". Então lá fui, só que ele estava a tomar o seu banho. Assustei-me e perguntei à agente se estava nu, ao que me respondeu que não: "Está de fato e gravata dentro da banheira". Rimos. Logo em seguida, entrava no interior da suite do Hotel Excelsior de Luchino Visconti que, como uma diva do cinema americano dos anos 50, estava a tomar um banho de espuma - não se via nada! Também não tinha qualquer propensão para as mulheres... Mas fiquei tão intimidada com o cenário que quando me disse "estou a escutá-la, faça as perguntas", fiquei de todas as cores e não sabia o que lhe perguntar. Disse-lhe: "Maestro, neste momento não sei o que lhe perguntar". Respondeu-me com muita calma: "Não tem problema. À noite, há um banquete, farei com fique ao meu lado e fará as perguntas que quiser. E se não tiver questões ainda, conto-lhe uma história qualquer". Era um grande senhor e um homem fascinante.

Já antes tinha entrado noutro quarto de hotel em busca de uma boa entrevista, aos Beatles...
Sim, mas também não houve entrevista. Eu vi a empregada ir levar-lhes comida e pedi para o fazer em em vez dela. Eles toparam logo e expulsaram-me do quarto, mas contei tudo o que se passou. Gostava muito da música deles.

Quantas horas escreve por dia?
Umas quatro horas seguidas no máximo e já é muito. Não sou muito organizada, apenas sigo o meu instinto.

Mas os seus livros não são pequenos!
Pelo contrário, preciso sempre de um ano e meio para os escrever. Está tudo na minha cabeça e quando começo já sei o que vou contar. O trabalho mais complicado é criar as personagens.

Controla as personagens?
Não consigo, mesmo que não as queira a fazer certas coisas elas desobedecem-me.

Parece que ainda escreve na máquina de datilografar. É verdade?
Sempre, não gosto do computador porque sou pouco tecnológica. Para mim a máquina de escrever é o instrumento que controla o meu pensamento, enquanto ouço o matraquear das teclas.

Gosta de ler as críticas aos seus livros?
Sim porque são sempre muito boas.

* Grande escritora.

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